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O arranhão veio logo antes do amanhecer. O som era fraco, medido, quase educado. Os olhos de Catherine se abriram. Ela ficou quieta, ouvindo. Aqui fora, na borda da floresta, o silêncio tinha um peso e, quando se rompia, significava que algo estava próximo.

O som veio novamente, um arrastar lento contra o vidro, como se garras estivessem traçando o contorno de sua janela. Ela se sentou, com todos os nervos acordados, a respiração superficial no ar frio. Por um momento, o barulho parou. Então, do lado de fora, veio um pequeno grito gutural.

Catherine atravessou o quarto, cada passo deliberado, com a pulsação batendo nos ouvidos. Ela puxou a cortina para trás apenas o suficiente para ver e congelou. Em sua varanda, meio escondido na luz azulada do início da noite, algo a observava. Seus olhos brilhavam em âmbar, sem piscar. Esperando.

Catherine Morrison acordava antes do amanhecer, como fazia com frequência, não porque quisesse, mas porque o sono havia se tornado um visitante com o qual ela não podia contar. As noites agora eram longas. Silenciosas demais, pensativas demais.

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Ela ficou ali deitada por um tempo, ouvindo o zumbido suave do ventilador de teto e o rangido ocasional das paredes de madeira se acomodando. Não era o tipo de silêncio que ela conhecia, a calma que vinha antes de uma tempestade ou a pausa antes do grito de um animal.

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Esse silêncio era pesado. Ele vinha do fato de não ser necessário. Por quase três décadas, Catherine trabalhou com animais: santuários, centros de resgate, trabalho de transporte para realocações e clínicas de campo. Sua vida era cheia de barulho, movimento e urgência.

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Sempre havia algo para fazer, alguém para consertar. Agora havia apenas a rotina: chaleira, caderno, jardim. Ela preenchia seus dias com pequenos objetivos para compensar a perda do maior deles.

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Sua casa ficava à beira de um pequeno povoado que havia se aproximado demais da reserva. Uma fileira fina de casas destinadas a pessoas que gostavam da ideia de “viver perto da natureza”, mas não da realidade. A maioria de seus vizinhos era formada por aposentados, famílias ou trabalhadores urbanos que se deslocavam para a cidade.

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Eles apreciavam a vista, reclamavam dos macacos e chamavam o controle de animais sempre que uma cobra cruzava a entrada da garagem. Catherine não se encaixava, não de fato. Para eles, ela era “a dama dos animais”, aquela que não se intimidava quando um lagarto monitor entrava no jardim ou quando um chacal era visto perto das lixeiras.

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Eles vinham até ela para pedir ajuda. Às vezes, era um pássaro preso, um animal perdido mancando, um cachorro que não parava de latir na cerca. Ela sempre ajudava. Depois, eles a agradeciam educadamente e voltavam para suas próprias vidas. Catherine ficou para trás com o silêncio. Naquela manhã, ela tinha acabado de pegar a chaleira quando um som a fez parar.

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Era fraco, um arranhão suave na porta de vidro que dava para a varanda. Ela franziu a testa e esperou. Lá estava ele novamente. Ela atravessou a cozinha, com os pés descalços esfriando contra o azulejo, e puxou a cortina para o lado. Um filhote de leopardo estava sentado na varanda.

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Por um momento, ela ficou olhando. A pequena criatura era magra, com as costelas visíveis. Seus olhos eram arregalados, mas claros, observando-a através do vidro. A visão dele fez com que algo em seu peito se mexesse, uma dor familiar que ela achava ter deixado para trás.

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Seu primeiro pensamento foi que ele estava doente ou machucado. O segundo, que ele não deveria estar aqui. Um filhote tão jovem nunca se afastava de sua mãe. Ela pegou o telefone e ligou para a estação dos guardas florestais. “Bom dia”, disse uma voz jovem, distraída. “Você disse que é um filhote de leopardo?”

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“Sim. Sozinho. Ele está sentado na minha varanda”, disse Catherine. “Isso é incomum. Ele pode ter se separado. Enviaremos alguém para dar uma olhada.” A voz respondeu. “Quando?”, perguntou ela. “Pode ser ainda hoje. Temos uma situação na cerca leste.”

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Os olhos de Catherine voltaram para a janela. O filhote havia se escondido na sombra, ofegando levemente. “Mais tarde”, ela repetiu categoricamente. “Sim, senhora.” A linha ficou muda. Ao meio-dia, ninguém havia chegado. O filhote ainda estava lá, menor agora sob a luz forte.

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Catherine ficou ao lado da pia, de braços cruzados, dizendo a si mesma para não interferir. Ela sabia como essas coisas funcionavam. Alimente um animal selvagem uma vez e ele se lembrará. Alimente-o duas vezes e ele aprenderá. A dependência vinha logo em seguida, e a dependência era uma sentença de morte.

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Se o filhote aprendesse a ver os humanos como seguros, ele voltaria a se aproximar demais da colônia. Alguém entraria em pânico. Alguém chamaria os guardas florestais. E então não haveria resgate, nem realocação. Apenas um relatório registrado, um dardo disparado e o problema silenciosamente removido do mapa.

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Ela sabia de tudo isso, entendia melhor do que a maioria. Ajudar só pioraria as coisas. Se um animal selvagem começasse a associar os seres humanos à segurança ou à comida, ele nunca mais poderia ser solto. A dependência era uma sentença de morte disfarçada.

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Mesmo assim, quando o filhote caiu para a frente sob o peso do calor do meio-dia, seus instintos dominaram a razão. Catherine encheu uma tigela rasa da torneira e se agachou na porta. Ela deslizou a tigela para fora pela fresta estreita e congelou.

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O filhote farejou o ar, hesitou e depois avançou com as pernas trêmulas. Ele bebeu, rápido e bagunçado, com a água escorrendo pelo focinho. Quando terminou, olhou para cima, com os olhos dourados brilhando à luz do sol e, naquele silêncio frágil entre eles, Catherine se esqueceu de todas as regras que já havia ensinado.

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“Você não deveria estar aqui”, Catherine sussurrou. Mesmo assim, ela não fechou a porta. Catherine permaneceu agachada ao lado da porta aberta por mais tempo do que deveria, o ar quente estava impregnado com o cheiro de poeira e grama seca.

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O filhote lambeu as últimas gotas de água da tigela, sua pequena língua raspando suavemente contra o metal. Quando ele voltou a olhar para cima, seu coração disparou em duas direções ao mesmo tempo. A razão e o instinto travaram uma guerra silenciosa. Ela deu um passo para trás, fechou a porta com cuidado e foi direto para o telefone.

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Ao meio-dia, os guardas florestais chegaram em sua picape desgastada, com o logotipo verde e castanho pouco visível sob as camadas de poeira vermelha. Dois homens. Ambos jovens, queimados de sol, calmos como a experiência, desceram e a cumprimentaram com acenos de cabeça. “Bom dia, senhora”, disse um deles. “Recebemos sua ligação sobre um filhote perdido?”

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Catherine apontou para a varanda. O animal ainda estava lá, enrolado contra a parede em um pedaço de sombra. Suas laterais subiam e desciam em respirações lentas e superficiais. “Não tocou nele?”, perguntou o guarda florestal. “Eu lhe dei água”, admitiu ela. “Ele estava desidratado.”

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O guarda florestal se agachou ao lado do filhote, inspecionando-o com olhos experientes. “Você provavelmente o salvou, então. Tivemos alguns avistamentos de órfãos este mês. Pode ser um que tenha se afastado demais da reserva.” Catherine suspirou: “Ele sobreviverá?”

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“É difícil dizer. Depende de quanto tempo ele ficou sem a mãe.” O guarda-florestal colocou o filhote gentilmente em uma caixa de transporte, seu pequeno corpo mole, mas com a respiração estável. “Vamos levá-lo para o centro de reabilitação. Eles saberão o que fazer.”

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Catherine observou-os se afastarem, com a poeira se espalhando atrás da caminhonete até engolir a estrada. Somente quando o som se dissipou é que ela percebeu como sua casa havia ficado silenciosa. O resto da tarde passou em meio a acessos de distração. Ela limpou a cozinha duas vezes, fez um chá que se esqueceu de beber, sentou-se perto da janela com o caderno aberto, mas não escreveu nada.

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Cada movimento do vento lá fora atraía sua atenção de volta para a varanda. À noite, a culpa havia se instalado em seus ossos. Ela disse a si mesma que tinha feito tudo certo, relatado o incidente, seguido o procedimento. Mas a sensação era de traição. O jantar não foi tocado.

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A floresta além de sua janela brilhava com relâmpagos de calor, do tipo que brilhava sem trovões. Ela serviu uma pequena taça de vinho, mas não adiantou. Ela continuou pensando nos olhos do filhote, que não eram selvagens, nem confiantes, mas algo intermediário. Quando finalmente foi para a cama, deixou a janela aberta para respirar.

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A floresta sussurrava através da tela: grilos, sapos, o leve farfalhar de algo pequeno no mato. Era quase meia-noite quando ela acordou com o som. Um raspar suave, como garras arrastando na madeira. A princípio, ela pensou que fosse parte de um sonho, um ruído meio esquecido, costurado no sono.

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Mas ele veio novamente, deliberado e paciente, como algo testando a borda da própria casa. Catherine prendeu a respiração. O quarto estava prateado pela luz da lua que se infiltrava através das cortinas, seu velho relógio marcava fracamente na mesinha de cabeceira. Ela podia sentir seu pulso nas palmas das mãos. Outro som se seguiu. Uma exalação baixa, um leve ruído nos degraus.

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Ela se levantou em silêncio, com as tábuas do assoalho frias sob seus pés descalços, e atravessou o corredor estreito. O ar tinha um leve cheiro de chuva, terra e algo mais que ela não conseguia nomear. Almíscar animal, fraco, mas inconfundível. Quando ela chegou à janela da sala de estar, sua respiração ficou presa. O filhote estava de volta.

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Ele estava sentado na borda da varanda, emoldurado pela luz suave e incolor da lua. Sua cabeça estava levemente inclinada, como se estivesse ouvindo. O pequeno corpo parecia ainda mais magro agora, com as costelas se erguendo a cada respiração. Por um longo momento, Catherine ficou apenas olhando. Sua mente oscilava entre a descrença e o medo.

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De alguma forma, ele havia voltado; através de cercas, patrulhas, quilômetros de terreno aberto e floresta. Ela se aproximou mais, quase involuntariamente, até que seu reflexo tocou o vidro. “Como você…”, ela sussurrou. O filhote piscou, com as orelhas se contraindo ao som de sua voz. Então, sem aviso, ele se virou bruscamente para as árvores.

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A floresta atrás dele pareceu mudar. Um leve farfalhar, mais pesado que o vento. As folhas se moviam em uma ondulação lenta. A pele de Catherine se arrepiou. Aquele não era um animal pequeno. Seus instintos assumiram o controle. Ela se afastou da janela, com o coração batendo forte. A mãe, pensou ela. Só pode ser a mãe.

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Todos os pensamentos racionais lhe diziam a mesma coisa: se um leopardo adulto tivesse seguido seu filhote até aqui, ela estava no lugar errado. Ela desligou a lâmpada, a escuridão engolindo seu reflexo, e trancou a porta com precisão silenciosa. Da janela, ela observou.

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A postura do filhote havia mudado, agora era baixa e alerta. Ele olhava para as árvores, com os músculos tensos como arame. Um único som veio da floresta, um galho seco estalando sob o peso. Então, lentamente, o filhote virou a cabeça para ela novamente. Seu olhar se fixou no dela, incerto, quase suplicante.

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Em seguida, ele se moveu, não em direção à floresta, não em direção a ela, mas para o lado, escorregando da varanda para a grama. Em segundos, ele desapareceu na escuridão. Catherine permaneceu onde estava, congelada entre o medo e a curiosidade, até que a floresta se acalmou novamente.

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Ela esperou por outro som, um rosnado, um passo, qualquer coisa, mas a noite só oferecia de volta o ritmo constante dos grilos. Quando ela finalmente expirou, foi de forma trêmula e irregular. Ela encostou a mão no vidro da janela, frio e trêmulo sob a ponta dos dedos. O filhote havia voltado. E algo mais estava lá fora.

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Ela não dormiu novamente. Ficou sentada na poltrona até o amanhecer, com a xícara de chá frio ainda ao seu lado, observando a floresta passar do preto para o cinza e para o verde. Cada sombra se transformava em algo inofensivo até que nada mais parecia inofensivo.

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Quando a primeira luz se espalhou pela varanda, ela se levantou e verificou os degraus. Nenhuma marca de pata, nenhuma tábua quebrada, nada que provasse que o filhote, ou qualquer outra coisa, tivesse estado ali. O silêncio zombava dela. Por volta das sete horas, ela desistiu de fingir que poderia deixar para lá. Pegou o telefone, com o polegar sobre o número do posto de guarda florestal.

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O que ela poderia dizer? Que um filhote havia retornado duas vezes? Que tinha ouvido algo grande se movendo no mato, algo que fez seu sangue gelar? Ela quase desligou antes de a chamada ser conectada. “Serviços de Vida Selvagem, bom dia.”

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“Olá, aqui é Catherine Morrison, da margem sul da estrada da reserva”, disse ela, segurando o telefone com um pouco de força. “O filhote que você pegou ontem… ele voltou ontem à noite.” Houve uma pausa e, em seguida, uma voz baixa respondeu: “Isso não é possível, senhora. Ainda temos esse filhote. Ele está no centro de reabilitação, comendo e descansando. Tem certeza de que viu outro?”

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Catherine franziu a testa. “Tenho certeza. As mesmas marcas, o mesmo tamanho. Ele estava bem na minha varanda novamente.” “Então há outro”, disse o guarda florestal depois de uma pausa. “Pode ser da mesma ninhada. Vamos ficar de olho, colocar uma equipe em rotação perto do seu trecho da cerca.” No meio da manhã, a mesma caminhonete verde parou na estrada dela.

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Catherine os encontrou no portão, com o roupão apertado, o café intocado no corrimão da varanda. O guarda florestal mais velho saiu, olhando para a linha das árvores. “Ainda não encontramos nada, mas vamos manter as armadilhas verificadas e as patrulhas mais rígidas. Se estiver lá fora, vamos localizá-lo em breve.” O mais jovem acrescentou: “Enquanto isso, tentem não deixar comida ou água à vista”

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“Até mesmo o cheiro de carne pode fazer com que eles voltem.” Catherine assentiu com a cabeça, embora seu olhar tenha se desviado para a cerca, para o pedaço de terra onde ela tinha visto o filhote pela última vez. “Ele parecia… perdido”, ela murmurou. “Esse é o problema”, disse o guarda florestal mais velho, olhando para as casas na estrada.

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“Já recebemos algumas ligações. As pessoas estão ficando nervosas. Os animais de estimação estão nervosos, as crianças estão dentro de casa. Estão com medo de que o filhote machuque alguma coisa ou atraia algo maior.” A sobrancelha de Catherine se franziu. “Você acha que ele é perigoso?”

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O guarda florestal hesitou. “Ainda não. Mas se ele continuar voltando para áreas populosas, o departamento pode começar a considerá-lo um risco à segurança. Você sabe como é. Quando um animal é considerado habituado…” Ele parou um pouco, observando o rosto dela.

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Catherine terminou por ele, com a voz pouco acima de um sussurro. “Eles o abatem.” “Somente se não houver alternativa”, disse rapidamente o guarda-florestal mais jovem. “Ninguém quer isso. Mas é melhor do que esperar que alguém se machuque.”

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Quando o caminhão finalmente partiu, com os pneus estalando na estrada de terra, o silêncio que se seguiu parecia mais pesado do que antes. Algo denso e vigilante. Catherine permaneceu na varanda, com os olhos fixos na linha onde o quintal se confundia com as árvores.

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Se realmente fosse um irmão, talvez isso explicasse tudo. O filhote não estava voltando para ela; estava procurando a família. O som que ela tinha ouvido no escuro, talvez fosse a mãe, ou o outro filhote, chamando de volta. O pensamento se recusava a deixá-la ir.

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Ela calçou as botas, pegou a lanterna e entrou na névoa da manhã. A floresta estava fresca, úmida e assustadoramente quieta. Não havia vento, nem canto de pássaros. Apenas seus próprios passos. Se houvesse outro filhote por aqui, talvez estivesse machucado, talvez preso.

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Ela disse a si mesma que só procuraria por um tempo. O suficiente para saber para onde apontar os guardas florestais mais tarde. Mas quando ela se agachou perto da linha da árvore, estudando o solo onde o mato se tornava mais denso, seu fôlego parou. Não eram pegadas de patas. Eram humanas.

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Catherine congelou, com a mão pairando logo acima das pegadas. Elas eram profundas e recentes. O solo ainda era macio nas bordas. Quem quer que as tenha feito não estava longe. Ela examinou as árvores, a luz da manhã atravessando as folhas em faixas estreitas. Nada se movia. Nenhum som além do silvo baixo do vento passando pelos galhos.

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Mesmo assim, ela seguiu a trilha. As pegadas serpenteavam entre os grupos de acácias e espinheiros, tecendo em direção à parte mais densa da floresta, onde o ar se tornava frio e sombrio. A cada poucos passos, ela parava, escutando, esperando ouvir o chilrear de um pássaro ou o estalar de um galho, mas o silêncio permanecia pesado, não natural.

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Cem vezes ela disse a si mesma para voltar atrás. Chamar os guardas florestais, deixar isso para alguém armado e treinado. Mas os olhos arregalados do filhote continuavam passando por sua mente, e a ideia de ele tropeçar sozinho na floresta a empurrava para frente. Ela ligaria assim que soubesse o que estava vendo, disse a si mesma. Apenas uma olhada rápida, o suficiente para entender.

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Depois, ela relataria o fato adequadamente. As pegadas se aprofundavam à medida que o terreno se inclinava para baixo, o solo mais escuro e úmido. Ela passou a mão em uma das impressões. Quem quer que tivesse estado aqui havia morrido em poucas horas. O ar ficou mais frio, com um leve toque metálico. Depois veio o cheiro: fumaça e óleo.

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Seus batimentos cardíacos se aceleraram. Por entre as árvores à frente, algo quebrou a monotonia do verde, um lampejo de lona, o brilho suave do metal. Ela se agachou, movendo-se entre os troncos até ver a clareira.

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Um pequeno acampamento. Tosco, mas recente. Uma barraca meio desmoronada ao lado de uma fogueira morta. Um pedaço de corda. Uma lanterna pendurada em um galho, ainda balançando. Ela se aproximou mais, com a respiração fraca, até que os detalhes entraram em foco. Uma gaiola.

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Ela estava meio escondida sob uma rede de camuflagem, grosseiramente soldada com barras de metal, com a porta presa com um cadeado grosso. Dentro, esparramado de lado, estava um leopardo. Sua pelagem, outrora dourada, estava embotada pela poeira e pela lama seca. A lenta subida e descida de suas costelas lhe dizia que ele estava vivo, mas fraco.

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A garganta de Catherine ficou seca. O filhote não estava vagando. Ele estava voltando porque não conseguia encontrar isso. Ela examinou a clareira novamente. Não havia sinal de movimento na tenda. Uma única cadeira de acampamento estava tombada, com uma jaqueta jogada sobre ela. Quem quer que estivesse aqui poderia voltar a qualquer momento.

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Seu pulso pulsava em seus ouvidos. Ela poderia chamar os guardas florestais agora, mas quando eles chegassem, os caçadores poderiam ter ido embora, e o leopardo também. Ela se dirigiu à gaiola, com passos lentos e deliberados. O cheiro de ferrugem se intensificou no ar. Os olhos do leopardo se abriram, encontrando os dela através das grades.

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“Vou tirar você daqui”, sussurrou ela, com a voz trêmula. Ela se ajoelhou, procurando o trinco. A fechadura era grossa, mas antiga, do tipo que serve mais para intimidar do que para proteger. Seus dedos tocaram o metal frio. Se ela conseguisse abri-la, apenas o suficiente para que a porta se soltasse.

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Um som rompeu a quietude. Um passo. Atrás dela. Catherine congelou. O som veio novamente, mais deliberado, pesado e muito próximo. Ela se virou lentamente. Um homem saiu de trás da tenda, com o rosto meio coberto por um lenço desbotado e o resto sombreado pela luz fraca. Seus olhos encontraram os dela instantaneamente. Afiados, calculistas.

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“Então é você”, disse ele, com a voz baixa e uniforme. “A mulher da casa amarela.” Seu coração parou. “O quê? Ele inclinou ligeiramente a cabeça, estudando-a. “Você achou que eu não notaria? Lá fora, deixando restos para o filhote, chamando os guardas florestais toda vez que ele voltava. Você fez com que fosse fácil encontrá-lo.”

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A pulsação de Catherine se acelerou. “Você tem vigiado minha casa? Ele deu de ombros, o gesto casual e arrepiante ao mesmo tempo. “Tive que fazer isso. Aquele filhote vale mais vivo do que morto, mas ele sempre voltava para você. É por sua causa que tenho perdido noites aqui fora.” Seu estômago se revirou. “Você prendeu a mãe dele.”

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“Ela é um seguro”, disse ele sem rodeios. “Você, por outro lado, é uma complicação.” O leopardo se remexeu dentro da gaiola, com um ruído profundo saindo de sua garganta. O som fez com que a expressão do homem se tornasse mais rígida. “Calma”, ele murmurou, olhando para as barras. “Você não vai a lugar nenhum.”

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Os dedos de Catherine tocaram o metal frio da fechadura. Sua mente gritava para correr, mas seu corpo não se movia. “Você deveria ir para casa, senhora”, disse ele, aproximando-se, com a voz baixando para algo quase coloquial. “Esqueça isso e ninguém se machucará.”

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O leopardo rosnou novamente, mais alto dessa vez, com os olhos arregalados e fixos em Catherine ou talvez no homem atrás dela. Ele se virou ligeiramente, distraído por apenas um segundo. Foi o suficiente. Catherine puxou o cadeado. O metal gemeu, depois se abriu com um clique. A porta da jaula estremeceu, balançando para fora.

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Um borrão de movimento explodiu entre eles, o leopardo pulando livremente, aterrissando com força, com a cauda balançando. O homem cambaleou para trás, gritando de choque. Catherine correu. Galhos chicoteavam seus braços, sua respiração vinha rápida e superficial. Atrás dela vinham os sons do caos: um grito, um estrondo, um rosnado que parecia sacudir o chão. Depois, outro som se aproximou.

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Ela olhou por cima do ombro. O leopardo estava seguindo-a. Ele atravessou a vegetação rasteira como fogo vivo, com os olhos arregalados e os músculos ondulando de confusão e fúria. Suas orelhas estavam caídas, a cauda balançando, a linguagem primitiva de uma criatura que não sabia mais em quem confiar.

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Catherine fechou os olhos. Ela não gritou. Ela apenas sussurrou: “Por favor” Um novo som dividiu o ar, um grito agudo e desesperado. O filhote. Ele saiu correndo das árvores, pequeno, mas destemido, colocando-se entre Catherine e o leopardo adulto.

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Seu corpo minúsculo tremia, mas o som que emitia era um rosnado agudo e estridente que carregava desafio suficiente para congelar o mundo. O leopardo maior hesitou. Virou ligeiramente a cabeça, com o reconhecimento cintilando em seu olhar. O rosnado se transformou em um ruído confuso.

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Catherine permaneceu imóvel, mal respirando. O filhote voltou a chilrear, mais suave dessa vez, o mesmo som de lamento que ela ouvira à sua porta. A mãe respondeu com um som baixo e gutural que era meio de aviso, meio de alívio.

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Lentamente, de forma impossível, a tensão se desfez. A mãe abaixou a cabeça, cheirando o filhote, pressionando o nariz gentilmente em seu pelo. Catherine engoliu com força, observando-a perceber o que estava acontecendo. O filhote não havia se perdido. Ele estava tentando encontrá-la.

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O leopardo se voltou para Catherine uma última vez, com os olhos brilhando na luz filtrada. Em seguida, com o filhote pressionado ao seu lado, ela entrou na floresta e desapareceu. Por um longo tempo, Catherine não se moveu. Somente quando os sons da floresta voltaram a soar: pássaros, vento, o leve gotejar da água, ela percebeu que ainda estava viva.

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Quando Catherine encontrou o caminho de volta para casa, o sol estava brilhando entre as árvores, uma fina luz laranja que fazia tudo parecer irreal. Suas mãos estavam arranhadas, sua camisa rasgada. Cada som a fazia estremecer.

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Ela chamou os guardas florestais assim que chegou à varanda. Sua voz tremeu apenas uma vez. Eles chegaram em menos de uma hora, dois caminhões, quatro homens, rádios estalando. Catherine ficou na porta enquanto eles se espalhavam pela floresta, contando o que tinha visto: a gaiola, o acampamento, o leopardo, o homem.

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Os guardas florestais trocaram olhares inquietos. “Tivemos relatos de caçadores furtivos perto da cerca sul por um tempo”, disse um deles. “Parece que você entrou direto em um dos acampamentos deles.” O estômago de Catherine se retesou. “Você os encontrou?”

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“Ainda não”, respondeu o guarda florestal líder. “Mas o local foi liberado. Quem quer que estivesse lá fugiu assim que nos aproximamos.” O olhar dele se voltou para ela, firme, mas não indelicado. “A senhora teve sorte, Srta. Morrison. O que a senhora fez foi perigoso. Da próxima vez, por favor, ligue para nós antes de investigar algo assim.”

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“Eu pensei que tivesse ligado”, disse ela em voz baixa. Ele suspirou, esfregando a nuca. “Depois disso, sim. Mas você nunca deveria ter chegado perto daquela armadilha. Aquele leopardo poderia ter se voltado contra você, e aqueles homens poderiam ter feito algo pior.” Catherine não disse nada. Suas mãos tremiam ligeiramente quando ela cruzou os braços.

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O tom do guarda florestal se suavizou. “Mesmo assim, você provavelmente o salvou. Se não tivesse ligado quando ligou, talvez tivéssemos chegado tarde demais.” Ela hesitou antes de perguntar: “E o primeiro filhote? Aquele que você acolheu antes?”

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“Ele ainda está no centro de reabilitação”, disse o guarda florestal. “Ele está indo bem. Quando estiver forte o suficiente, nós o soltaremos na mesma área. Se a mãe ficar por perto, eles devem se encontrar naturalmente.” Catherine assentiu lentamente com a cabeça. “E aquele que eu vi ontem à noite?”

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“Não o vimos novamente”, disse ele. “Mas nossas patrulhas estão de olho nas colinas. A mãe é forte o suficiente para cuidar dele, e isso é um bom sinal. Se ela estiver viva e se movendo, o resto vai se encaixar.”

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Catherine exalou lentamente. “Bom”, ela sussurrou. “Isso é bom.” O guarda florestal inclinou o chapéu. “Tente não fazer disso um hábito, Srta. Morrison. Deixe os resgates para nós da próxima vez.” Quando eles saíram, o silêncio que se seguiu parecia mais profundo do que antes. Naquela noite, Catherine sentou-se em sua varanda enquanto o crepúsculo se instalava sobre o assentamento.

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A floresta se estendia diante dela, vasta e escura, cheia de vida invisível. Em algum lugar além daquelas árvores, uma mãe e seus filhotes estavam livres novamente, vivos porque ela não havia se afastado. Pela primeira vez em anos, o silêncio ao seu redor não parecia solitário. Parecia paz.

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