Clarence Briggs estava na beira do gramado, olhando para o que costumava ser um canteiro de flores bem arrumado. Os caules das tulipas estavam esmagados, a terra foi jogada para cima e as pétalas foram rasgadas como confete na grama. Marcas de pneus cortavam o meio, descuidadas e limpas. Seu peito se apertou quando o ar frio encheu seus pulmões.
Não se tratava apenas de um canteiro de flores. Sua falecida esposa, Helen, havia plantado aquelas tulipas há quinze anos. Toda primavera, ele cuidava delas como se fossem de vidro. Mas, nesta manhã, elas estavam arruinadas – derrubadas por alguém preguiçoso demais para fazer um desvio adequado.
Clarence não gritou. Não acenou com o punho. Ele apenas ficou ali, com a vassoura na mão, com o coração apertado. Não eram apenas os danos. Era a impotência. A erosão da paz, pouco a pouco. E enquanto o vento agitava os caules quebrados, Clarence tinha certeza de uma coisa: isso não aconteceria novamente.
Clarence Briggs morava na mesma casa há mais de quarenta anos. Ela ficava na parte mais tranquila da Ashberry Lane, logo antes de o bosque se tornar mais alto. Ele gostava dela assim – tranquila, afastada do barulho. O tipo de lugar onde as coisas ficavam paradas e você podia respirar.

Sua esposa, Helen, havia falecido há oito anos, e o silêncio havia se aprofundado. Mas Clarence não se importava com o silêncio. Ele tinha suas rotinas. Chá matinal com um pouco de mel, palavras cruzadas com caneta e longas e constantes horas cuidando do jardim. Aquele quintal havia se tornado seu orgulho.
Toda semana, ele cortava a grama com linhas lentas e deliberadas. Ele podava as cercas vivas à mão, e não com cortadores, porque isso lhe dava mais controle. Seus canteiros de flores mudavam de acordo com as estações – narcisos na primavera, malmequeres no verão e um canteiro de ásteres no outono.

Não era chamativo, mas era amado. Clarence acreditava que o quintal de um homem dizia muito sobre ele. Um gramado limpo significava que você prestava atenção. Um canteiro com ervas daninhas significava que você tinha padrões. Seu quintal, limpo e simétrico, com caminhos de cascalho e luzes suaves, era do tipo que os vizinhos paravam para admirar.
Às vezes, eles até o elogiavam enquanto passeavam com seus cães. Quando Helen estava viva, eles trabalharam juntos. Ela escolhia as cores, ele cuidava do solo. O toque dela ainda permanecia nos gnomos de jardim ao lado dos degraus e na casa de passarinho pintada de branco com o formato de uma igreja.

Clarence nunca mexia nessas coisas. Agora elas faziam parte do ritmo. Ele não era um recluso, apenas reservado. Ele gostava do ritmo lento da vida de aposentado – refeições feitas do zero, dormir cedo e manhãs tranquilas.
O mundo girava rapidamente nos dias de hoje, mas Clarence havia encontrado uma maneira de sair dele. Sua casa era um bolsão de calma. Seu quintal, um santuário. Mas as coisas começaram a mudar ultimamente. Primeiro, foi o caminho atrás de sua propriedade.

O que costumava ser uma trilha de caminhada pouco usada havia sido adicionada a um aplicativo de ciclismo. Depois veio o zumbido dos pneus, o borrão dos capacetes e as faixas coloridas que passavam voando pela cerca de seu jardim. No início, Clarence não se importou.
Eles permaneceram na trilha. Afinal, a propriedade não era dele. Mas ele notou como o som da borracha na terra se tornou uma presença diária. Ele quebrou a quietude. Seu cachorro, Taffy, começou a latir mais. Os sinos de vento do jardim, que antes eram suaves, começaram a se sentir abafados.

Mesmo assim, ele manteve sua rotina. Ainda plantava, ainda regava. Mas os ciclistas continuavam chegando. O problema começou quando uma seção da ciclovia próxima foi fechada para obras. Barricadas laranjas apareceram durante a noite.
Uma placa dizia “TEMPORARIAMENTE FECHADA – DESVIO À FRENTE”, mas o desvio não estava claro. E os ciclistas, como Clarence logo aprenderia, não gostavam de perder o ritmo. Eles procuravam atalhos. Seu quintal se tornou um deles.

No início, eram um ou dois ciclistas – jovens, rápidos, correndo pela borda da grama como se mal a estivessem tocando. Clarence os viu da janela da cozinha, sua colher parando no ar. Eles cruzaram o canto do gramado como se não fosse nada.
Ele achou que era um engano. Talvez eles pensassem que era um terreno público. Então, ele imprimiu uma placa educada: “Quintal particular – Por favor, use a estrada” Ele a colocou perto da cerca dos fundos em uma estaca de metal e até a plastificou contra as intempéries. No dia seguinte, ela havia desaparecido.

Ele a encontrou nos arbustos, dobrada ao meio como um panfleto esquecido. Naquela mesma manhã, mais três ciclistas passaram por ali – um deles passou tão perto da borda das rosas que as pétalas se espalharam atrás dele como confete. Clarence ficou parado nos degraus dos fundos, atônito.
Taffy latiu até ficar rouca. Ele decidiu tentar a rota educada novamente. Naquela tarde, ele viu um cavaleiro diminuindo a velocidade perto do portão. Clarence levantou a mão. “Esta é uma propriedade privada”, disse ele, não de forma rude.

O ciclista piscou e retirou um fone de ouvido. “Oh, desculpe. Estava apenas contornando a construção. Não vai acontecer de novo.” Mas na manhã seguinte, Clarence o viu novamente – o mesmo blusão brilhante, a mesma curva fechada no meio do gramado.
Nem mesmo um olhar para a varanda. Clarence sentiu um lampejo de algo, no fundo de seu estômago. Não era bem raiva. Ainda não era. Mas estava chegando. Nos dias seguintes, Clarence tentou falar com outras pessoas.

Uma mulher com uma bicicleta de corrida passou por ele no meio de uma frase. Um adolescente acenou vagamente com a cabeça quando Clarence disse: “Por favor, use a estrada”, mas nem sequer diminuiu a velocidade. Um homem, parecendo estar sendo incomodado, gritou: “Saia da frente, velhinho”, enquanto passava por ele.
As marcas de pneus se aprofundaram. Elas não mais se curvavam cautelosamente ao longo das bordas, mas atravessavam diretamente o centro do quintal. As linhas eram limpas e confiantes – habituais. Clarence saía todas as manhãs e encontrava novas coisas perturbadas: cobertura vegetal deslocada, hastes de flores quebradas, uma lâmpada solar partida ao meio.

Certa vez, ele encontrou um bulbo de tulipa desenterrado e achatado no solo, como se tivesse sido atropelado duas vezes. Isso foi doloroso. Helen havia plantado aqueles bulbos. Ele os mantinha todos os anos desde que ela faleceu. Vê-los brotar a cada primavera sempre lhe trazia um conforto estranho e silencioso.
Ele plantou uma nova placa – maior dessa vez. “PROPRIEDADE PRIVADA – NÃO ENTRE” Ele mesmo pintou a placa em letras maiúsculas e a reforçou com um poste de madeira e uma corda. Pela manhã, alguém havia cortado a corda e empurrado a placa para baixo.

Clarence ficou olhando para ela por um longo tempo. O desrespeito não parecia mais descuidado. Parecia praticado. Ele caminhou pela borda da propriedade, verificando os danos. Um de seus vasos de cerâmica para pássaros havia sido derrubado. As asas haviam se lascado. A terra havia sido chutada como se não fosse nada.
Outra roseira estava sem metade de suas flores. As flores estavam esmagadas em um sulco de pneu que cortava o canteiro na diagonal. Suas mãos tremiam levemente enquanto ele se ajoelhava para consertar o que podia. A simetria que ele havia trabalhado tão arduamente – estava se desfazendo, um atalho de cada vez.

O gramado não parecia mais bem cuidado. Parecia ter sido pisado. Pisoteado. Os canteiros de cobertura vegetal haviam deixado de parecer elementos de jardim emoldurados e agora pareciam alvos fáceis. Clarence passou a mão enluvada pela terra rasgada e se levantou, com a mandíbula cerrada. Alguma coisa tinha que ceder. Ele não deixaria aquilo apodrecer.
Na manhã seguinte, ele foi até o canteiro de obras. Alguns trabalhadores estavam juntando cones e enrolando fitas de precaução. Clarence se aproximou de um deles com um colete amarelo e tentou manter a voz calma. “Há algum plano para terminar a ciclovia? O desvio está empurrando as pessoas para o meu quintal.”

O trabalhador olhou para cima, semicerrando os olhos para ele sob a luz fria do sol. “Quero dizer, não que eu saiba. Só nos disseram para proteger o local. O financiamento está em pausa.” Ele olhou para a estrada. “Sim, as pessoas encontrarão outras maneiras de contornar a situação. É uma pena, mas não há nada que possamos fazer até que aprovem mais dinheiro.”
Clarence pressionou. “Você não pode pelo menos colocar uma barreira melhor? Cones? Redes? Algo para impedi-los?” O homem deu de ombros sem convicção. “Fora do horário de trabalho, senhor. Estamos apenas limpando o que está aqui. Você poderia tentar a prefeitura, talvez, mas eles dirão a mesma coisa – no próximo trimestre, se você tiver sorte.”

A resposta não pareceu certa. Clarence olhou para o caminho em direção à sua casa, imaginando outro rastro de pneu fresco cortando seus lírios. “Não é apenas um inconveniente”, ele murmurou. “É a minha casa.” Mas o homem já havia se afastado, jogando mais fita adesiva na traseira de uma caminhonete.
Naquela noite, Clarence não regou o quintal. Não verificou os sinos de vento nem colocou as iscas de coruja para manter os esquilos longe dos canteiros. Ele apenas ficou parado na cerca dos fundos enquanto o sol se punha, o jardim ao seu redor murcho e irregular. E então, pela primeira vez, ele sentiu raiva. No dia seguinte, Clarence foi à prefeitura.

Ele esperou na fila, preencheu um formulário e, finalmente, sentou-se com uma agente de trânsito chamada Heather. Ela sorriu demais e usou palavras como “gargalo temporário” e “ajustes naturais” Clarence explicou a situação. Ela acenou com a cabeça e franziu a testa com simpatia.
“Entendo sua frustração, Sr. Briggs. Estamos trabalhando em um plano de tráfego para toda a cidade, e esse fechamento de pista faz parte de uma atualização de longo prazo. Os moradores foram notificados sobre o desvio” Clarence a encarou. “Desvio para onde? Eles estão cortando o meu jardim”

Heather ofereceu um mapa de papel. “Será apenas por mais algumas semanas.” “Mas você disse que isso faz parte de um plano de longo prazo”, disse Clarence. “Qual é?” Heather deu de ombros. “Dor de curto prazo para ganho de longo prazo, como eles gostam de dizer.” “Há dores de crescimento com essas coisas. Agradecemos sua paciência.”
Clarence se levantou lentamente. “Não, acho que vocês não precisam.” E então ele saiu, com as mãos tremendo levemente enquanto fechava o zíper do casaco. O vento frio o atingiu com mais força do que ele esperava enquanto caminhava para casa. Ele cortou suas mangas e fez seus olhos lacrimejarem.

Ele olhou para o gramado coberto de gelo e para os rastros de pneus enlameados que o cortavam como feridas abertas. Suas costas doíam. Seus joelhos latejavam. Sua paciência havia se esgotado. Naquela noite, ele fez chá, mas se esqueceu de beber. O chá ficou esfriando no balcão enquanto ele olhava pela janela, vendo o vento brincar com um caule de flor esmagado.
Taffy andou de um lado para o outro da porta e, finalmente, deitou-se ao lado dele, com o nariz sobre as patas. Clarence se levantou, foi até a garagem e acendeu a luz. Debaixo de uma pilha de caixas, havia uma caixa de armazenamento com o rótulo “IRRIGAÇÃO – JARDIM TRASEIRO”

Ele a puxou para fora. Dentro dela havia aspersores antigos, tubos, sensores de movimento, abraçadeiras e um temporizador à prova de intempéries. Já haviam se passado anos, mas o sistema ainda era familiar – ele sabia exatamente do que precisava.
Atrás do galpão, havia um lago raso que costumava ser decorativo. Atualmente, ele era mais funcional do que bonito, com algas nas bordas e folhas flutuando na água. Não era sujo, mas também não era filtrado. E isso era bom. Ele não estava procurando por algo puro. Ele queria algo memorável.

Clarence passou o dia seguinte se preparando em silêncio. Ele não contou a ninguém, nem mesmo a Jordan, o garoto da rua que às vezes o ajudava com o trabalho no jardim. Ele não queria testemunhas, nem fofocas. Apenas resultados. Quanto menos pessoas soubessem, melhor seria o resultado.
Ele conectou a velha tubulação de irrigação a uma linha de bomba que era extraída diretamente da lagoa, alimentando-a em direção à borda de cobertura vegetal por onde passava a maior parte do tráfego do atalho. Ele verificou as válvulas, substituiu as peças apodrecidas e testou o fluxo. A água saiu fria e levemente turva, o suficiente para manchar uma camisa ou deixar marcas em equipamentos caros.

Na extremidade mais distante, ele instalou um sensor ativado por movimento – nada sofisticado, apenas um impedimento para veados que ele havia usado uma vez para manter os guaxinins longe dos tomates. Quando acionado, ele abria a válvula por quatro segundos, borrifando um leque de água de alta pressão dos bicos cuidadosamente montados sob a borda do canteiro de flores.
A onda de frio havia mantido a temperatura do lago baixa. Clarence alimentou a linha através de uma seção sombreada para preservar o frio. Não estava congelado, mas tinha mordidas. E misturada com o lodo do lago e uma pitada de sedimentos de jardim, ela grudava. Não o suficiente para machucar, mas o suficiente para incomodar profundamente.

Ele sorriu, só um pouco. Se a cidade não os detivesse, se as placas não os detivessem e se suas palavras não importassem, então talvez uma surpresa importasse. Não uma briga. Não uma ameaça. Apenas um lembrete úmido e lamacento de que esse pátio pertencia a alguém.
Ele o testou com o cabo de um ancinho. O sensor piscou. Meio segundo depois, uma forte explosão de água saiu em um jato fino. Durou cerca de quatro segundos antes de se desligar. Clarence acenou para si mesmo e ajustou o ângulo para alcançar o caminho não oficial do “atalho”. Estava pronto.

Para ter mais certeza, ele acrescentou mais uma placa – dessa vez em letras maiúsculas em plástico refletivo: “ZONA ÚMIDA – PROPRIEDADE SOB MANUTENÇÃO – NÃO ENTRE” Ele sabia que eles não a leriam. Mas não era para eles. Era para ele. Um lembrete de que ele havia feito tudo o que podia antes disso.
Ele acordou cedo na manhã seguinte, logo após o nascer do sol. O ar tinha aquele tipo de frio quebradiço que se infiltra em seu colarinho. Ele preparou seu chá e levou a caneca para fora, observando-o da varanda com Taffy enrolada a seus pés. A luz do sensor piscava suavemente ao longe.

Às 8h17, o primeiro ciclista chegou. Uma mulher com uma jaqueta azul e luvas sem dedos desceu o caminho bloqueado, olhou uma vez para a placa de desvio e passou direto pelo quintal de Clarence sem hesitar. Ela nem sequer diminuiu a velocidade.
No momento em que seus pneus atingiram a linha de cobertura vegetal, o sensor piscou. Uma fração de segundo depois, os aspersores começaram a funcionar. A água fria correu pelo ar, atingindo-a em cheio no peito. Ela soltou um suspiro agudo e pedalou mais rápido, girando o corpo para longe do spray. Seus pneus derraparam um pouco, mas ela se manteve de pé.

Ela não caiu. Não se acidentou. Continuou a andar, agora encharcada e gaguejando, olhando para trás por cima do ombro como se tivesse sido atacada por um fantasma. Clarence, de pé atrás das cortinas, tomava seu chá. Taffy soltou um pequeno gesto de aprovação.
Mais dois ciclistas se seguiram em poucos minutos. O primeiro foi atingido em cheio na frente. Ele gritou alguma coisa e desviou bruscamente, borrifando água de sua jaqueta enquanto xingava. O segundo tentou se esquivar, mas mesmo assim foi atingido em cheio pelo lado esquerdo. Nenhum dos dois parou. Mas também não pareciam felizes.

Por volta das 8:45, outro passou – esse diminuiu a velocidade brevemente na borda do pátio antes de voltar para trás. Clarence estreitou os olhos. Um padrão estava se formando. Ele não esperava milagres. Mas talvez estivesse chamando a atenção deles.
Por volta das 9 horas, o atalho ficou em silêncio. Clarence saiu e percorreu o caminho pessoalmente, verificando a tubulação, ajustando o ângulo de um bocal. Tudo estava intacto. Tudo funcionava.

Pela primeira vez em semanas, ele sentiu um estranho tipo de calma tomar conta dele. Não era vingança. Nem triunfo. Apenas alívio. Por volta das 11:00, Jordan veio de bicicleta da rua de baixo. Ele encostou a bicicleta na cerca e entrou na entrada da garagem sorrindo.
“Sr. Briggs”, disse ele, “você criou uma armadilha de água, doente. Isso é genial” Clarence levantou uma sobrancelha. “Eu estava apenas regando o quintal.” Jordan ficou um pouco, curioso para ver o sistema em ação. Às 11h20, outro ciclista se aproximou da linha de cobertura vegetal, viu a placa e hesitou.

Depois, com um grunhido relutante, ele se virou e voltou para a estrada. Jordan riu. “Funciona melhor do que gritar. Melhor do que placas. Você pode ter começado alguma coisa, Sr. Briggs” Clarence assentiu lentamente com a cabeça. “Já era hora de alguém ouvir.”
Mas pouco depois do meio-dia, o clima mudou. Clarence estava varrendo os degraus da frente quando um ciclista encharcado atravessou o gramado, pulando completamente a passarela. “Que diabos há de errado com você? Essa é a sua ideia de piada?”, esbravejou o ciclista. A lama grudava em suas mangas e respingava em suas calças, com manchas escuras se espalhando por sua jaqueta.

Clarence largou a vassoura. “Não. Acho que estou regando meu quintal.” “Regando seu quintal? Você montou uma armadilha! Eu vi os sensores – isso era para emboscar pessoas como eu!” “Você quer dizer as pessoas que atravessam propriedades privadas? Ignorando todas as placas?” “Não havia placas!”
“Havia duas”, disse Clarence, acenando com a cabeça para a placa laminada perto da cobertura vegetal. “A menos que alguém as tenha jogado de novo.” Enquanto o homem reclamava, Jordan silenciosamente tirou o celular do bolso e começou a gravar. Ele não falava nem se movia – apenas mantinha a tela escurecida e estável de sua posição junto à cerca.

O ciclista apontou um dedo trêmulo e enlameado para Clarence. “Você acha que isso é legal? Acha que pode borrifar água gelada e suja nas pessoas e ir embora? Esta jaqueta está estragada! Eu poderia ter ficado doente!”
Clarence levantou uma sobrancelha. “Mas você não ficou.” “Você vai se arrepender disso”, disse o homem, aproximando-se mais. “Vou processá-lo – danos civis, perigo imprudente, destruição de propriedade, o que der na telha. Você está se excedendo.”

Clarence abriu a boca, depois hesitou. Sua voz não tinha a mesma força dessa vez. “Eu estava regando minhas plantas. A mesma coisa que sempre fiz.” O homem se virou abruptamente, murmurando: “Ameaça”, e se afastou. “Veremos como isso é engraçado quando a polícia estiver na sua varanda.”
Clarence o observou partir. A vassoura em sua mão parecia mais pesada do que antes. O vento bateu nos sinos de vento acima, mas, em vez da música suave de sempre, eles fizeram um barulho monótono. Ele olhou para o mato, para o sensor que piscava, para as pegadas escuras e encharcadas que manchavam a grama.

Será que fui longe demais? ele se perguntou. E se alguém realmente se machucar? Eles dirão que a culpa é minha? Será que vão me dar ouvidos? Jordan caminhou ao lado dele, colocando o celular de volta no bolso. “Isso foi demais”, disse ele em voz baixa. “Você viu o rosto dele?”
Clarence não respondeu de imediato. Ele se abaixou, pegou a vassoura novamente e tirou algumas folhas perdidas da varanda. “As pessoas pegam atalhos quando acham que ninguém está olhando”, ele murmurou. Depois, quase para si mesmo: “Só espero não ter exagerado com tudo isso.”

No dia seguinte, por volta do meio-dia, o homem voltou – mas dessa vez trouxe companhia. Um carro de patrulha preto e branco parou ao lado dele. Dois policiais saíram – um mais velho, de cabelos grisalhos e firme; o outro mais jovem, segurando um tablet.
O ciclista já estava em meio a um discurso: “Eu disse a vocês que ele tem essas armadilhas ativadas por movimento! Eu estava encharcado – com água do lago! Estava gelada e imunda! Não há nenhum aviso – ele armou tudo como se fosse uma armadilha!”

Os policiais se aproximaram da varanda, onde Clarence estava esperando com seu suéter habitual e luvas de jardinagem. Taffy estava enrolada na sombra atrás dele. O policial mais velho falou primeiro. “Senhor, você tem um sistema de irrigação no gramado dos fundos?”
“Sim, senhor policial. Ativado por movimento. Mantém os veados afastados e ajuda a regar os canteiros. É tecnologia antiga, nada perigoso. É puxado da lagoa do jardim. Não é filtrado.” O policial mais jovem deu um passo ao redor da lateral da casa para dar uma olhada. Enquanto isso, o ciclista acrescentou: “Ele está mirando nas pessoas, preparando armadilhas! É assédio – veja minhas roupas!”

O policial mais velho ergueu a mão. “Vamos dar uma olhada primeiro.” Momentos depois, o policial mais jovem voltou. “Tudo está certo. Tubulação, sensores padrão, aspersores. Há duas placas visíveis – uma diz ‘Propriedade privada’ e a outra diz ‘Zona úmida – Desvio’ Nada ilegal.”
“Mas eu fiquei encharcado!”, gritou o ciclista. “E ele não me parou!” O policial se voltou para Clarence. “Senhor, sabia que as pessoas estavam cortando o seu gramado?” Clarence assentiu com a cabeça. “Por semanas. Tentei colocar placas. Falei com alguns. Fui ignorado e até gritei com eles. Liguei para a prefeitura – eles disseram que o financiamento estava atrasado. Esse foi o impedimento mais gentil que consegui pensar.”

O policial mais velho olhou para o ciclista. “Você admitiu ter entrado em propriedade privada, ignorando a sinalização e fazendo isso mais de uma vez. Isso é invasão de propriedade.” O homem ficou de queixo caído. “Você está do lado dele?”
O policial sacou seu bloco de multas. “Estou autuando-o por invasão de propriedade. O senhor é livre para contestar no tribunal.” O ciclista explodiu em uma série de protestos, mas a multa já estava sendo escrita. “E senhor”, acrescentou o policial, voltando-se para Clarence, “o senhor se importaria se eu ficasse por aqui um pouco? Talvez valha a pena desencorajar qualquer outra pessoa a passar por aqui.”

Clarence acenou com a cabeça uma vez. “Fique à vontade.” Durante a hora seguinte, o policial ficou na esquina do pátio. Os ciclistas que ignoravam a placa eram recebidos primeiro por um jato de água fria e, em seguida, seis metros depois, por um policial uniformizado com uma prancheta. O atalho finalmente se tornara inconveniente.
Naquela noite, Jordan fez o upload de seu vídeo no TikTok e no YouTube. Ele o intitulou: “Vovô aposentado derruba ciclistas com água fria” O vídeo mostrava tudo: a birra do homem rude, as respostas firmes de Clarence, a polícia que o apoiou e o policial que passou a multa.

O vídeo explodiu da noite para o dia e teve mais de 2 milhões de visualizações. Os comentários foram abundantes – alguns chamando Clarence de gênio, outros de “O defensor do gramado” As agências de notícias acompanharam o fato. Foram criados memes. Mas a coisa mais surpreendente aconteceu no terceiro dia.
Alguém criou um GoFundMe com o título: “Conserte a ciclovia – deixe o quintal do Clarence em paz” Em uma semana, a campanha arrecadou mais de US$ 42.000. Jordan apareceu, com os olhos arregalados, e estendeu seu telefone. “Sr. Briggs, nós podemos consertar a trilha. Tipo, consertar mesmo. As pessoas doaram o suficiente para terminar a pista.”

Clarence piscou, atônito. “Tudo por causa daquele vídeo?” Jordan sorriu. “Tudo porque você manteve sua posição.” Uma semana depois, Clarence e Jordan entraram juntos na prefeitura. Dessa vez, Clarence não precisou de uma prancheta nem esperou em uma longa fila.
Eles foram conduzidos a uma pequena sala de conferências, onde o diretor de obras públicas da cidade os agradeceu pessoalmente. Em mais duas semanas, as equipes de construção estavam de volta. Um novo pavimento foi colocado.

Uma nova sinalização foi instalada tornando o desvio oficial – e totalmente removida do gramado da Clarence. E, sem mais nem menos, os ciclistas pararam de vir. Clarence ficou em sua varanda na manhã seguinte à abertura da nova pista e observou o primeiro grupo de ciclistas descendo o caminho pronto – curvando-se para longe de seus canteiros de flores, de suas roseiras, de sua paz.
Ele se sentou na cadeira da varanda, serviu-se de uma xícara de chá e expirou. Taffy subiu em seu colo, satisfeita. Pela primeira vez em muito tempo, os sinos de vento podiam ser ouvidos novamente – suaves, claros e ininterruptos.
