Era o tipo de tarde que parecia perfeita demais para ser questionada; céu limpo, sol quente e uma brisa suave que trazia o cheiro de grama cortada através da porta aberta do pátio. Lisa estava sentada nos degraus dos fundos, com o chá na mão e os olhos semicerrados enquanto observava Nina cair no meio do canteiro de margaridas perto da cerca. O pelo branco da gatinha brilhava à luz do sol, seu sino tilintava levemente quando ela atacava uma folha que se agitava ao vento.
Lisa olhou para o celular apenas por um instante. Uma nova mensagem. Ela nem terminou de ler a mensagem antes que algo no ar mudasse. Parecia sutil, errado. A brisa morreu. As árvores farfalharam bruscamente. Lisa levantou a cabeça. O pátio estava silencioso. Silencioso demais. Ela se levantou lentamente, examinando a grama, os canteiros de flores, o local embaixo da árvore onde Nina estivera segundos atrás.
“Nina?”, ela chamou, gentilmente a princípio. Não houve resposta. Ela deu um passo à frente. “Querida?” O silêncio se fez sentir. Um leve farfalhar no mato chamou sua atenção, como algo roçando em um galho, mas nada surgiu. Nenhum sino. Nenhum grito. Nenhum pequeno borrão branco voltando à vista. O espaço onde Nina estava agora estava simplesmente… vazio.
Lisa nunca teve a intenção de ficar com o gatinho. Ele apareceu em sua varanda em uma noite, tremendo sob o banco de vime, com o pelo emaranhado e o miado rouco, como se não fosse usado há dias. Lisa estava na metade do processo de desempacotar as compras quando o ouviu.

A princípio, ela pensou que fosse um pássaro ou talvez até mesmo um guaxinim bebê, mas quando ela se agachou e tirou o bichinho para fora com uma fatia de peru, dois olhos âmbar arregalados surgiram das sombras. Apenas pele, ossos e bigodes. Mas ele ronronou no momento em que ela o pegou. Ela o embrulhou em um pano de prato e o alimentou com um pires raso.
Naquela primeira noite, ele dormiu enrolado no canto de seu cotovelo, tremendo cada vez menos com o passar das horas. Lisa deu a ela o nome de Nina, embora não tivesse certeza do motivo, mas parecia certo. Suave. Um pouco antiquado. Nas semanas que se seguiram, Lisa se viu reorganizando sua vida para a gatinha.

Ela montou um poleiro no parapeito da janela, acolchoado com um cachecol velho. Limpou uma gaveta do fundo da cozinha e a encheu de brinquedos que comprou por capricho. Ela até abriu mão da cadeira da escrivaninha, porque Nina a havia reivindicado. A gatinha era pequena, mas tinha uma maneira silenciosa de expandir sua presença.
Enroscava-se ao lado de Lisa enquanto ela lia, cutucava seu queixo durante as ligações de trabalho ou corria atrás dos raios de sol pela madeira. Lisa não havia percebido o quanto estava se sentindo sozinha até que Nina ocupou o espaço. A gatinha não se importava com seu passado. Sobre o divórcio ou os longos dias em que Lisa não conseguia ter vontade de fazer mais do que sentar-se com seu café e olhar pela janela.

Nina só queria um colo quente e um chilrear ocasional de atenção. Era o suficiente. Às vezes, Lisa se pegava narrando o dia em voz alta: “O que você acha dessas sobras, hein?” ou “Eu realmente deveria limpar a lavanderia, mas você parece muito confortável” Ela nem se sentia boba ao fazer isso. Conversar com Nina a fez sentir-se ancorada, como se não estivesse mais à deriva.
Os dias entraram em um ritmo. O chá da manhã nos degraus dos fundos, com Nina dando cambalhotas na grama como um brinquedo de corda. As tardes eram passadas descansando em bolsões de sol. À noite, ela adormecia com a respiração suave do gatinho aninhado em suas costelas. Foi em uma dessas manhãs que tudo mudou.

O céu estava em um azul perfeito. Daqueles que faziam você esquecer que as tempestades existiam. Lisa estava descalça no pátio, com uma xícara de chá de hortelã nas palmas das mãos, o olhar vagando entre os dentes-de-leão e a linha das árvores. Nina havia saído de lá momentos antes, perseguindo uma mariposa, uma folha ou um fantasma que só ela conseguia ver.
Lisa sorriu. “Não vá muito longe”, ela murmurou por hábito. Uma brisa agitou as árvores. Lisa se virou para trás para pegar o celular na mesa, só para ver as horas. E então… silêncio. Nenhum miado. Nenhum passo de patas pelo pátio. Nenhum tilintar do sininho que Lisa havia amarrado frouxamente na coleira de Nina.

Apenas o vento se movendo preguiçosamente entre os galhos. Ela franziu a testa e deu um passo à frente. “Nina?” Não houve resposta. Ela caminhou até a borda da grama. O quintal se inclinava suavemente em direção a uma fina linha de arbustos que separava sua propriedade do terreno não cuidado do vizinho. “Nina!”, ela chamou novamente, mais alto dessa vez. Ainda nada. Lisa se agachou. “Querida?”
Ela estalou a língua. Esperou. Um leve farfalhar respondeu em algum lugar no mato. Depois, silêncio novamente. Lisa permaneceu imóvel, apurando os ouvidos. Poderia ter sido um esquilo. Ou a brisa. Ou qualquer outra coisa. Ela chamou mais uma vez e percorreu toda a extensão da cerca, espiando por baixo dos arbustos, atrás dos vasos de flores e até mesmo em cima da árvore.

Mas o quintal havia se transformado em uma fotografia estática. Muito silencioso. Vazio demais. E, sem mais nem menos, Nina havia desaparecido. Lisa não entrou em pânico. Os gatos desapareciam o tempo todo. Eles entravam em galpões, debaixo de varandas, atrás de arbustos. Eles se enrolavam e cochilavam em lugares que você nunca pensaria em procurar. Foi isso que ela disse a si mesma enquanto caminhava pelo pátio pela segunda vez, depois pela terceira.
Mas, a cada volta, sua voz ficava um pouco mais firme. À tarde, Lisa já havia verificado todos os cantos de sua propriedade, batido nas portas dos vizinhos e rastejado por baixo do deque, com os joelhos raspando no cascalho e nas folhas úmidas. Nada de Nina. Nem mesmo um rastro. Nem o tilintar de sua coleira, nem um tufo de pelo, nem uma única marca de pata na lama do jardim.

A pior parte foi a quietude. Se tivesse havido uma luta, um som, qualquer coisa, talvez Lisa pudesse ter reagido. Mas não houve nada. Nenhum grito, nenhum berro, nem mesmo um canteiro de flores perturbado. Apenas uma brisa e o som de seu próprio coração batendo em seus ouvidos. Naquela noite, ela mal dormiu. Ela manteve a porta dos fundos aberta, com uma tigela de comida do lado de fora.
Até colocou seu capuz velho ao lado dela, esperando que o cheiro levasse Nina para casa. Ela acordava a cada hora para checar. Mas, todas as vezes, a tigela permanecia intocada. Pela manhã, ela estava grampeando cartazes em postes telefônicos. “Missing Kitten – Nina – Small, White, No Collar- Very Friendly” (Gatinha desaparecida – Nina – pequena, branca, sem coleira – muito amigável).

Colou um no quadro comunitário do supermercado. Entregou alguns aos passeadores de cães. Até colocou uma debaixo do limpador de para-brisa de um caminhão de entrega. As pessoas foram gentis. Prometeram ficar de olho. Uma mulher jurou ter visto um borrão branco atravessar o quintal de sua casa, duas ruas adiante. Lisa correu para lá, chamando o nome de Nina até sua garganta arder. Nada.
Os dias ficaram embaçados. A chuva manchou a tinta de seus pôsteres. Um deles foi parar na sarjeta. Lisa fez mais. Ela não se importava com a aparência, precisava de seu gatinho de volta. E as pessoas notaram. Seu vizinho do outro lado da rua, o Sr. Dawes, fez uma pausa enquanto cortava as cercas vivas. “Ainda não há sinal?” Lisa balançou a cabeça. Ele franziu a testa. “Que pena. Meu cachorro desapareceu uma vez.

Descobriu-se que ele estava embaixo do deck o tempo todo, assustado com os fogos de artifício. Talvez a Nina esteja se escondendo muito bem” “Talvez”, disse Lisa. Mas ela não acreditava nisso. No dia seguinte, uma adolescente de três casas abaixo foi até sua porta com um pôster encharcado na mão. “Eu vi isso na quadra de basquete. Só queria devolvê-lo.”
“Obrigada”, disse Lisa, surpresa com o fato de sua voz estar rouca. A garota hesitou. “Espero que você a encontre. Ela parecia doce” Lisa respondeu: “Ela era.” Era. Lisa odiava a facilidade com que o pretérito escapava. No quinto dia, quando Lisa começou a aceitar a possibilidade de Nina nunca mais voltar, a campainha da porta tocou.

Era um homem que ela não conhecia bem, Kevin, que morava no quarteirão ao lado, sempre usava bermudas e andava mancando. Ele tinha um ar sombrio. “Você ainda está procurando seu gato?”, ele perguntou. O coração de Lisa gaguejou. “Sim.” Ele exalou e coçou o queixo.
“O gatinho da minha filha desapareceu ontem à noite. Sumiu. Em um segundo ela estava brincando no pátio, no segundo seguinte… nada.” As mãos de Lisa se fecharam. “Exatamente como a Nina.” O homem assentiu lentamente: “Sim, e hoje de manhã, fui até os fundos e vi algo estranho. Rastros. Não rastros de cachorro.

Algo grande. Grande e silencioso” Ele lhe entregou o celular. Uma foto brilhou na tela. Ela mostrava um pedaço de grama lamacenta e, dentro dela, uma grande impressão digital. Larga. Profunda. Maior do que a mão de um homem. Lisa ficou olhando para ela. “Isso não é um cachorro”, ela sussurrou.
Kevin acenou com a cabeça. “Não.” Um calafrio desceu por suas costas. Ela entrou na varanda e examinou a linha de árvores que margeava seu quintal. De repente, o silêncio não parecia mais tranquilo. Parecia que algo estava observando. Lisa não dormiu naquela noite.

Ela tentou. Ela se enrolou no sofá com a TV zumbindo ao fundo, mas seus olhos continuavam a se desviar para o quintal escuro através das portas de vidro deslizantes. Cada rangido, cada rajada de vento que agitava as árvores do lado de fora deixava seus nervos à flor da pele.
Kevin havia lhe enviado a foto da gravura, e ela não conseguia parar de olhar para ela. Era enorme. Ela a comparou com as pequenas patas de Nina no plano de fundo do celular, uma foto em que Nina estava enrolada na mão de Lisa como um rolo de algodão, e o contraste fez seu estômago revirar.

O que quer que tivesse levado sua gatinha… era algo capaz. Algo deliberado. Não foi uma raposa. Não foi um guaxinim. Não era o cachorro do vizinho. Um predador. Na manhã seguinte, Lisa imprimiu novos panfletos. Ela acrescentou o gatinho de Kevin à descrição.
Dois animais de estimação desaparecidos. Provavelmente levados da mesma forma. “Possível envolvimento de animal perigoso”, escreveu ela na parte inferior, esperando que alguém levasse isso mais a sério. Ela foi de porta em porta novamente, dessa vez com perguntas em vez de pedidos. “Você viu algo incomum ultimamente?”

“Algum sinal de animais grandes? Animais de estimação desaparecidos? Barulhos estranhos?” A maioria das pessoas balançou a cabeça. Algumas poucas lhe deram solidariedade educada e disseram coisas como “Tenho certeza de que eles vão aparecer” Mas outros, um número cada vez maior, começaram a franzir a testa pensativamente.
Uma mulher disse que tinha ouvido um rosnado profundo atrás de seu galpão algumas noites atrás, mas presumiu que fosse o cachorro do vizinho. Outra disse que seu lixo havia sido arrastado até a metade do beco e ela pensou que fossem adolescentes, mas talvez não fossem.

Não era mais apenas Lisa. A vizinhança estava inquieta. Naquela noite, Lisa sentou-se com as costas apoiadas na grade da varanda, olhando para a grama. Seu celular tocou. Era Caleb. Ela não falava com ele há meses, mas eles haviam crescido juntos.
Ele agora trabalhava como biólogo da vida selvagem, estudava o comportamento animal, principalmente em áreas rurais. Eles compartilharam verões lamacentos e, embora a vida os tivesse dispersado, ele ainda era a pessoa em quem ela pensava quando precisava da verdade, não do conforto.

Ela havia lhe enviado a foto da marca da pata mais cedo naquele dia, sem contexto. Agora ele estava ligando. Ela atendeu imediatamente. “Lisa?” Caleb disse. “Eu vi a foto que você enviou.” Sua voz estava firme. “Você sabe o que é?”
“Eu tenho um palpite”, disse ele com cuidado. “Mas preciso ver as impressões digitais pessoalmente. As fotos nem sempre contam a história completa.” “Você acha que é sério?” “Sério o suficiente para que eu esteja fazendo uma mala”, disse ele. “Pode ser algo grande. Pode não ser nada. Mas, de qualquer forma, quero dar uma olhada mais de perto.”

A garganta de Lisa ficou apertada. “O que quer que seja… levou Nina.” Houve uma longa pausa. “Sinto muito”, disse ele em voz baixa. “Eu quero encontrá-la. E o gatinho do Kevin também.” “Você quer que eu o ajude a encontrá-lo.” “Uma vez você rastreou um urso ferido por vinte milhas de pântano.”
“Aquele urso não estava entrando sorrateiramente no quintal das pessoas.” “Sem brincadeiras, Caleb.” “Irei amanhã”, disse ele. “Vamos começar com as impressões digitais.” Na tarde seguinte, Caleb chegou em um SUV surrado, coberto de lama e agulhas de pinheiro. Ele usava botas de caminhada, uma jaqueta de lona desgastada e uma mochila pendurada nas costas que fazia um leve barulho quando ele se movia.

Lisa o encontrou do lado de fora. Ele lhe lançou um olhar calmo e conhecedor. “Parece que você não dorme há uma semana.” “Não durmo.” “Você está pronta para uma caminhada?” “Desde que termine com respostas.” Eles começaram no quintal de Kevin. Caleb se ajoelhou no local da pegada e examinou o solo com atenção.
Em seguida, ele se moveu lentamente ao longo da linha da cerca, afastando as folhas com uma vara, murmurando coisas para si mesmo. “As pegadas têm alguns dias”, disse ele. “Mas há mais de uma. Parece um caminho bem usado.” “Usado por quê?”

“Algo com poder. Marcha profunda. Peso deslocado em direção ao chão. Sim. Um gato grande.” Ele fez uma pausa e olhou para cima, para as árvores. “Ele está se movendo entre os quintais. Contornando a borda dos espaços humanos. Não está caçando, não exatamente, está sequestrando.” Lisa se arrepiou. “Por quê?”
“Eu não sei”, disse Caleb, com a voz baixa. “Mas vamos descobrir.” Eles atravessaram o último quintal e passaram por uma abertura na cerca, entrando na natureza. O contraste foi imediato.

Não havia mais os gramados e canteiros de jardim bem cuidados. À frente, a floresta se erguia como um muro, emaranhada, silenciosa e indiferente. As agulhas de pinheiro cobriam o chão com um dourado desbotado. Os galhos se entrelaçavam acima de suas cabeças, silenciando o sol e o mundo atrás deles.
Caleb caminhava com lenta precisão, os olhos examinando o chão e a vegetação rasteira. Lisa seguia logo atrás, suas botas triturando galhos. “O que exatamente estamos procurando?” “Sinais”, ele murmurou. “Galhos quebrados. Pelos. Excrementos. Sangue, se não tivermos sorte. Ele deixará um rastro, só temos que lê-lo.”

Eles caminharam em silêncio por vários minutos. Então Caleb apontou. “Ali.” Uma marca de pata meio manchada no solo. Não era recente, mas ainda não havia sido suavizada pelo tempo. As almofadas eram distintas. Os dedos dos pés se estendiam em um amplo arco.
“O mesmo animal”, disse ele em voz baixa. “Ele está passando por aqui regularmente.” Lisa engoliu com dificuldade. Ele fez um gesto para que ela ficasse por perto. “Vamos continuar nos movendo. Fiquem alertas.” À medida que se aventuravam mais fundo, o ar ficava mais frio. O zumbido da vida na cidade desapareceu, sendo substituído pelo farfalhar dos galhos e o ocasional grasnar de um pássaro no alto.

Cada som parecia ampliado, como se a própria floresta estivesse ouvindo. Observando. Lisa se encolheu ao ver um esquilo correndo entre as folhas mortas. Suas botas rangiam muito alto. Cada estalo de galho sob os pés parecia que poderia atrair algo para fora das árvores.
Eles estavam em seu território agora. Caleb se movia deliberadamente, com os olhos constantemente examinando as sombras. “Ele conhece este terreno melhor do que nós”, murmurou. “Se estiver nos observando, nunca saberemos até que ele queira.”

O coração de Lisa batia forte em seus ouvidos. Ela ficava olhando para trás, meio que esperando que olhos dourados brilhassem entre as árvores. Não era apenas o perigo, era a incerteza. O fato de não saber o que estava lá fora, ou quão perto já estava.
Em um determinado momento, Caleb parou e se agachou. Ele afastou uma pilha de folhas secas para revelar algo pequeno e chocante: uma coleira de plástico vermelho vivo. O estômago de Lisa se revirou. “Isso não é da Nina…” “Não”, disse Caleb. “Muito grande. Muito desbotada. Este está aqui há algum tempo.”

Ela olhou fixamente para o objeto, com a inquietação se acumulando em seu peito. Não se tratava mais apenas de Nina. Essa coisa, o que quer que fosse, provavelmente já havia feito isso antes. Talvez mais de uma vez. Seus dedos agarraram a alça da bolsa com mais força. Por fim, as árvores começaram a se afinar. Em uma brecha no mato, Caleb levantou a mão. “Espere.”
Lisa parou ao lado dele, agachando-se. Sua respiração ficou presa quando ela instintivamente se abaixou, examinando a clareira à frente com um aperto no peito. Entre as árvores à frente, uma clareira rasa se abria em uma encosta que se curvava suavemente para baixo em um barranco. E, movendo-se lentamente pela clareira, baixo, gracioso e poderoso, estava um leão da montanha.

Lisa ficou paralisada. Ele se movia com o silêncio sinistro de algo que nasceu para desaparecer. Sua pelagem marrom brilhava contra a folhagem. Sua cauda balançava como uma corda ao vento. E em sua boca, segurando não pela nuca, mas gentilmente entre suas mandíbulas, havia um pequeno pacote branco.
A respiração de Lisa ficou presa. Nina. Mesmo à distância, ela podia perceber pela contração das orelhas, pela estrutura pequena, pelo sino quase inexistente que brilhava na luz. Caleb agarrou seu braço quando ela quase se levantou. “Espere”, ele sussurrou. “Não se mexa.”

“Mas ela está…” “Ela está viva. Mas se você assustar essa coisa, ela pode fugir ou deixá-la cair. Vamos observar. Depois, vamos atrás.” Os dedos de Lisa cravaram-se na terra. Seu corpo inteiro gritava para correr, para alcançar, para resgatar. Mas ela ficou parada. O leão da montanha desceu a encosta e desapareceu atrás de um aglomerado de pedras e arbustos.
Eles esperaram mais um minuto antes de se moverem. Caleb liderou o caminho, encurvado. Cada passo era lento, deliberado. Eles se arrastaram ao longo da borda do barranco, com os olhos atentos a qualquer movimento. O caminho se contorcia atrás de uma parede de pedra coberta de musgo. Então eles viram.

Um buraco na terra. Natural, mas desgastado. Em seu centro, aninhado em uma cama de folhas e samambaias secas, o leão da montanha jazia enrolado, mas não sozinho. Ao lado dele, aconchegados, havia dois filhotes de gato. Lisa arfou. Nina era um deles. O outro era cinza-escuro com listras malhadas. Devia ser o gatinho da filha de Kevin. Ambos estavam vivos, alertas, mas visivelmente imóveis. Não estavam brincando.
Não estavam assustados, apenas… calmos. O leão da montanha não os estava caçando. Ele os estava guardando. Como se fossem seus filhotes. Caleb sussurrou: “Isso é… inesperado” Lisa se virou para ele. “O que está acontecendo?” Ele olhou para frente, com os olhos arregalados. “Ela está sofrendo. Provavelmente perdeu sua própria ninhada. E algo como instinto, trauma, loucura – não sei – a fez pegar esses dois.”

Lisa olhou novamente. O leão não os estava segurando nem os ameaçando. Ela estava descansando ao lado deles, respirando devagar. Sua cauda se agitou protetoramente quando um pássaro grasnou por perto. “Acho”, disse Caleb lentamente, “que ela pensa que eles são dela”
Lisa se agachou atrás da árvore, incapaz de desviar o olhar. Nina piscou uma vez, com as orelhas se contorcendo, e então deslocou seu pequeno corpo contra o flanco maciço do leão. O gatinho cinza tabby, de Kevin, já estava enrolado sob a mandíbula do leão.

O leão da montanha não recuou. Não rosnou. Simplesmente observou a clareira, com a cabeça erguida de vez em quando, como uma mãe que mantém a guarda. Lisa sussurrou: “Isso não pode ser real” Caleb exalou calmamente. “É mesmo. Já li sobre comportamentos como esse… em cativeiro.
Raramente na natureza. Uma mãe leão da montanha que perde seus filhotes… às vezes ela redireciona o instinto maternal para outra coisa. Algo pequeno. Familiar. Vulnerável.” “Como gatinhos?” Ele acenou com a cabeça. “É tristeza, Lis. E confusão. Mas isso não a torna menos perigosa.”

Lisa encostou a testa na casca da árvore. “Então, o que vamos fazer?” Caleb examinou o terreno. “Esperamos até que ela vá embora. Se ela estiver realmente tratando-os como filhotes, ela terá que ir caçar eventualmente. Quando ela sair, nós entraremos. Em silêncio. Rápido.” Lisa mordeu o lábio. “E se ela não for embora?”
“Então pensaremos em outra coisa. Mas se apressar agora é suicídio.” Lisa assentiu com a cabeça, embora suas mãos não parassem de tremer. Cada parte dela gritava para agir. Mas Nina estava respirando. Seu gatinho estava vivo. Isso tinha que ser suficiente – por enquanto. Eles ficaram observando escondidos por mais de uma hora.

O leão nunca se afastava muito. Ela se espreguiçou uma vez, ficou de pé e lentamente circulou a clareira. Seus movimentos eram pesados, deliberados, como uma sentinela guardando algo precioso. Então ela parou. Sua cabeça se virou, não de forma aleatória, nem como uma varredura.
Ela estava olhando diretamente para eles. Lisa se enrijeceu, com a respiração presa na garganta. Os olhos dourados do leão se fixaram nas árvores e depois nelas com uma quietude assustadora, como se ela visse através das folhas, através do silêncio, através de tudo. Suas orelhas se contraíram uma vez. Suas pupilas se estreitaram.

Caleb praguejou baixinho. “Ela sabe que estamos aqui.” A pele de Lisa ficou fria. “O quê?” “Ela não está adivinhando. Ela está nos observando.” O leão não se mexeu. Ainda não. Mas sua cauda balançou, baixa e lentamente. Um aviso. Nina se mexeu na cavidade, mas o leão não olhou para baixo. Seu olhar permaneceu fixo nas árvores. Nelas.
Lisa se abaixou na vegetação rasteira, com o coração acelerado. “Ela vai atacar.” A voz de Caleb era fina. “Não, a menos que façamos algo estúpido. Mas não temos tempo.” Ele enfiou a mão lentamente em sua mochila e retirou uma pequena bolsa com cordão.

O sussurro de Lisa tremeu. “O que é isso?” “Carne seca. Tem um cheiro forte. Uso como isca para as câmeras de trilha.” Ele não desviou o olhar do leão. “Se ela estiver com fome… talvez eu consiga atraí-la.” Lisa o encarou, com os olhos arregalados. “Você vai atrair um leão da montanha?”
“Vou tentar”, ele sussurrou. “Mas você precisa estar preparada.” “Para o quê?” Caleb não respondeu. Ele fechou a bolsa com uma mão e ficou de pé. O corpo do leão ficou tenso. Ela o viu. Caleb saiu para o campo aberto devagar, deliberadamente, com as mãos abaixadas, tentando parecer não ameaçador.

Ele desceu a encosta em direção à base do cume, colocando um pedaço de carne seca após o outro, sem tirar os olhos dos dela. O leão rosnou baixinho. Então ela se levantou. Lisa arfou. O leão da montanha se esticou até a altura máxima, com os ombros ondulando, e deu um passo à frente com uma lentidão assustadora.
Ela desceu a depressão, seguindo o caminho de Caleb – mas não pela comida. Foi por ele. Seus olhos permaneceram fixos na figura dele. Seu corpo estava abaixado, seu assobio era longo e de advertência, como se o desafiasse a dar mais um passo. Lisa observava, paralisada. Sua pulsação trovejava em seus ouvidos.

Caleb olhou para trás uma vez e fez o menor aceno de cabeça. Agora. Lisa avançou um pouco, ainda meio agachada. Cada movimento parecia demorar uma eternidade. O leão ainda não a havia notado. Toda a sua atenção estava voltada para Caleb, que estava recuando em direção ao cume com passos calmos, com as mãos estendidas, falando baixinho em uma voz que Lisa não conseguia ouvir.
O leão o seguiu, lento e cauteloso, saindo da depressão. Lisa se aproximou mais, com a respiração fraca. Nina estava enrolada com o outro gatinho, com os olhos arregalados, mas imóvel. Mais cinco passos. Três. Ela os alcançou. Lisa pegou os dois gatinhos nos braços e os apertou contra o peito, com o coração batendo em suas pequenas costelas.

Ela olhou para cima. O leão havia seguido Caleb além da linha do cume, fora de vista, mas não longe o suficiente. Não havia mais tempo. Lisa correu. Os galhos arranhavam suas mangas. Espinheiros cortavam suas pernas. A floresta se confundia ao seu redor enquanto ela a atravessava, com os pulmões ardendo, os gatinhos apertados em seu peito como vidro frágil.
Ela não olhou para trás. Não podia. Ela não sabia onde Caleb estava. Se ele estava seguro. Se o leão havia se virado. Mas ela correu como se sua vida dependesse disso. Porque dependia. Ela atravessou a linha das árvores, com os pés batendo contra o conhecido pedaço de grama atrás da casa de Kevin.

Seus joelhos cederam. Ela caiu no chão, ofegante, com os gatinhos ainda presos em seus braços. As pessoas saíram correndo da varanda. Lisa olhou para a linha das árvores, com os pulmões ainda arfando, o coração batendo mais alto do que as vozes ao seu redor. O mundo estava girando.
Kevin saiu correndo para o gramado, com os olhos arregalados e uma expressão meio perversa no rosto. “Lisa?” Ela olhou para cima, segurando os gatinhos. Seus joelhos estavam arranhados, sua respiração estava ofegante. “Lisa, o que… como você… esses… são…?”

Ele parou quando a filha deu um grito e correu até o gatinho, pegando-o nos braços. Lisa assentiu com a cabeça, quase atordoada. “Eles estão bem. Eu os peguei. Eles estavam vivos.” Kevin se agachou ao lado dela. “Você foi para a floresta sozinha?”
“Não”, disse ela rapidamente, olhando ao redor. “Não, Caleb veio comigo.” A sobrancelha de Kevin se franziu. “Caleb? Como seu amigo da vida selvagem?” Ela se levantou, os olhos examinando a linha da árvore novamente. “Ele estava comigo. Ele a atraiu para longe para que eu pudesse pegar os gatinhos.”

O rosto de Kevin escureceu. “Espere, você quer dizer a… criatura?” A voz de Lisa ficou trêmula. “Ele nunca conseguiu sair.” Kevin não hesitou. “Brandon!”, ele gritou em direção à casa. “Pegue uma lanterna! Temos alguém ainda na floresta!”
Lisa agarrou Nina com mais força, sua voz se elevou. “Alguém o viu? Alguém viu o Caleb sair?” Alguns vizinhos balançaram a cabeça. Ninguém tinha visto. Kevin correu para pegar seu casaco e o telefone. “Estou ligando para pedir ajuda. Fique aqui.”

Lisa se virou de volta para a floresta, com o peito apertado. Ela tentou se concentrar, ouvir, mas tudo o que conseguia ouvir era o sangue correndo em seus ouvidos. Seus olhos ardiam. Ela deveria ter esperado. Deveria ter se virado. Deveria ter checado.
Então, um som. Galhos se chocando. Um baque. Caleb caiu pela encosta, com lama em sua jaqueta, uma manga rasgada. Ele gemeu, rolou de costas e ergueu a mão. “Eu estou bem.” Lisa cambaleou para frente, com lágrimas escorrendo pelo rosto. “Você é louco”, murmurou ela, ajoelhando-se ao lado dele. Ele estremeceu. “Você correu como o diabo. Achei que deveria fazer o mesmo.”

Naquela noite, Lisa ficou parada na pia da cozinha, observando Nina bater em um brinquedo de barbante no parapeito da janela. Os movimentos da gatinha estavam mais lentos agora, mais cautelosos. Mas ela estava em casa. Atrás dela, a porta da varanda se abriu com um rangido. Caleb entrou, com o braço recém enfaixado e a jaqueta pendurada em um dos ombros.
“As câmeras da trilha serão instaladas amanhã”, disse ele. “Enviei as coordenadas para a equipe de vida selvagem. Eles monitorarão a área e talvez a realoquem, se puderem. Mas pelo menos a cidade está alerta agora.” Lisa assentiu com a cabeça, sem tirar os olhos de Nina. “Ela não estava tentando machucá-los.”

“Não”, concordou Caleb. “Mas ela poderia ter feito isso. E, da próxima vez, talvez não acabe assim.” Lisa se virou para ele. “Obrigada.” Ele deu um sorriso cansado. “Você fez a parte mais difícil.” “Não”, disse ela, balançando a cabeça. “Eu corri. Você ficou.” Eles não disseram mais nada depois disso.
Nina subiu em seu colo e ronronou suavemente, enrolando-se em uma espiral perfeita. Lá fora, as árvores balançavam no escuro e Lisa não olhou para elas. Não esta noite. Ela tinha tudo o que precisava aqui mesmo. Segura. Acolhedora. Em casa.
