As manhãs de Mara eram sempre iguais: o café sendo preparado, o zumbido baixo da geladeira e a conversa silenciosa da televisão no canto. Ela gostava desse conforto, desse ritmo previsível. Em um mundo que antes girava rápido demais para ela, a rotina havia se tornado seu porto seguro.
Ela levou sua caneca para o sofá, enrolando as pernas sob uma colcha desbotada. Lá fora, a chuva de inverno traçava rios preguiçosos pela janela. O noticiário estava ligado, uma voz distante preenchendo o silêncio. Ela não estava realmente ouvindo – até que o tom do âncora mudou, iluminando-se com a emoção da descoberta.
“Uma peça rara de joalheria”, anunciou o âncora, “uma das três únicas que se sabe que existem, foi vista ontem à noite em um baile de gala beneficente” Os olhos de Mara se arregalaram preguiçosamente, esperando algo brilhante e vistoso. A tela mudou para um close-up de uma corrente de prata com uma pedra azul profunda.
Sua respiração ficou presa no meio do gole. Ela se inclinou para frente, com o café esfriando em suas mãos. A câmera permaneceu no colar – gravuras delicadas ondulando ao longo da moldura, a pedra brilhando sob a luz. Era impossível, mas lá estava ele. Ela conhecia cada curva daquele pingente, cada sombra naquele azul.

A caneca tremeu em seu punho. Não era apenas semelhante – era exatamente igual! O colar que um dia ela segurou na palma da mão, traçou com o polegar e prendeu ao redor… Ela piscou com força, balançando a cabeça. Não. Isso foi há anos. Isso só pode ser uma cópia. Ou talvez a que está aparecendo na TV seja uma cópia desta..
Mas o segmento de notícias continuou, e os detalhes fizeram sua pele se arrepiar. A peça não tinha nenhum registro de venda conhecido e nenhum vestígio nos arquivos de joias. Os especialistas estavam chamando-a de “inestimável”, estimando milhões em um leilão. O café de Mara escorregou de seus dedos, derramando o líquido escuro sobre a colcha, mas ela mal percebeu.

Apareceu uma fotografia borrada – uma senhora no baile de gala, com o pingente brilhando em seu vestido azul. A imagem estava deliberadamente granulada, seu rosto irreconhecível, mas o colar atraiu o olhar de Mara como um ímã. Ela se inclinou para mais perto, estudando a maneira como a luz parecia se acumular na pedra.
A âncora falou sobre as origens misteriosas do colar, sobre o fato de nenhum joalheiro vivo ter afirmado tê-lo criado. Alguns o chamavam de herança da realeza perdida, outros de milagre da arte esquecida. O pingente, diziam eles, trazia mais perguntas do que respostas. Mara não teve tempo de processar tudo isso, mas seu peito estava estranhamente apertado.

Ela se sentou congelada, com o mundo lá fora reduzido à chuva no vidro e ao brilho da TV. Isso não podia ser uma coincidência – não com algo tão raro. Uma lembrança se agitou nas bordas de sua mente, mas ela a afastou. Não queria pensar onde o tinha visto pela última vez.
O segmento foi reproduzido e, mais uma vez, a câmera se deteve no redemoinho de prata e azul profundo. Ela se viu inclinada, com a respiração superficial. Não era apenas uma peça de joalheria – era uma peça de quebra-cabeça que ela não havia percebido que estava faltando. E agora, ela havia caído em seu colo sem aviso prévio.

“O proprietário solicitou privacidade”, disse o âncora, “e nós honramos esse desejo. O que sabemos é que o colar nunca havia sido visto em público – até agora.” Os dedos de Mara se curvaram contra a almofada do sofá, os nós dos dedos embranqueceram quando a imagem passou mais uma vez.
Ela poderia ter desligado a televisão, voltado ao seu dia tranquilo, deixado o momento passar. Mas não o fez – não podia. Seu olhar permaneceu fixo naquela pedra azul profunda, seu pulso batendo loucamente. O que quer que isso significasse, não era mais apenas mais uma notícia.

Ela desligou a TV, mas manteve a imagem em sua mente. Aquele colar não era estranho para ela. Ela o possuíra uma vez, anos atrás, quando a vida ainda era crua e sem forma. A lembrança a pressionava como uma maré que ela não conseguia conter.
Foi há dezoito invernos, em um apartamento apertado que cheirava levemente a mofo e macarrão cozido. Mara tinha dezenove anos e estava sozinha, um tipo de solidão que roía os ossos. Ela carregava mais do que apenas o aluguel e as contas do supermercado – ela carregava uma vida.

O colar era uma herança de família, passada de geração em geração. Sua mãe o havia dado a ela um ano antes de ter seu bebê – quando ela atingiu a maioridade. Sua mãe lhe dissera que o colar não valia quase nada em peso.
Desde que se lembrava, Mara se sentia atraída por ele na escassa coleção de sua mãe – o brilho da prata e a estranha profundidade da pedra azul. Parecia vivo, como se tivesse seu próprio batimento cardíaco.

Mas depois do nascimento de seu filho, Mara não estava pensando em valor. Ela estava pensando apenas em esperança – algo pequeno e belo em um mundo que parecia pesado demais. Ela o usava todos os dias, com os dedos tocando o pingente sempre que a preocupação ameaçava puxá-la para baixo. Era seu talismã contra o desconhecido.
Mas o desconhecido chegava de qualquer maneira. Seu namorado desapareceu no momento em que ela lhe contou sobre a gravidez. Seu emprego na lanchonete mal cobria o aluguel. Mesmo com turnos extras, ela estava vivendo de macarrão instantâneo, vendo seu estômago ficar mais redondo enquanto os armários ficavam mais vazios. O futuro se aproximava como uma sombra.

Meu Deus, só de pensar nisso, ela se cortava como uma faca. Ela visitou bancos de alimentos, pechinchou com o proprietário e vendeu o pouco que tinha. Mas os recém-nascidos precisam de mais do que apenas amor – eles precisam de tudo e mais um pouco. Mara, aos dezenove anos, estava rapidamente ficando sem tudo. A decisão que ela jurou que nunca tomaria começou a persegui-la.
A agência de adoção cheirava a detergente de limão e desespero silencioso. Ela preencheu os formulários com as mãos trêmulas, e cada pergunta a cortava um pouco mais. Perguntaram se ela queria deixar algo para o bebê. A maioria das mães deixava cobertores, bichos de pelúcia – símbolos de uma vida que, provavelmente, não poderiam dar. Mara pegou a única coisa que tinha um pouco de valor em sua vida.

Ela tirou o colar e o segurou por um momento. O pingente parecia mais quente do que o normal, como se entendesse o que estava acontecendo. Ela sussurrou uma promessa que mal conseguia formar – que um dia, de alguma forma, ela poderia vê-lo novamente e, por meio dele, encontrar a criança que estava perdendo.
O dia em que ela o entregou foi o mais frio daquele inverno. Ele estava enrolado em um cobertor azul macio, com o colar enfiado embaixo dele. Ela beijou sua testa uma vez, rapidamente, antes que a levassem para fora da porta lateral. Ela preferiu não guardar nenhum nome, nem mesmo uma foto. Sem mais nem menos, a ausência logo envolveu sua existência.

Depois disso, o tempo se tornou algo que ela atravessou em vez de viver. Ela fazia turnos duplos, mudava de apartamento e deixava os anos se acumularem em camadas organizadas e sem sentimentos. De vez em quando, ela sonhava com uma pequena mão segurando a corrente de prata, a pedra azul brilhando à luz do sol – um sonho que ficava mais obscuro a cada ano que passava.
Ela nunca procurou. Dizia a si mesma que era por causa dele, que ele merecia paz sem a sombra dela. Mas a verdade era muito mais simples: medo. Medo da rejeição. Medo de que ele olhasse para ela sem nada nos olhos além de uma indiferença educada – a mulher que havia escolhido dar a chance de um milagre.

Ainda assim, ela nunca deixou de olhar as vitrines de joias, os balcões de brechós, as mesas de mercados de antiguidades – só para garantir. Parte dela acreditava que o colar havia desaparecido para sempre, engolido pelo tempo. Mas uma parte mais teimosa insistia que ele estava lá fora, em algum lugar, mantendo sua vigília silenciosa. Talvez alguém o tivesse vendido novamente, e encontrá-lo poderia levar a..
Essa parte teimosa ganhou vida esta noite, assistindo à reprise do clipe de notícias. Lá estava ela – inalterada, intocada pelos anos, como se o mundo tivesse conspirado para mantê-la intocada. Mas como ela havia ressurgido? E por que agora, depois de todo esse tempo? As perguntas a atormentavam.

Ela pensou na forma como a voz do âncora havia tremido de emoção. Milhões, eles disseram. Uma fortuna. Ela quase riu. Naquela época, ela achava que estava lhe dando uma bela bugiganga, talvez algo um pouco sentimental. Ela não sabia que o estava enviando ao mundo com mais do que ela mesma tinha.
Sua mente se voltou para as histórias sobre sua bisavó – a dona original daquele colar. Lembrou-se de como ninguém sabia muito sobre ela, exceto pelo fato de que era uma mulher trabalhadora que havia imigrado e mantido a família bem alimentada e unida da melhor forma possível.

Mara se perguntou se ela poderia saber do valor do colar. Por que sua bisavó guardou o colar, se ela sabia de seu valor? Nenhum dos membros de sua família havia se tornado muito importante na vida. Certamente, ela teria tentado dar aos filhos e filhas uma vida melhor se soubesse?
Mara se pegou nessa linha de pensamento sem sentido. O que isso importava? O arrependimento subiu como bile. Ela se lembrou de si mesma no hospital, acreditando que não poderia lhe dar a vida que ele merecia. Se ela soubesse o quanto o colar valia, teria tomado a mesma decisão? Seus olhos se encheram de lágrimas não derramadas.

A chuva lá fora aumentou, transformando as luzes da cidade em manchas de aquarela. Mara se arrepiou apesar do edredom, embora não tivesse nada a ver com o frio. Ela podia sentir o peso do colar mesmo agora, um fantasma contra sua pele. Será que ela poderia recuperá-lo? Ou, aquele presente maior que ela havia deixado junto com ele?
Ela estava na metade do processo de servir-se de outra xícara de café quando um pensamento a fez parar. A âncora havia dito isso – claro como um sino – mas ela estava concentrada demais no brilho do pingente para registrar. “Um dos três únicos que se sabe que existem.” Três! Seus joelhos quase cederam sob ela.

Esse colar poderia não ser o seu colar. Poderia ser um gêmeo, um irmão que ela nunca soube que existia. O que ela possuía ainda poderia estar em outro lugar – perdido, penhorado, roubado. A súbita onda de certeza que ela sentiu ao assistir ao noticiário se transformou em algo irregular e incerto.
Mara colocou a cafeteira no chão com um barulho. Sua mente girava. Se houvesse três, rastrear um deles não garantiria que ela encontraria o seu. Ela poderia passar meses, até anos, seguindo o pingente errado, perseguindo uma sombra enquanto o verdadeiro escapava cada vez mais de seu alcance.

Pior ainda era o pensamento que ela não conseguia afastar – que talvez seu colar tivesse desaparecido para sempre. Vendido pelo dinheiro do aluguel. Deixado para trás em uma mudança. Trocado por um punhado de notas. Ela o imaginou descansando na gaveta de um estranho, sua história apagada, seu significado e valor desnudados.
Ela pensou em casas de leilão empoeiradas, vendas de imóveis desordenadas – lugares onde o sentimento não significava nada e a beleza era apenas mais uma transação. Isso a encheu de uma tristeza desesperadora, que rapidamente se transformou em raiva e, depois, em desespero silencioso.

Ela também se sentia frenética ao pensar que seu filho não só deveria ser separado de sua verdadeira mãe, mas também dessa herança que deveria ser dele. E se ele a tivesse com ele, sã e salva, mas não soubesse nada sobre seu significado e valor? Assim como ela havia feito todos aqueles anos atrás?
Essa possibilidade a machucou mais do que ela poderia imaginar. Ela havia deixado que a imagem na TV a levasse a uma esperança frágil, e agora ela estava se desfazendo. A ideia de começar de novo, com ainda menos pistas, fazia sua garganta doer.

E então veio o pensamento mais sombrio – aquele que a fez agarrar a bancada para se equilibrar. E se o colar tivesse desaparecido porque seu filho não o tinha mais? E se ele tivesse que desistir dele, da mesma forma que ela desistiu dele?
Ela o imaginou mais velho agora, no mundo, sem nenhuma das proteções que ela tentou lhe dar por meio do pingente. Talvez ele o tenha vendido para pagar as mensalidades da escola, comida ou alguma despesa repentina. Talvez ele estivesse vivendo no limite, assim como ela.

A ideia a atormentava. Ela havia lhe dado a única coisa bonita que possuía, não pelo preço, mas pela promessa que trazia. Se ele não a tivesse mais, será que ela havia falhado naquele pequeno ato de amor?
Ela se sentou no sofá, olhando para a janela manchada de chuva. Em sua mente, três colares idênticos flutuavam em diferentes cantos do mundo. Qual deles era o dela? Qual deles tinha sido feito para conectá-los? E se ela nunca soubesse a resposta?

Seu olhar deslizou de volta para o quadro de notícias pausado na TV. Aquele pingente – dela ou não – era a única pista que ela tinha. Mas persegui-lo agora parecia mais arriscado. Ela poderia estar entrando em um labirinto sem saída, cada volta a levava para mais longe da verdade.
As palavras da âncora foram repetidas em sua mente: “Uma das três únicas que se sabe que existem” Ela tentou imaginar as outras duas – onde estiveram durante todos esses anos, que mãos as seguraram, que histórias carregavam. Em algum lugar entre elas estava a que ela havia deixado para trás.

Quanto mais ela pensava sobre isso, menos confiava na ideia de que encontrar o pingente de gala resolveria qualquer coisa. Mesmo que ela conseguisse encontrar seu dono, isso poderia acabar em decepção. Ela poderia gastar todas as suas forças perseguindo um pingente que não tinha nada a ver com ela.
No entanto, não fazer nada parecia impossível. O colar dela – o colar dele – ainda estava por aí em algum lugar. Quer fosse este, quer estivesse em um cofre, em uma vitrine de loja ou no fundo de uma caixa esquecida, ele carregava um fio que a levava de volta a uma escolha com a qual ela nunca havia realmente feito as pazes. Esse fio era o único que ela tinha.

Mara se inclinou para a frente, com os cotovelos sobre os joelhos, o peso da decisão a pressionando. Ela poderia deixar que o mistério dos três colares se tornasse mais um capítulo não resolvido em sua vida, ou poderia persegui-lo, sabendo muito bem que isso não a levaria a lugar algum. Nenhuma das opções parecia mais segura. Mas ela precisava fazer alguma coisa.
Outro pensamento doentio a atingiu. E se ele já tivesse descoberto o valor do colar? Isso significaria que ele já estava preparado. Mas isso não faria com que ele a odiasse ainda mais – achando que ela o abandonou mesmo tendo os meios para cuidar dele? Ela não conseguia mais suportar essa dor!

Quando se acalmou um pouco, ela conscientemente voltou sua mente para o colar – essa era sua única pista real. Como ele havia sobrevivido a todos esses anos, onde estava escondido? Quando algo que você perdeu reaparece de repente, você olha mais de perto. Qualquer pessoa o faria. Pelo menos, foi isso que ela disse a si mesma.
Com as mãos trêmulas, ela levou o laptop para o sofá, equilibrando-o ao lado do café já frio. Uma busca rápida por “emblema da faixa azul do baile de gala beneficente de Boston” trouxe dezenas de imagens. E lá estava ele – o design exato – no site de uma conhecida fundação de artes. Seu pulso acelerou, apesar de si mesma.

A página de eventos da fundação confirmou que o baile de gala de ontem à noite havia sido deles. Percorrendo os comunicados à imprensa, ela não encontrou nenhuma menção ao colar ou ao jovem. Ainda assim, as fotos do local combinavam perfeitamente. Ela se inclinou para mais perto da tela, a chuva lá fora batendo em sincronia com seus batimentos cardíacos acelerados.
Mara ligou para o hotel que havia sediado o evento, fingindo estar planejando um aniversário de família. Ela perguntou casualmente sobre fornecedores e entretenimento recomendados. A recepcionista se recusou educadamente, mas mencionou que a fundação de artes havia se encarregado de todos os preparativos para os convidados. Era apenas uma pista, mas já era alguma coisa.

Ela clicou na página “Sobre nós” da fundação, examinando as fotos dos membros da diretoria e dos doadores. Seus sorrisos eram polidos, suas biografias estavam repletas de títulos corporativos. Será que um deles poderia ter convidado o dono do colar? Ela marcou a lista, sem saber o que faria com ela em seguida.
Ela poderia ligar para cada um deles, mas o que eles diriam a ela? Mais importante ainda, por que eles divulgariam qualquer detalhe sobre o precioso bem? Se fosse o caso, eles a veriam com desconfiança. Não, isso não funcionaria, ela decidiu.

Ela digitou “vintage silver necklace with blue stone auction” (colar de prata vintage com pedra azul em leilão) em todos os mecanismos de busca que conseguiu encontrar. Nenhuma correspondência. Ela tentou bancos de dados de casas de penhores. Nada. Era como se o colar tivesse caído em um buraco negro no momento em que saiu de suas mãos, para que apenas uma miragem dele aparecesse na TV depois de tantos anos.
Seus pensamentos se voltaram para a agência de adoção. Ela havia deixado o colar com o bebê. Se tivesse ficado com ele, talvez eles soubessem para onde tinha ido. Mas isso significava voltar a um mundo que ela havia trancado há dezoito anos.

Ela retirou uma pasta antiga do fundo do armário. Os papéis dentro dela estavam amarelados, com a tinta desbotada. Ali, no topo, estava o número de telefone da agência, impresso em negrito. Seu polegar passou sobre o teclado do telefone antes de pousá-lo novamente. Ela não estava pronta – não ainda.
Em vez disso, ela procurou a agência on-line. O site era todo em cores suaves e palavras calorosas sobre “consentimento mútuo” e “respeito à privacidade” Ela leu sobre as regras rígidas para contato, as camadas de lei entre ela e qualquer possível verdade. Cada frase parecia outra porta se fechando em seu rosto.

A chuva lá fora embaçava as luzes da cidade em uma névoa de aquarela. Mara apertou ainda mais o edredom, com a mente trabalhando. Se não conseguisse passar pelos canais oficiais, teria de encontrar outro caminho – algo mais silencioso, algo só dela. E no momento em que pensou nisso, ela sabia que iria até o fim.
Na manhã seguinte, Mara acordou com um plano. Ela mal conseguia sentir o gosto do café, pois sua mente já estava correndo pelas possíveis rotas para rastrear o colar. A agência de adoção era um lugar que ela havia evitado por quase duas décadas, mas agora poderia conter o único fio que levaria ao futuro brilhante de seu filho.

O prédio parecia diferente, repintado e mais brilhante, mas o peso em seu peito era o mesmo do dia em que ela assinou os papéis. Na recepção, ela deu seu nome e explicou, de forma hesitante, que estava procurando por atualizações no arquivo de seu filho.
O sorriso educado da recepcionista diminuiu quando Mara mencionou o colar. “Não costumamos rastrear itens dados aos adotados”, disse ela. Mas algo na voz de Mara – talvez seu desespero misturado com convicção – pareceu influenciar a outra. Ela desapareceu nos fundos, deixando Mara sozinha com seus pensamentos agitados.

A recepcionista voltou com um envelope lacrado. “Não costumamos fazer isso”, murmurou ela, deslizando-o pelo balcão. Dentro havia uma fotocópia da lista de inventário da transferência de adoção – uma linha dizia Item: pingente de prata com pedra azul. As mãos de Mara tremiam enquanto ela traçava as palavras.
Uma nota rabiscada nas margens chamou sua atenção: Não reclamado pela família adotiva – colocado na caixa de lembranças da criança. Sua respiração ficou presa. O colar havia ficado com ele. A possibilidade não era mais abstrata – era real. Ela perguntou se havia alguma maneira de saber para onde aquela caixa tinha ido.

Regras, formulários e cláusulas de confidencialidade surgiram como muros, mas Mara insistiu. Por fim, um assistente social compreensivo deu a entender que a caixa de lembranças havia sido entregue aos pais adotivos do menino quando ele se formou no ensino médio. Isso significava que, se ela conseguisse encontrá-los, poderia encontrar o colar e contar a ele tudo o que o aguardava.
Localizar a família adotiva não foi fácil. Os registros públicos a conduziam em círculos. Mas Mara estava desesperada, como só uma mãe prestes a perder seu filho pela segunda vez poderia estar. Ela foi implacável em sua busca até descobrir o endereço da mãe adotiva dele.

Seu pulso batia forte enquanto ela observava os detalhes. A família havia se mudado duas vezes na última década, mas em um dos endereços havia uma lista telefônica. Ela ensaiou o que diria, mas quando alguém finalmente atendeu, suas palavras ficaram confusas. “Estou… procurando alguém que possa ser dono de algo que me pertenceu…”, ela começou.
A voz do outro lado era cautelosa, e não sem motivo. Mas Mara respirou fundo e contou sua história. Ela disse à mulher que, mesmo que não quisesse que sua mãe biológica reaparecesse como um fantasma no meio deles, ela deveria pelo menos contar a ele sobre o colar e seu valor.

Embora as palavras lhe faltassem, Mara continuou contando como havia perdido seus dois bens mais valiosos naquele dia fatídico na agência de adoção – um conscientemente e o outro sem saber. Ela contou como descobriu seu valor, por acaso, em um noticiário da TV.
Mas parecia que nem tudo estava perdido. A mulher havia permanecido em silêncio durante todo esse tempo, fazendo Mara pensar no pior. Mas agora ela tinha uma boa notícia. Seu filho havia mandado avaliar o colar recentemente “só por curiosidade” e a reação do joalheiro havia chocado os dois.

Mara agarrou o telefone com mais força. A mãe adotiva disse suavemente, depois de uma longa pausa: “Ele nunca perguntou sobre sua mãe biológica… mas ultimamente tem se perguntado sobre o colar. Ele parecia surpreso com o fato de uma mulher que o possuía ter tido coragem de doá-lo. Mas agora tudo faz sentido”. Mas agora tudo faz sentido”
O coração de Mara ficou em polvorosa. Será que ele concordaria em conhecê-la? Será que ele a odiaria, depois de conhecê-la? Ela não tinha forças para dizer mais nada. Mas fez com que sua outra mãe prometesse que só diria a ele que alguém queria conversar sobre o colar com ele.

Elas marcaram um encontro em um lugar neutro – um café tranquilo na periferia da cidade. Mara chegou cedo, com o estômago em frangalhos. Cada som da porta se abrindo fazia com que ela olhasse para cima, esperando, temendo, desejando. Ela se perguntava como seria a aparência dele de perto, depois de todo esse tempo.
Quando ele finalmente entrou, alto e de ombros largos, o mundo pareceu se acalmar. O colar estava encostado em seu peito, com a pedra azul captando a luz. A garganta de Mara se apertou, mas ela forçou um sorriso. Ele se aproximou, com uma curiosidade cautelosa em seus olhos. “Você queria falar sobre esse colar?”, perguntou ele.

Ela assentiu com a cabeça, com a voz baixa. “Ele pertenceu a mim… uma vez. Eu o dei de presente há muito tempo” A sobrancelha dele se franziu, e ela pôde ver as perguntas surgindo. Ela contou a ele sobre a herança, a adoção, a caixa de lembranças – tomando cuidado para não insistir demais, deixando que ele juntasse as peças.
No meio do caminho, ele se inclinou para trás, com os olhos apertados em pensamento. “Você está dizendo que… você é minha mãe biológica?” As palavras caíram como uma pedra em seu peito. Ela assentiu, e o ar entre eles pareceu vibrar com algo frágil e perigoso – esperança, talvez, ou o medo de quebrá-la.

O silêncio se estendeu, então ele perguntou: “Por que você me abandonou?” Era a pergunta que ela havia ensaiado por anos, mas que ainda queimava. Ela lhe contou sobre as contas do hospital, o apartamento minúsculo, a maneira como ela achava que o amor não era suficiente sem dinheiro. E como ela estava errada.
Lágrimas picaram seus olhos quando ela falou sobre o colar – como ela pensou que ele não valia nada, como ela esperava que fosse uma ponte se ele quisesse encontrá-la. “Achei que não tinha nada para lhe dar”, sussurrou ela. “Mas eu tinha. Só não sabia disso.” Talvez ninguém na família soubesse.

Ela lhe contou como havia descoberto seu valor, acidentalmente. A mão dele repousava sobre a mesa e, após um momento de hesitação, ela a pegou. Ele disse calmamente: “Mesmo sem isso, eu gostaria de conhecê-la” As palavras abriram algo dentro dela, e ela sentiu anos de culpa começarem a se dissipar.
Eles conversaram por horas – sobre a infância dele, seus interesses, seus planos. Ele lhe contou como descobriu o valor do colar por acidente e como quase o vendeu antes de se sentir estranhamente compelido a ficar com ele. “Acho que agora eu sei por que”, disse ele com um pequeno sorriso.

Mara sorriu por entre as lágrimas. A dor em seu peito ainda estava lá, mas agora era mais suave, amenizada pelo calor da presença dele. Ela percebeu que eles não podiam reescrever o passado, nem ganhar o tempo perdido, mas podiam escolher o que viria a seguir. E talvez isso fosse suficiente. Para ela, isso valia mais do que todos os milhões do mundo.