A visita deveria durar dez minutos. Essa era a regra. Mas quando o tempo se esgotou e o supervisor o chamou, Milo não se mexeu. Ele ficou ao lado da cama de Lily, com os músculos contraídos e os olhos fixos no peito dela. Quando uma enfermeira puxou sua coleira com cuidado, ele soltou um rosnado baixo.
O som não era alto, mas se espalhou pelo quarto. As risadas das outras crianças do lado de fora pararam. “Calma, garoto”, alguém murmurou, aproximando-se. Os lábios de Milo se curvaram ligeiramente – não de raiva, pensou Maya, mas de advertência. Seus olhos nunca deixaram Lily, que estava congelada, pálida e imóvel, com a mão pequena segurando o cobertor.
Quando o tratador finalmente o puxou para longe, Milo resistiu até o último segundo possível, tremendo todo. Ele choramingou uma vez, agudo e triste, antes de desaparecer no corredor. Naquela noite, o monitor cardíaco de Lily apresentou sinais irregulares. Uma enfermeira percebeu e ajustou sua medicação, sussurrando mais tarde que talvez o cão soubesse.
Duas semanas antes, o programa tinha acabado de começar. Maya havia conseguido que cães de terapia do abrigo local visitassem a ala infantil uma vez por semana. O plano era simples: alguns rostos amigáveis, caudas abanando, um pouco de felicidade. O hospital precisava disso. E ela também.

Milo chegou naquele primeiro dia com os demais cães. Ele era um mestiço marrom com olhos âmbar tranquilos e uma postura calma. Ele não latia nem pulava, apenas esperava, observando. O funcionário do abrigo sorriu com orgulho. “Ele é o mais gentil”, disse ela. “Todo mundo adora o Milo.”
E todos gostavam, até chegarem ao quarto de Lily. No momento em que a viu, Milo congelou na porta. Sua cauda caiu, com as orelhas para frente. Ele choramingou uma vez e depois deu um passo para trás, como se estivesse inseguro. A equipe riu baixinho, dizendo que ele estava nervoso. Mas Maya pensou ter visto algo mais cintilar por trás daqueles olhos – reconhecimento?

Lily tinha dez anos. Os médicos disseram que sua recuperação após um transplante de coração estava indo bem, mas emocionalmente ela havia se desligado. Ela quase não falava, mantinha as mãos fechadas no peito e acordava chorando quase todas as noites. Seus pais tentaram contar histórias, ouvir música e fazer orações, mas nada a atingia.
Quando Milo finalmente entrou em seu quarto no dia seguinte, foi diferente. Ele foi direto para a cama dela, fez uma pausa e depois se sentou cuidadosamente ao seu lado. Ele não a cutucou nem pediu para dar um tapinha. Ele apenas a observou, alerta e imóvel, como se estivesse esperando por um sinal que só ele pudesse ouvir.

A partir de então, ele sempre escolhia o quarto dela. Se os tratadores tentavam guiá-lo para outro lugar, ele puxava a porta de Lily até que eles cedessem. Suas visitas não eram brincalhonas como as outras; ele ficava quieto, tenso, concentrado. Cada som que ela fazia parecia fixá-lo no lugar.
Após cada visita, a cor de Lily melhorava, sua respiração se estabilizava e as linhas do monitor se uniformizavam. Maya começou a anotar tudo: “Milo-protetor. Não vai deixar a paciente” Logo a pergunta se espalhou pela ala, sussurrada por enfermeiras, pais e até médicos: Por que Milo era apegado a ela, entre tantos outros pacientes?

Nos dias seguintes, a proteção de Milo se intensificou. Ele começou a rosnar baixinho sempre que alguém se aproximava do peito de Lily – nunca para ela, mas para as mãos que se aproximavam demais de sua incisão de cicatrização. Seu zumbido baixo de advertência era suficiente para fazer com que até mesmo enfermeiras experientes hesitassem.
Os pais de Lily ficaram ansiosos. “Ele parece imprevisível”, sussurrou sua mãe em uma manhã. “E se ele a machucar?” Maya balançou a cabeça. “Ele não está com raiva”, disse ela. “Ele está aqui como parte da terapia dela. Acho que isso só trará benefícios.” Ainda assim, ela pediu que as visitas de Milo fossem supervisionadas pela equipe o tempo todo, apenas para acalmar os nervos de todos.

Os médicos consideraram a possibilidade de encerrar completamente o programa de terapia, mas não podiam ignorar os resultados. Os sinais vitais de Lily melhoravam quando Milo estava perto dela. Toda vez que ele se sentava em silêncio ao seu lado, sua respiração se acalmava, sua frequência cardíaca se estabilizava e ela parecia mais tranquila.
Maya começou a notar como o humor de Milo refletia a condição de Lily. Quando Lily estava calma, ele dormia. Quando ela se contorcia ou se encolhia, ele se levantava e ficava de guarda. Certa vez, quando uma enfermeira ajustou as bandagens no peito de Lily, Milo deu um gemido silencioso e trêmulo que fez com que todos na sala parassem.

Mais tarde naquela noite, Lily sussurrou para Maya: “Ele não está com raiva. Ele está com medo por mim” Maya piscou os olhos, surpresa. “Com medo?” A garota assentiu com a cabeça, com os olhos sérios. “Ele não quer que ninguém me machuque.” Maya sorriu levemente, mas, por dentro, sua curiosidade começou a se enraizar.
Em uma semana, a estranha consciência de Milo tornou-se impossível de ignorar. Ele parecia saber quando Lily teria um dia difícil antes de qualquer outra pessoa. Nas manhãs em que ele andava inquieto, ela sempre ficava com febre à tarde ou desmaiava durante a terapia.

O padrão se repetia várias vezes. Ele choramingava ou latia baixinho momentos antes de os monitores de Lily piscarem ou antes de ela gritar de dor. As enfermeiras começaram a ficar de olho nele tanto quanto nos aparelhos que indicavam a saúde dela.
“Ele é o nosso sistema de alerta precoce”, brincou uma delas, mas ninguém riu de verdade. Não era mais engraçado; era estranho. Maya começou a registrar cada incidente por hora, a condição de Lily e o comportamento de Milo.

Página após página preenchia seu pequeno caderno: 11:15 a.m. – Milo inquieto. 2:40 p.m. – Lily desmaiou. Os registros eram organizados, mas inquietantes. Quanto mais dados ela coletava, menos conseguia explicar. Era totalmente desconcertante. Maya esperava descobrir a conexão um dia.
À noite, quando a enfermaria se acalmava, ela lia suas anotações repetidamente, buscando a lógica. Mas a lógica havia deixado de se encaixar na história dias atrás. Ela ficava pensando no primeiro encontro deles e se perguntava por que Milo havia escolhido Lily.

Finalmente, em uma tarde, incapaz de suportar o suspense por mais tempo, ela ligou para o abrigo, esperando obter respostas. Ela queria obter algumas informações sobre Milo. “Estou tentando entender o histórico dele”, disse ela. “De onde você o pegou?”
O voluntário na linha verificou os registros. “Vejamos, nós o encontramos perto de um acidente na rodovia há dois meses. Seu dono morreu quase que instantaneamente. Não sabemos todos os detalhes. Ele foi trazido pelo controle de animais, abalado, mas saudável.”

Os dedos de Maya pararam em torno da caneta. “Você sabe o nome do dono?”, perguntou ela. A voz ao telefone hesitou. “Sim, ele foi registrado com um Evan Reed. Tentamos entrar em contato com a família para que alguém pudesse buscá-lo. Mas ninguém se manifestou imediatamente. Por fim, a mãe de Reed veio dizer que não podia ficar com ele.”
“Obrigada”, disse Maya, anotando o nome. Ela sublinhou o nome duas vezes, mais por hábito do que por intenção. Dois meses atrás. Isso teria sido perto da cirurgia de Lily, pensou ela vagamente, mas deixou a ideia de lado. Coincidências acontecem todos os dias nos hospitais. O que isso provava, afinal?

Quando desligou, ela ficou sentada em silêncio por um momento, passando a mão pelos cabelos. Não havia nenhuma razão clara para pensar que as histórias estavam relacionadas. Mesmo assim, ela não conseguia parar de pensar na maneira como Milo olhava para Lily – não como um estranho, mas como alguém que se lembrava.
Com o passar dos dias, a devoção obstinada de Milo tornou-se impossível de não ser notada. Ele ignorava todas as outras crianças, mesmo as que chamavam seu nome ou tentavam acariciá-lo. Quando seu cuidador tentava redirecioná-lo para outro cômodo, ele se agarrava às patas, recusando-se a se mover.

Os pais de outros pacientes começaram a se queixar. “Não é justo”, disse um deles. “Por que nosso filho só tem direito a cinco minutos enquanto ele passa uma hora lá dentro?” Maya não tinha uma resposta. Ela simplesmente prometeu conversar com o abrigo, embora já soubesse que isso não mudaria nada.
Em uma tarde, um funcionário tentou tirar Milo de lá enquanto Lily dormia. O cão soltou um rosnado profundo, assustando todos que estavam por perto. O som ecoou pelo corredor como um aviso que ninguém entendeu.

A supervisora da ala ameaçou encerrar o programa por completo. “Mais um incidente”, disse ela, “e o cachorro vai embora” Maya o defendeu ferozmente. “Ele a está ajudando”, argumentou. “É só isso que ele está fazendo. Você não consegue ver?” O supervisor não ficou convencido, mas concordou em dar mais um tempo.
Quando a sala finalmente ficou vazia, Maya se sentou ao lado de Milo no chão. “Do que você a está protegendo?”, ela sussurrou. O cão não se mexeu. Apenas encostou a cabeça na cama de Lily, com os olhos semicerrados, como se a resposta estivesse batendo baixinho em seu ouvido.

Nas semanas seguintes, a saúde de Lily começou a melhorar. Ela sorria mais, ria de pequenas piadas e até pedia para sair quando o sol batia na janela na hora certa. Mas Milo ficou mais quieto. Ele passava longos períodos com o ouvido encostado no peito dela, com a cauda imóvel, ouvindo.
No início, Maya achava que era uma gentileza. Depois, ela notou que ele mal piscava durante esses momentos. Era como se ele estivesse medindo algo que só ele podia ouvir. Às vezes, quando Lily dormia, ele levantava a cabeça de repente, alerta, e olhava para o peito dela até que o ritmo de sua respiração se acalmasse.

Em uma tarde tempestuosa, as luzes piscaram na ala. Os geradores de emergência zumbiam, mas, por pouco tempo – muito pouco -, os monitores ficaram pretos. Milo começou a latir descontroladamente, com as garras raspando contra o azulejo. Seus gritos atravessaram a tempestade no momento em que Lily começou a respirar.
As enfermeiras entraram correndo. Em segundos, as máquinas foram reiniciadas, o oxigênio foi reconectado. A respiração de Lily se estabilizou. Quando o caos diminuiu, eles perceberam que foram os latidos frenéticos de Milo que os levaram até lá a tempo. No final do dia, todos o chamavam de herói.

Maya sorriu ao ouvir as histórias que se espalhavam pelos corredores. “Ele é mais do que um herói”, disse ela suavemente, observando-o dormir ao lado de Lily. “Ele está ouvindo ela – o corpo dela” Ela estava impressionada com o que estava acontecendo.
Naquela noite, Maya sonhou com dois batimentos cardíacos que se sobrepunham – um diminuindo, outro começando, ambos tentando encontrar o mesmo ritmo. Ela acordou antes do amanhecer, com o pulso acelerado, incapaz de se livrar da sensação de que o sonho não era apenas sobre a menina, mas também sobre o cachorro.

Na manhã seguinte, ela examinou novamente o arquivo do abrigo de Milo, procurando por algo que pudesse ter perdido. Sua data de admissão estava no topo da página: dois dias antes da cirurgia de Lily. Maya franziu a testa. “Estranho”, murmurou ela, traçando a linha com o dedo.
Ela sabia que era bobagem. Coincidências de papelada não significavam nada em hospitais. As datas se sobrepunham constantemente. Ainda assim, ela sentiu o mesmo puxão que havia sentido antes, aquela sugestão silenciosa de conexão sussurrando nas margens de cada relatório que lia.

Ela balançou a cabeça, rindo baixinho de si mesma. “Você é racional demais para histórias de fantasmas”, disse em voz alta, fechando o arquivo. No entanto, muito depois de apagar a luz, ela se pegou ouvindo o eco fraco do monitor de Lily no fim do corredor – firme, suave, vivo.
Milo não saiu de sua mente naquela noite. O eco do sonho anterior a seguiu em seu turno na manhã seguinte, um ritmo constante que ela não conseguia deixar de ouvir. Ela se perguntou se ele estava tentando lhe dizer alguma coisa.

A essa altura, Lily tinha começado a desenhar entre os cochilos. Certa tarde, ela entregou um desenho a Maya: ela, Milo e um homem correndo em uma praia. “Quem é esse?” Maya perguntou gentilmente. “O homem que corre conosco”, disse Lily com naturalidade. “Ele usa tênis vermelho.”
Maya sorriu, mas sentiu um arrepio na nuca. Mais tarde naquela noite, ela se lembrou do nome que havia escrito em suas anotações – Evan Reed – e, por curiosidade, digitou-o novamente em seu computador. Dessa vez, ela encontrou um memorial on-line.

Lá, sorrindo na tela, estava o mesmo homem que Lily havia desenhado. Evan Reed estava descalço em uma praia, com tênis de corrida vermelho em uma das mãos e Milo ao seu lado. A legenda dizia: Para sempre correndo. Maya ficou olhando por um longo momento antes de fechar a página. Como Lily poderia saber algo sobre ele?
Era impossível, ela disse a si mesma. Lily deve ter ouvido uma conversa, talvez até mesmo visto a foto por acaso. As crianças sempre pegavam fragmentos de histórias. Ainda assim, quando ela voltou ao quarto de Lily, encontrou Milo sentado perto da janela, olhando para o horizonte.

Ela quase podia ouvir o som das ondas da lembrança. Ele não saía de sua cabeça. Era como se o cachorro também se lembrasse daquela praia. Maya apagou a luz e saiu em silêncio, com a pergunta a seguindo no escuro: Do que você se lembra, Milo?
Alguns dias depois, o abrigo enviou a documentação atualizada. Eles haviam conseguido entrar em contato com a mãe de Evan, Claire Reed. “Ela está se recuperando de uma cirurgia”, explicou o funcionário do abrigo. “Ela não podia ficar com o cachorro. Estava fraca demais para cuidar dele. Ficou com o coração partido ao deixá-lo partir.”

Maya ouviu em silêncio, imaginando aquele momento – uma mulher de luto entregando a coleira, dizendo adeus ao último pedaço vivo de seu filho. O pensamento permaneceu com ela por muito tempo após o término da ligação.
Mais tarde naquela noite, ela releu a mensagem sobre Claire, traçando o nome com o polegar. Ela se perguntou que tipo de mulher poderia suportar a perda de seu filho e do cão que o amava. Ela sentiu uma pontada de compaixão e algo mais. Era a necessidade de saber mais.

Mas ela disse a si mesma que, como profissional, havia alguns limites que ela não deveria ultrapassar. A confidencialidade do paciente estava em vigor por um motivo. “Limites, Maya”, murmurou ela, meio para si mesma. Mas quando passou pelo quarto de Lily e viu Milo dormindo ao lado dela, a tentação de entender a história aumentou.
Naquela noite, muito depois de a ala ter ficado em silêncio, Maya sentou-se sozinha na sala de descanso, com o telefone na mão. Seu polegar estava sobre o número que o abrigo havia fornecido. Ela respirou fundo e discou. Se não fosse por isso, ela poderia falar com o último contato que talvez soubesse de algo.

Quando Claire finalmente atendeu, sua voz tremia com a idade e a emoção. “Você o tem?”, perguntou ela, quase incrédula. “Nosso Milo?” Maya sorriu suavemente. “Sim, senhora. Ele está com uma garotinha aqui no hospital. Ele tem sido incrível.”
Claire exalou trêmula, o som meio soluçando, meio rindo. “Eu rezava para que alguém bondoso o encontrasse”, disse ela. “Ele costumava dormir no peito do meu filho todas as noites – sempre sobre seu coração. Ele esteve com ele até o momento final. Eu simplesmente não conseguia levá-lo para casa, nem no meu estado.”

Claire continuou depois de um breve soluço: “Milo nem sequer comia nos primeiros dias, segundo o pessoal do abrigo” Maya ouviu, sentindo um calafrio. A imagem do cão, faminto pela dor, espelhava muito claramente aquele que ela conhecia. Era o mesmo animal que agora guardava o peito de uma criança como se nada mais no mundo importasse.
“Eu liguei apenas para que você saiba que ele está fazendo um bom trabalho aqui. Eu gostaria de mantê-lo aqui com ela”, disse Maya suavemente. “Se não houver problema.” Houve uma pausa, então a voz suave de Claire respondeu: “Meu filho sempre teve um propósito na vida. Até mesmo sua morte não foi em vão; ele havia se inscrito para doar seu coração. Se Milo encontrou seu lugar, deixe-o ficar”

Quando a ligação terminou, Maya ficou sentada em silêncio, com o telefone ainda encostado no ouvido. Do lado de fora da janela, a chuva batia suavemente no vidro. Em algum lugar no corredor, Milo latiu, como se estivesse ecoando a bênção da mulher. Maya agora tinha certeza de uma coisa: que deveria ligar de volta para Claire e pedir que ela desse mais um passo.
Uma semana depois, o programa de terapia enfrentou outro desafio. Reclamações sobre barulho e higiene chegaram à administração, e as visitas quase foram suspensas. Maya argumentou até sua voz tremer, lembrando-os de que a recuperação de Lily havia melhorado muito desde a chegada de Milo.

O médico de Lily, um homem gentil com olhos cansados, finalmente interveio. “Eu estaria mentindo se negasse. A menina precisa do cachorro”, disse ele simplesmente. “Você pode analisar isso como quiser, mas é o fato.” O programa permaneceu, embora sob supervisão mais rigorosa.
A proteção de Milo, no entanto, só se intensificou. Ele começou a se posicionar entre Lily e qualquer pessoa que se aproximasse dela muito repentinamente. As enfermeiras aprenderam a falar baixo e a se movimentar mais lentamente. Quase tudo se tornou rotina, até o dia em que um técnico deixou cair uma bandeja de metal ao lado da cama.

O estrondo assustou a todos. Milo atacou com um rosnado que congelou o quarto. Durou apenas um segundo. Seus dentes não tocaram em ninguém, mas o som, cru e selvagem, silenciou toda a ala. Foi a primeira vez que Maya sentiu medo de verdade perto dele.
Mais tarde naquele dia, ela se sentou ao lado dele no escuro, com a mão apoiada em suas costas. “Do que você tem tanto medo?”, sussurrou ela. O cão não se mexeu. Seus olhos permaneceram fixos no peito de Lily, onde o leve sobe e desce da respiração dela combinava com o ritmo da dele.

Uma tempestade varreu a cidade naquela noite, do tipo que sacudia as janelas e engolia os cabos de energia. As luzes piscaram uma, duas vezes e depois se apagaram. Na escuridão repentina, alarmes soaram por toda a ala. Lily ofegou, seu corpo se retesou quando os monitores ficaram pretos.
Antes que alguém pudesse reagir, Milo pulou na cama, pressionando a pata gentilmente contra o peito dela. Seu rosnado era baixo, constante e quase um zumbido. O feixe da lanterna da enfermeira captou o brilho de sua coleira no momento em que a energia de reserva voltou a funcionar.

Os monitores voltaram a piscar, mostrando um ritmo constante. Maya se ajoelhou ao lado deles, sua voz mal era um sussurro. “O que você está ouvindo?”, perguntou ela. Milo não se mexeu. Seu ouvido permaneceu pressionado contra o batimento cardíaco de Lily, ouvindo.
Na manhã seguinte, Maya abriu seu e-mail e encontrou uma mensagem de Claire. A linha de assunto dizia apenas: Obrigada por sua insistência. Suas mãos tremeram ao abrir o e-mail. Claire havia falado com o registro de doações. O hospital havia confirmado o que ela suspeitava há muito tempo.

O filho de Claire, Evan Reed, tinha sido o doador do coração de Lily. Maya leu a linha várias vezes, sem fôlego. Cada rosnado, cada gemido, cada noite sem dormir – o quebra-cabeça finalmente se encaixava. Milo não estava protegendo a garota. Ele estava guardando o coração que já amava.
Maya esperou alguns dias antes de fazer a ligação. Com a permissão do hospital, ela marcou uma reunião entre Claire e a família de Lily. Ela achou que era hora de todos verem o milagre que ela tinha visto. Era para ser apenas uma chance de agradecer a alguém que havia dado conforto em seu momento mais difícil.

Quando Claire chegou, ela parecia frágil, mas tinha uma estranha luz em seus olhos. Ela segurava uma pequena caixa de madeira em seu colo. No momento em que Milo a viu, todo o seu corpo se aquietou. Então, sem hesitar, ele trotou para frente e encostou a cabeça nos joelhos dela.
Claire se curvou sobre ele, sussurrando seu nome entre lágrimas. “Ele me conhece”, disse ela suavemente. Sua mão trêmula acariciou o topo da cabeça dele. “Ele esteve ouvindo esse batimento cardíaco o tempo todo.” Milo lambeu o pulso dela uma vez, depois se virou e voltou direto para o lado de Lily.

Por alguns minutos tranquilos, o quarto parecia respirar como um só. Claire sorriu para a garota na cama, para a vida que, de alguma forma, havia se entrelaçado com a de seu filho por meio dessa criatura leal. O ar estava carregado de compreensão, embora ninguém ousasse dizer isso em voz alta.
Claire pediu um breve momento para obter o consentimento dos pais de Lily antes de falar com ela. Não havia mais segredos a esconder. Ela entrou no quarto de Lily carregando flores brancas e aquela mesma caixa de madeira. “Acho que você deve saber”, disse ela gentilmente, ajoelhando-se ao lado da cama. “Você carrega o coração do meu filho.”

Os pais de Lily sorriram em meio às lágrimas. Sua mãe cobriu a boca, as lágrimas se derramaram antes que uma palavra pudesse ser formada. Lily olhou para o peito, com os dedos roçando a leve cicatriz. “É por isso que ele não me deixou”, sussurrou ela, com a voz trêmula.
Claire assentiu com a cabeça, chorando baixinho. “Ele seguiu o som que conhecia”, disse ela. “Ele encontrou você porque nunca parou de ouvir.” Lily estendeu a mão e pegou sua mão. Milo estava deitado entre elas, com a cabeça baixa e os olhos suaves, como se finalmente estivesse em paz. Claire abriu a caixa e lhe deu uma bola velha e usada: “Meu filho treinou Milo para buscar usando isso. Agora você fica com ela”

As duas famílias ficaram naquele cômodo por um longo tempo. Nenhuma palavra foi necessária. Era apenas gratidão, compartilhada em silêncio. Naquele momento, todos pareciam entender algo maior do que uma explicação: o amor, uma vez dado, nunca vai embora. Ele apenas mudou de lar.
Maya ficou parada na porta, observando enquanto Milo cochilava entre eles, seu peito subindo no ritmo do de Lily. Pela primeira vez, ela sentiu a própria ala ficar quieta, como se até mesmo o prédio estivesse ouvindo.

Quando a reunião terminou, Maya ajudou Claire a entrar no elevador. “Obrigada por me deixar ver ele e ela”, disse Claire. “Agora posso ir para casa. Meu filho continua vivo nela.” Maya apertou sua mão, incapaz de encontrar as palavras para tudo o que sentia.
Os dias que se seguiram foram mais leves. A força de Lily voltou mais rápido do que todos esperavam. Ela caminhava pela ala todas as manhãs, com a coleira de Milo na mão, os dois se movendo no mesmo ritmo constante. A equipe começou a chamá-los de “a dupla milagrosa”

Os pais de outros pacientes sorriam quando elas passavam. Até mesmo os médicos mais céticos ficavam nas portas para observá-los. A fé tranquila que se instalou na enfermaria se espalhou de sala em sala, um lembrete de que, às vezes, a cura vinha de formas que ninguém conseguia registrar.
Quando chegou o dia da alta, as enfermeiras se reuniram para se despedir. Lily estava sentada em sua cadeira de rodas, com Milo trotando ao seu lado, com sua etiqueta captando a luz do sol a cada passo. Os aplausos começaram suavemente, depois se transformaram em lágrimas e sorrisos quando as portas se fecharam atrás deles.

Da janela acima, Maya os observou atravessar o pátio – a menina com sua jaqueta brilhante, o cachorro colado ao seu lado. Suas sombras se estendiam ao longo da calçada, lentas e constantes, como o ritmo de dois corações batendo como um só.
Ela pensou em tudo o que havia testemunhado: os rugidos, as tempestades, os momentos de silêncio que ninguém conseguia explicar. Talvez, decidiu ela, nem tudo que é sagrado precise de comprovação científica. Algumas respostas só chegavam quando você parava de exigi-las.

Em uma noite, Maya foi convidada para ir à casa de Lily. A risada de Lily entrava pela janela aberta, e Milo estava brincando ao seu redor. Em algum lugar, muito além daquele pequeno cômodo, uma mãe e seu filho descansavam um pouco mais, pensou Maya.