O navio emergiu da névoa da manhã como um pesadelo, uma montanha de aço enferrujado flutuando silenciosamente em direção a Portmere. Os aldeões correram para os penhascos e gritaram, com os rostos pálidos, enquanto o cargueiro aumentava de tamanho a cada ondulação. As mães agarravam as crianças, os pescadores praguejavam e, por um momento de falta de ar, parecia certo que o navio entraria no porto.
Sua proa cortava as ondas com uma força lenta e pesada, inclinando-se como se pudesse se inclinar para a aldeia a qualquer momento. Os avisos soaram, mas foram engolidos pelo rugido do mar. Elias ficou entre eles, com o coração batendo forte, olhando para o gigante que parecia estar perto demais, imparável demais para ser ignorado.
Então, houve um movimento. Ele levantou os binóculos e congelou. Em meio aos contêineres inclinados, uma figura estava de pé, com os braços erguidos e acenando. Um apelo, um sinal, algo vivo em um navio que deveria estar vazio. Elias piscou, e o convés estava vazio novamente. No entanto, a lembrança daquele aceno desesperado se agarrou a ele enquanto o navio se aproximava da costa.
Elias havia morado em Portmere durante toda a sua vida, um pequeno vilarejo à beira-mar onde os dias eram regidos pelas marés. Na maioria das manhãs, ele se levantava cedo e calçava suas botas para verificar as redes ao longo da costa. Ele não era mais um grande pescador. Seu pai tinha sido, mas Elias ganhava a vida fazendo biscates no porto.

Ele consertava cordas, consertava buracos nos barcos e ajudava a descarregar o pescado quando os barcos de arrasto chegavam. Era um trabalho estável, embora muitas vezes parecesse calmo demais para alguém que carregava tanta energia inquieta. À noite, ele gostava de se sentar nos penhascos acima do mar, olhando para o horizonte.
Essa inquietação também fazia com que ele tivesse um sono leve. O menor ruído podia acordá-lo, deixando-o olhando para as vigas de madeira do teto. Portanto, quando os gritos começaram naquela manhã, eles cortaram o silêncio como uma lâmina. A princípio, ele pensou que fossem pescadores discutindo nas docas, mas as vozes tinham um tom diferente. Elas não estavam com raiva. Estavam assustadas.

Ele se sentou rapidamente, com o coração já acelerado, e enfiou os pés nas botas. Do lado de fora, a rua estava cheia de vizinhos que passavam apressados, com rostos pálidos e olhos arregalados. Alguém deixou cair uma cesta de peixes, que caiu desamparada sobre as pedras. As mães puxavam as crianças pela mão. Todos estavam indo na mesma direção, para o caminho do penhasco que dava vista para a baía.
Elias correu atrás deles, sua mente girando com perguntas. Ao chegar ao topo, ele ouviu os gritos: “Está vindo direto para nós!” “Vejam o tamanho dele!” Ele passou pela multidão e então viu com seus próprios olhos. Na água, à deriva silenciosamente em direção à aldeia, havia um enorme navio. Seu casco estava cheio de ferrugem, seus guindastes congelados no lugar, suas janelas escuras.

O sol da manhã o fazia brilhar como uma sombra gigante de ferro, aproximando-se a cada batida do coração. A multidão na beira do penhasco ficou mais alta, as vozes se chocando umas com as outras em pânico. De onde estavam, o enorme navio parecia estar deslizando diretamente para o porto.
As crianças choravam, os homens praguejavam baixinho e as mulheres levavam as mãos à boca como se estivessem se preparando para um impacto. “Ele vai esmagar os barcos!”, alguém gritou. “Direto para o píer!”, acrescentou outro, apontando com dedos trêmulos. Mas Elias manteve seus olhos fixos na proa do navio. Ele acompanhou o ângulo de sua deriva contra o contorno da parede do porto.

Seus batimentos cardíacos diminuíram à medida que ele pensava nisso. “Não”, ele murmurou. “Ele não vai bater.” E, com certeza, quanto mais ele estudava, mais certo ficava. O navio passaria perto, tão perto que pareceria um quase acidente, mas não atingiria o píer. A constatação trouxe um lampejo de alívio, mas os outros não pareciam convencidos.
Suas vozes continuaram, altas e frenéticas, até que alguém finalmente ecoou o que Elias estava pensando: “Espere – olhe. Ele está deslizando. Não vai se chocar” Como uma maré baixa, o medo na multidão começou a diminuir. O riso, nervoso e trêmulo, substituiu os gritos de alarme. As mães acalmavam seus filhos. Os pescadores batiam nos ombros uns dos outros.

Alguns já estavam se afastando, prontos para descer o penhasco e voltar para suas rotinas matinais interrompidas. Mas Elias não conseguia se mexer. Seus olhos se fixaram no gigante enferrujado, nos contêineres inclinados e nas janelas quebradas. Tudo parecia abandonado, um fantasma à deriva na correnteza.
Sem pensar, ele tirou a alça de seus binóculos do pescoço. Eram velhos, um presente de seu pai, com o couro desgastado nas bordas, mas as lentes eram nítidas. Ele os levantou e focalizou o convés do navio. No início, ele viu apenas o que esperava: pintura descascada, grades quebradas, metal retorcido.

Então, algo se moveu. Sua respiração ficou presa. Entre duas pilhas de contêineres, uma figura apareceu. Elias segurou o binóculo com mais força. A figura levantou os braços, uma, duas vezes. Uma onda. Seu peito se apertou. Alguém estava vivo naquele navio. Alguém estava pedindo ajuda. “Veja!” Elias baixou o binóculo e agarrou o braço do homem ao seu lado.
“Há alguém a bordo!” A voz de Elias estalou quando ele baixou os binóculos. O homem ao seu lado franziu a testa. “Do que você está falando?” “Entre os contêineres!” Elias colocou o binóculo em suas mãos. “Eles estavam acenando, veja você mesmo!”

O homem ajustou o foco, apertou os olhos e, em seguida, baixou os binóculos com um movimento da cabeça. “Nada. Apenas ferrugem e sombras.” Elias as pegou de volta, com a respiração embaçando o vidro. Ele procurou novamente, desesperado. Vazio. Apenas metal escorregadio pela chuva e tinta descascada. Mas ele sabia o que tinha visto. A onda tinha sido muito forte, muito humana. Alguém estava lá.
As sirenes cortaram os murmúrios da multidão. Dois carros de polícia entraram no porto, com as luzes piscando. Policiais com jaquetas refletivas se espalharam, empurrando as pessoas para trás com os braços levantados. “Fiquem longe! O porto está fechado até a chegada da guarda costeira.”

Elias avançou, gritando acima da tempestade. “Espere – ouça! Há alguém vivo naquele navio. Eu os vi acenando. Eles precisam de ajuda!” Um oficial, alto e largo, entrou em seu caminho. “Filho, o que você viu foi spray e sombras. Nós cuidaremos disso.”
“Estou lhe dizendo, não eram sombras!” Elias esbravejou, com a frustração fervendo. “Ele estava se balançando – parecia desesperado!” Outro policial sorriu. “Vá para casa. A guarda costeira o abordará quando for seguro.” A voz do primeiro oficial endureceu. “Chega. Temos tudo sob controle. Não criem problemas.”

A multidão começou a se dispersar, satisfeita – ou pelo menos abalada demais para discutir. Mas Elias permaneceu enraizado, com a chuva pingando em seus olhos e o coração batendo forte de raiva. Ele ainda podia ver a figura em sua mente, com os braços erguidos contra a tempestade, como se estivesse implorando para não ser esquecido.
Eles não iam fazer nada. Não tão cedo. E se Elias fosse embora agora, quem quer que estivesse naquele navio desapareceria novamente, engolido pelo mar. Ele se virou e entrou nas vielas, mantendo-se nas sombras enquanto a polícia fechava os cais com fita adesiva.

De qualquer forma, seu barco não estava amarrado nas docas – estava mais abaixo na costa, escondido nas rochas onde ele costumava atracar. Essa distância, geralmente um incômodo, era agora a sua chance. O maxilar de Elias se contraiu. Se ninguém mais quisesse ajudar, ele ajudaria. A tempestade estava se formando, o risco era enorme, mas a imagem daquela onda desesperada ardia em sua mente. Ele não deixaria que ela ficasse sem resposta.
Ele ajustou o rolo de corda sobre o ombro, com o coração batendo forte à medida que o esquife era visto. Lá estava ele, balançando levemente na água, pequeno, mas robusto. Sua saída. Seu caminho para a verdade. Elias olhou para trás uma vez, certificando-se de que o porto estava livre, antes de pisar nas pedras e desamarrar a linha.

A corda se soltou com um leve respingo e o barco balançou quando ele subiu a bordo. A polícia poderia ter bloqueado as docas, mas não poderia bloquear o mar. Quando Elias chegou ao barco, o céu já havia escurecido. O que havia sido uma manhã calma estava mudando, com nuvens vindo do horizonte como um exército lento.
Ele colocou a bobina de corda no banco e se inclinou para verificar o combustível no motor de popa. Foi quando sentiu as primeiras gotas de chuva, frias em seu pescoço. Em poucos minutos, a garoa ficou mais forte, batendo na madeira do barco, tornando as pedras escorregadias sob suas botas. Elias olhou para o céu, praguejando sob sua respiração.

O tempo estava mudando rapidamente e, com isso, a escalada que ele havia imaginado não era mais um simples risco, era totalmente perigosa. Mas a ideia da figura acenando do convés o ancorou. Ele não podia deixar que a chuva o impedisse agora. Quem quer que estivesse lá fora poderia não sobreviver mais um dia se ninguém agisse.
Ele amarrou a corda com firmeza, enfiou o gancho embaixo do assento e apertou o casaco. Suas mãos tremiam, não apenas pelo nervosismo, mas também pelo frio que se infiltrava com a chuva. O motor tossiu, gaguejou e depois ganhou vida. Elias empurrou o barco, pulando a bordo no momento em que ele se soltava das pedras. A chuva embaçou sua visão, forçando-o a apertar os olhos contra as gotas.

A polícia ainda estava reunida perto das docas principais, suas jaquetas refletivas pareciam faróis em meio à neblina. Ele reduziu a potência do motor para metade, desviando dos barcos de patrulha. Seu coração batia forte enquanto ele passava despercebido, a chuva agora trabalhando a seu favor, pois abafava o som do motor. Quanto mais ele se aproximava do cargueiro à deriva, maior ele se tornava.
Seu casco se erguia como uma parede, escuro e cheio de ferrugem que brilhava molhada na chuva. A água pingava constantemente dos guindastes quebrados. O navio gemia a cada ondulação, um som oco e metálico que ecoava pelas ondas. Elias engoliu com força, forçando o nó de medo em sua garganta. O esquife parecia incrivelmente pequeno perto do gigante.

Ele agarrou a corda, amarrou o gancho com firmeza e se preparou para a subida. A chuva tornava tudo escorregadio. A corda escorregou em suas mãos molhadas quando ele testou sua aderência contra uma abertura irregular no casco. Sua respiração ficou embaçada quando ele olhou para cima, medindo a subida. Um passo em falso e o mar o engoliria inteiro.
Uma onda bateu no barco, sacudindo-o. Ele se firmou, pressionando a corda com força contra o casco até que o balanço diminuísse. Acima dele, o convés do cargueiro se estendia como uma promessa sombria. Ele pensou na figura que estava acenando antes, agora desaparecida, mas talvez ainda lá, esperando. “Aqui vai”, ele sussurrou para si mesmo, com a voz perdida na tempestade.

Ele apertou a corda, colocou a bota contra o metal escorregadio e começou a subir. Cada puxão queimava seus músculos, a chuva fazia de cada movimento uma aposta. A corda estava esticada, suas mãos doíam e a água escorria por seu colarinho. No entanto, a cada passo para cima, o senso de mistério o puxava mais do que o medo jamais poderia.
Em algum lugar acima, alguém precisava dele ou alguma coisa estava esperando. A corda mordia as palmas das mãos de Elias enquanto ele subia. O cargueiro se erguia acima dele como uma muralha, com as laterais escorregadias pela chuva brilhando sempre que um relâmpago cruzava o céu. Cada clarão iluminava a ferrugem e o metal quebrado em um branco ofuscante e, em seguida, deixava-o na escuridão sufocante novamente.

O navio gemia com as ondas, inclinando-se para um lado e depois para o outro. O movimento fez com que a corda balançasse, empurrando Elias com força contra o casco. A dor atravessou seu ombro quando seu braço se chocou contra o metal. Ele se agarrou com mais força, com os dentes cerrados e as botas se arrastando contra a superfície escorregadia. Por um momento, ele pensou que perderia totalmente o controle.
A chuva era impiedosa, pingando em seu colarinho, transformando o aço sob suas botas em uma traição gelada. Sua corda deslizava perigosamente em suas mãos molhadas. Ele fez uma pausa, ofegante, com a testa pressionada contra o casco. Um movimento errado e ele cairia na água negra e agitada lá embaixo, seu pequeno barco já parecendo um brinquedo balançando na tempestade.

Acima dele, o céu estalou novamente com trovões. Relâmpagos brilhavam perto o suficiente para fazer seus cabelos arrepiarem. A ideia de ser um alvo pendurado em uma corda molhada provocou uma nova onda de medo nele. Ele subiu mais rápido, forçando seus músculos doloridos a continuar. Cada puxão parecia mais pesado do que o anterior, mas ele se recusava a parar.
O navio se deslocou com outra ondulação, inclinando-se na direção dele e depois para longe. Cada inclinação ameaçava balançá-lo para o ar livre. Suas botas escorregaram uma vez, a corda queimou suas mãos quando ele deslizou um pé para baixo antes de se segurar novamente. Seu coração martelava contra as costelas. “Quase lá”, sussurrou para si mesmo, embora a tempestade tenha engolido sua voz.

Ele se concentrou no trilho acima, a apenas mais alguns puxões de distância. Seus braços tremiam, a corda estava escorregadia e mordia suas palmas, mas ele cerrou os dentes e continuou subindo. Finalmente, com um último impulso de força, Elias jogou um braço por cima do corrimão. Ele se ergueu, com as botas raspando, e caiu no convés em um monte sem fôlego. A tempestade se alastrava ao seu redor, mas ele havia conseguido.
Estava a bordo. Ficou deitado ali por um momento, com o peito arfando e a chuva batendo em seu rosto. A corda estava pendurada atrás dele, balançando no ritmo dos gemidos do cargueiro. Ele se ergueu, segurando o corrimão enferrujado para se equilibrar. O convés se estendia em ambas as direções, repleto de contêineres quebrados, cabos torcidos e poças que espelhavam o céu cintilante.

O navio tremia embaixo dele, cada som amplificado pelo vazio. Parecia menos um navio e mais uma carcaça, oca e apodrecendo. Elias limpou a chuva de seus olhos e examinou o espaço. Nenhum sinal de movimento. Nenhuma figura acenando.
Apenas sombras deslizando entre as pilhas sempre que as nuvens se moviam. Uma das portas do contêiner estava ligeiramente entreaberta, balançando com o vento. Elias engoliu e se aproximou. Ele pressionou uma mão contra o metal frio e olhou para dentro. Vazio. Apenas rolos de corda e uma lona meio apodrecida.

O cheiro de óleo e sal pairava no ar. Elias se afastou, com os nervos à flor da pele. Ele se lembrou do motivo pelo qual tinha vindo – a figura que tinha visto. Alguém havia acenado para ele. Ele tinha certeza de que não havia imaginado aquilo. Mais adiante no convés, uma luz piscou.
Elias piscou os olhos. Em uma das janelas da ponte, um brilho fraco pulsava, como uma lanterna ou uma lâmpada queimada. Ele ergueu o binóculo novamente, lutando para mantê-lo estável com as mãos molhadas. O vidro embaçou, mas quando ele o limpou com a manga, o brilho ainda estava lá.

Ele pensou ter visto um movimento atrás da janela, a sombra de alguém passando por ela. “Alô?”, ele chamou, com a voz trêmula em meio à tempestade. Foi uma coisa tola de se fazer – seu grito quase não era ouvido por causa da chuva, mas o som de sua própria voz o estabilizou. Não houve resposta. Apenas o gemido do vento através das grades quebradas e o baque surdo das ondas contra o casco.
Elias prosseguiu, cada passo pesado com medo e determinação. O cargueiro parecia interminável, um labirinto de contêineres e cabos. Mais de uma vez, ele pensou ter ouvido passos atrás de si, rápidos e leves, mas quando se virou, havia apenas chuva e aço. Ele chegou à escada que levava à ponte.

A ferrugem descascou sob seus dedos quando ele agarrou o corrimão. O brilho fraco da janela brilhava mais claramente agora, quente contra a chuva fria e cinzenta. Seu pulso acelerou quando ele começou a subir. Se alguém estivesse vivo aqui, seria aqui que ele o encontraria. Se não… ele encontraria outra coisa. Elias chegou ao topo da escada, com as botas escorregando nos degraus enferrujados.
A tempestade se abatia lá fora, sacudindo as paredes a cada trovão. Ele pressionou a porta da ponte e a empurrou com força. Ela cedeu com um gemido, balançando para dentro para revelar a sala de controle escura e desordenada.

O cheiro o atingiu primeiro, de metal úmido, óleo e algo mais, fraco, mas inconfundível: o cheiro forte de suor. Seus olhos percorreram a sala. Gráficos antigos estavam espalhados pelos consoles. Uma cadeira foi empurrada para trás, ainda balançando levemente como se tivesse sido movida há pouco. E então ele o viu. No canto mais distante, meio na sombra, estava uma figura.
Elias congelou, com a respiração presa em seu peito. A chuva batia no vidro atrás deles, os relâmpagos brilhavam apenas o suficiente para delinear a forma de um homem. Ele era magro, com roupas esfarrapadas e cabelos grudados na cabeça. Suas mãos estavam levemente levantadas, com as palmas abertas, não em sinal de ameaça, mas de cautela. “Você… você é real”, sussurrou Elias, mais para si mesmo do que para o estranho.

O homem piscou, com os lábios rachando ao falar. Sua voz era rouca, crua, como se não tivesse sido usada por dias. “Ajude-me.” O coração de Elias martelou. Todo o medo e a dúvida que haviam se acumulado desde que ele avistou a onda no convés se transformaram em um único momento. Ele deu um passo à frente, suas botas ecoando no piso de aço. “Quem são vocês? O que aconteceu aqui?”
O homem balançou, segurando a borda do console para se equilibrar. De perto, Elias podia ver seu rosto: bochechas encovadas, olhos injetados de sangue, barba por fazer. “Eu… achei que ninguém viria”, ele disse de forma áspera. “Meu nome é Callen… Não era para eu estar aqui. Fiquei escondido. Um dia acordei com a nave sendo abandonada e deixada à deriva.”

Um relâmpago iluminou a sala novamente, e o olhar de Elias se voltou para o braço do homem. Ele estava envolto em uma bandagem suja, manchada de escuro. A mente de Elias se acelerou. Uma tripulação inteira, desaparecida sem deixar rastros? Por que os marinheiros abandonariam um navio desse tamanho? Piratas? Contrabandistas?
O pensamento o gelou, mas as perguntas se dissiparam quando ele olhou de volta para Callen. O homem estava trêmulo, meio caído contra o console, com a respiração irregular. Qualquer mistério que permanecesse nos corredores vazios da nave poderia esperar; Callen precisava de ajuda agora.

Elias deu mais um passo cauteloso para se aproximar. A tempestade lá fora uivava contra o vidro, mas, naquele momento, o mundo parecia enervantemente parado. Quem quer que fosse esse homem, ele não era um fantasma. Ele estava vivo, desesperado e carregava uma história enterrada nas paredes enferrujadas do navio. Elias o acomodou na cadeira do capitão, seu corpo frágil e trêmulo.
“Fique comigo”, Elias pediu, enfiando a mão em seu casaco. Seus dedos encontraram o rádio de mão que ele sempre carregava quando estava na água. Ele o ligou com o polegar, a estática crepitando em seu ouvido. “Guarda costeira, aqui é o navio civil de Portmere. Emergência! Cargueiro abandonado à deriva perto da vila – repita, emergência!” Sua voz ficou trêmula quando ele apertou o botão de chamada novamente.

“Temos um sobrevivente a bordo. Solicito resgate imediato!” O rádio zumbiu, interrompido por palavras fracas: “-Cópia… mantenha a posição – envio a caminho.” Elias exalou um alívio trêmulo. Pelo menos alguém tinha ouvido. Então a nave deu um solavanco. O som veio primeiro; um rugido profundo e esmagador que vibrou através do piso de aço.
Elias tropeçou, agarrando-se à grade enquanto o cargueiro se inclinava violentamente. Do lado de fora, a visão mudou, as ondas explodindo contra rochas negras e irregulares que se projetavam das ondas. O navio havia atingido os baixios. O metal gritou quando o casco raspou, abrindo-se em algum lugar abaixo. A embarcação inteira estremeceu com o impacto, os contêineres sacudindo como dados em uma caixa.

O estômago de Elias caiu. “Não, não, não – essa coisa vai se partir!” Callen disse enquanto agarrava os apoios de braço com os nós dos dedos brancos. Seus olhos se arregalaram em pânico. “Está aterrada – ela está se despedaçando!” Sua voz estava rouca, mas o terror nela era nítido o suficiente para atravessar a tempestade.
Elias pegou o rádio novamente, segurando-o perto da boca. “Guarda costeira! O navio bateu nas rochas! Não temos muito tempo!” “- Dez minutos… segure firme…”, a resposta foi dada em meio à estática. Dez minutos. A ponte gemeu como se estivesse viva, protestando contra o castigo das ondas que batiam no casco quebrado.

A chuva caía com mais força, com relâmpagos rasgando o céu. Elias se voltou para Callen. “Não podemos ficar aqui – se a ponte afundar, estamos acabados.” O rosto de Callen estava pálido, os lábios trêmulos. “Eu… eu não posso correr.” Ele olhou para o braço ferido, com a bandagem encharcada e escura. “Você deve ir.” Elias balançou a cabeça ferozmente. “Sem chance.”
Outro estremecimento percorreu o navio, fazendo o chão se mover sob eles. Um estalo ecoou de algum lugar bem abaixo, a água forçando seu caminho para a barriga da embarcação. O ar se encheu com o cheiro de óleo e sal.

Elias se agachou ao lado de Callen, segurando seu ombro. “Você sobreviveu até aqui. Não vai morrer aqui. Vamos esperar até que eles cheguem.” Os olhos de Callen se encheram de lágrimas, mas ele assentiu fracamente. O cargueiro gemeu e se inclinou mais para as rochas, como se estivesse se rendendo ao mar.
Elias se apoiou no console, com o coração acelerado, cada rangido de metal soando como o último. Cada segundo parecia roubado agora. A guarda costeira tinha minutos para chegar, ou o navio enterraria seus segredos, e eles, com ele.

O rangido do aço contra a pedra ficou mais alto, sacudindo a ponte como um terremoto. Elias agarrou Callen por baixo do braço. “Não podemos ficar aqui. Mexam-se!” Juntos, eles cambalearam para a tempestade, a chuva açoitando seus rostos, o vento cortando como facas.
O convés se inclinava bruscamente, os contêineres gemiam contra suas correntes. A cada poucos segundos, o navio sacudia, afundando à medida que o mar forçava seu caminho para dentro. Elias meio que arrastou, meio que carregou Callen em direção à amurada. Seus olhos se voltaram para o local onde ele havia amarrado o esquife. O pequeno barco balançava inutilmente nas ondas, mas não estava mais ao alcance.

O cargueiro havia se afastado, levando-os a metros de distância. O esquife era um grão na tempestade, jogado com muita força para ajudá-los agora. “Droga”, murmurou Elias. O convés sob suas botas balançou novamente, jogando-os contra a grade. Callen agarrou-se ao ombro de Elias, com o rosto pálido. “Está afundando”, ele ofegou.
Elias examinou a água negra abaixo, a espuma se agitando onde o casco do cargueiro encontrava as rochas. O pensamento fez seu estômago revirar – pular naquele caos com Callen ferido poderia significar se afogar antes que a ajuda chegasse. Mas ficar a bordo significava morte certa. O navio estava desmoronando sob eles.

Um relâmpago dividiu o céu, iluminando o convés em um branco intenso. Elias agarrou Callen com mais força. “Talvez tenhamos que pular”, ele gritou por cima da tempestade. Sua voz estava trêmula, a decisão o atormentava. Será que ele conseguiria manter os dois à tona por tempo suficiente em mares como esse?
Os olhos de Callen se arregalaram de medo, mas ele assentiu levemente com a cabeça, confiando em Elias mesmo quando o terror o dominava. Eles subiram na balaustrada escorregadia, ambos tremendo enquanto o navio se inclinava mais para o fundo. Então, um som se fez ouvir em meio à tempestade – o ruído profundo das pás do rotor. Elias levantou a cabeça. Um helicóptero atravessou a chuva, com seu holofote cortando a noite.

O feixe de luz se fixou neles, um pilar de branco que fez Elias apertar os olhos. Vozes ecoaram fracamente em um alto-falante: “Fiquem onde estão! Nós os pegamos!” O navio gemeu mais alto, o convés abaixo deles começou a se dividir. As ondas se agitaram mais alto, jogando sal em seus rostos.
O helicóptero respondeu com um cabo de guincho baixando, um socorrista amarrado a ele, descendo rapidamente. “Segurem-se!” Elias gritou para Callen quando o homem no arnês aterrissou no convés inclinado. Em segundos, o socorrista prendeu Callen, içando-o para o céu enquanto o navio gemia como um animal ferido.

Elias se agarrou à amurada, com o coração batendo forte enquanto outra onda rolava pelo convés, quase o varrendo para o mar. A corda do salvador voltou a descer e Elias a agarrou com mãos trêmulas. Ele foi puxado para o céu no momento em que o cargueiro se inclinava ainda mais, com o aço gritando e os contêineres deslizando para o mar com um estrondo estrondoso.
Pendurado na tempestade, Elias olhou para baixo. O navio que havia assombrado Portmere por um dia finalmente se rendeu às ondas, desaparecendo na água negra. Ele e Callen haviam escapado no último momento possível. O helicóptero os elevou mais alto, levando-os para longe dos destroços e de volta para a segurança das luzes do vilarejo que piscavam fracamente na costa.

Pela primeira vez no dia, Elias se permitiu respirar. Eles haviam sobrevivido ao navio fantasma. Quando o helicóptero aterrissou em Portmere, a tempestade havia começado a diminuir seu controle. A chuva ainda varria o porto, mas o pior já havia passado, deixando o vilarejo envolto em uma luz bruxuleante.
As pessoas haviam se reunido apesar da hora, atraídas pelo som da embarcação de resgate circulando por cima. Quando Elias tropeçou na pista molhada, com Callen se apoiando fracamente nele, a multidão explodiu em suspiros e sussurros.

A polícia correu para a frente, guiando Callen em direção a uma ambulância que o aguardava. Seu rosto estava pálido, seu braço estava fortemente enfaixado, mas ele estava vivo. Ele virou a cabeça, encontrando os olhos de Elias uma última vez antes de as portas se fecharem.
A gratidão brilhava naquele olhar, mas também uma advertência – como se fosse melhor não dizer algumas verdades. O capitão do porto segurou o ombro de Elias com firmeza. “Você tem sorte de ter voltado”, disse ele com aspereza. “Aquele navio… se foi. Afundou exatamente onde bateu. Levou metade das rochas com ele.” Seus olhos se estreitaram. “O que você viu lá fora?”

Elias abriu a boca, mas as palavras vacilaram. Ele pensou na confissão de Callen; que ele era um clandestino, abandonado quando a tripulação desapareceu. Se os ouvidos errados ouvissem isso, Callen poderia acabar em mais problemas do que já havia sobrevivido. Elias engoliu com força e forçou uma voz firme. “Eu vi um homem que precisava ser salvo”, disse ele por fim. Era a verdade, embora não toda ela.
O capitão do porto o estudou por um longo momento antes de acenar com a cabeça. “Então é o suficiente.” Quando a ambulância se afastou e a multidão começou a se dispersar, Elias se viu olhando para o horizonte negro.

As ondas rolavam sem parar, apagando todos os vestígios do gigante que assombrava suas águas. Para os moradores, isso se tornaria uma história contada em bares e em torno de mesas de cozinha – como um navio fantasma chegou a Portmere em uma manhã tempestuosa, apenas para afundar antes que pudesse tocar a terra. Mas Elias sabia que não se tratava apenas de uma história de fantasmas.
Alguém havia sobrevivido. Alguém que não deveria estar ali, que havia se escondido nas sombras daquele casco enferrujado até que o destino o deixou encalhado. O segredo de Callen não era para Elias contar, e revelá-lo agora só traria ao homem mais problemas do que ele merecia.

De volta ao seu chalé, com a tempestade ainda batendo levemente nas janelas, Elias secou suas roupas perto do fogo. Seus olhos se voltaram para a corda enrolada no canto, a mesma corda que o havia levado a bordo do cargueiro. Ela parecia inofensiva agora, mas o havia amarrado a algo maior do que ele mesmo. Ele se inclinou para trás, olhando para as chamas.
Ele queria uma aventura, e o mar havia lhe proporcionado uma. Mas à medida que o fogo se acendia e a noite se aprofundava, ele não conseguia se livrar da sensação de que a verdadeira história havia afundado com o navio e que, talvez, para o bem de Callen, fosse melhor assim.
