Maya acordou em silêncio e com uma dor profunda e maçante na lateral do corpo. Sua garganta estava seca, sua cabeça estava embaçada por causa da anestesia. Ela se virou, esperando vê-lo na cadeira ao seu lado. Mas ela estava vazia. Não havia flores. Nenhum bilhete. Apenas o soro e uma enfermeira ajustando a cortina.
Ela piscou os olhos contra a luz forte. “Aiden já passou por aqui?”, perguntou ela, com a voz áspera. A enfermeira hesitou, depois disse: “Ele recebeu alta hoje de manhã. Disse que se sentia bem o suficiente para sair” O estômago de Maya se revirou. “Ele não deixou nenhuma mensagem?” A enfermeira balançou a cabeça. “Que eu saiba, não.”
Deitada ali, costurada e fraca, Maya tentou raciocinar com o vazio repentino em seu peito. Talvez ele voltasse mais tarde. Talvez ele só precisasse de ar. Mas, no fundo, ela já sentia que algo estava errado. Algo estava errado. E ela não tinha como voltar atrás.
Maya sempre confiou mais em seu corpo do que nas pessoas. Ele era confiável, disciplinado, construído com anos de suor e silêncio. Como triatleta competitiva, ela treinava como se fosse um contrato. Sua respiração, seu ritmo, sua tolerância à dor – essas eram coisas que ela podia medir. Controlar. Depender delas.

Ela não tinha tempo para distrações. Perdeu aniversários. Faltou aos fins de semana. Nenhum namorado havia durado mais do que uma temporada de corrida. A maioria das pessoas dizia que ela era intensa. Maya não discutia. A intensidade era a questão.
Não se obtinha resultados com equilíbrio. Você obtinha resultados quando se esforçava até o mundo ficar embaçado. Seu treinador havia solicitado um check-up completo antes do circuito de verão. “Você está com a cabeça quente”, disse ele. “Vamos nos certificar de que nada está queimando sob o capô.”

Maya marcou o exame de sangue em um hospital próximo à sua academia. Era rotina. Dez minutos para entrar, dez para sair. De volta ao treinamento. A clínica estava meio vazia quando ela chegou. Limpa e silenciosa. Ela se inscreveu, sentou-se e pegou o celular, folheando o aplicativo de treinamento.
Quando seu nome foi chamado, ela olhou para cima e viu um enfermeiro alto, de uniforme, parado na porta, com uma prancheta na mão. “Reed?”, ele perguntou. Ela se levantou. “Sou eu.” Enquanto caminhavam, ele deu uma olhada na ficha dela. “Atleta?”, disse ele. Maya assentiu com a cabeça. “Triatlo.”

Ele fez um pequeno aceno de cabeça, quase impressionado. “Isso explica a energia de repouso. Parece que você está prestes a sair correndo daqui” Ela sorriu. “Se isso levar mais de dez minutos, talvez eu corra.” Ele riu. “Anotado. Vou manter o tempo abaixo de nove minutos.”
Na sala de exames, ele amarrou o torniquete rápida e gentilmente. “Certo, respire fundo.” A agulha entrou limpa. Ela mal estremeceu. “Legal”, disse ele. “Você é melhor do que metade dos médicos que se sentam nessa cadeira.”

“Alta tolerância à dor”, disse ela. “Faz parte do território.” Ele terminou de etiquetar o frasco e olhou para ela novamente. “Aiden”, disse ele, batendo em seu crachá. “Caso alguém pergunte quem a esfaqueou hoje.” Ela deu um sorriso seco. “Vou dar uma boa palavra.”
Maya não esperava pensar nele novamente. Aiden era apenas um nome em um crachá e uma mão firme com uma agulha. Mas, dois dias depois, ela o viu em um bar de smoothies em frente ao seu centro de treinamento – com fones de ouvido no pescoço, bebendo algo laranja brilhante.

Ele a notou quando ela entrou. “Veja quem não está correndo hoje”, disse ele com um pequeno sorriso. Ela levantou uma sobrancelha. “Eu tenho dias de descanso. São raros, mas existem.” Ele ergueu a xícara. “Você escolheu o certo. A manga está no ponto hoje.”
Ela deu um passo à frente para fazer o pedido. “Isso é basicamente um doce”, disse ela, olhando para a bebida dele. “Diz a mulher que está pedindo banana com manteiga de amendoim”, ele respondeu. Ela sorriu. “Touché” A conversa durou talvez um minuto.

Ele lhe deu um aceno casual ao sair. Deveria ter sido só isso. Mas a interação a acompanhou durante as voltas de resfriamento, ficando em algum lugar logo atrás do ritmo habitual de seus pensamentos. Três dias depois, Maya estava terminando seu circuito de força na ala de fisioterapia do hospital quando o viu novamente.
Aiden. Com a prancheta na mão, andando pelo corredor. Ele diminuiu a velocidade quando seus olhos se encontraram e sorriu. “Tudo bem”, disse ele, “juro que não estou perseguindo você” Ela deu um meio sorriso cansado. “Tem certeza de que não está apenas me rondando como um falcão esperando por outro exame de sangue?”

Ele riu. “Não, esses são os flebotomistas. Eu sou mais do tipo que esbarra em você e o encanta.” Ela arqueou uma sobrancelha. “Esse é seu título oficial?” Ele deu de ombros. “Não oficial. Mas eu faço funcionar.” Dessa vez, a conversa durou mais tempo – talvez cinco ou dez minutos.
Nada intenso. Apenas o tipo de conversa fácil para a qual Maya raramente tinha tempo. Ela disse a si mesma que isso não significava nada. Era apenas um rosto conhecido. Uma coincidência. Mas coincidências não costumam aparecer três vezes em uma semana.

Era fácil conversar com ele. Nunca demais. Ele perguntava sobre suas corridas, mas não dava muita importância a elas. “Então, o que é pior”, ele perguntou uma vez, “correr com dor ou andar de bicicleta contra o vento?” Maya não hesitou. “O vento. Pelo menos com a dor você sabe que é merecida.”
Ela se viu se abrindo mais do que o normal. Sobre suas rotinas. Sua mentalidade de treinamento. A pressão para se qualificar para um grande evento internacional no outono. “É como se eu só existisse quando estou melhorando”, disse ela calmamente em uma tarde. “Ficar parada é como ficar para trás.”

Ele acenou com a cabeça. “Eu entendo isso. Campo diferente, a mesma sensação.” Eles começaram a enviar mensagens de texto. Coisas breves – memes, fotos de comida, um check-in ocasional. Certa noite, depois de um dia de treinamento particularmente difícil, ela mencionou que não iria ao treino na manhã seguinte.
Aiden respondeu: “Ótimo. Seu corpo vai lhe agradecer” Ela riu: “Meu corpo é sólido, não se preocupe” Eles começaram a se ver de propósito. Os intervalos para o almoço se transformaram em jantares mais cedo. Uma caminhada depois da fisioterapia. Uma corrida para o café que se transformou em duas horas no parque.

Maya sempre manteve distância das pessoas. Mas Aiden fez com que fosse fácil esquecer a linha que ela normalmente mantinha. Certa noite, eles se sentaram em um banco perto do hospital, ambos segurando xícaras de papel quentes. Ela havia acabado de desabafar sobre uma sessão de treinamento decepcionante quando ele ficou quieto.
“Eu provavelmente deveria lhe contar algo”, disse ele. “Tenho um problema nos rins. É genético. É lento, mas… está piorando.” Ela piscou os olhos. “Você está bem?” “Por enquanto”, disse ele. “Eu tomo remédios. Tenho cuidado. Mas o tempo está se esgotando.”

“Em algum momento, precisarei de um transplante. Apenas… parte da provação” Maya olhou para a calçada. “Foi por isso que você se tornou enfermeira?” Ele deu um sorriso cansado. “Ajuda saber o que você está enfrentando.” Não havia nenhuma súplica em sua voz. Nenhum indício de expectativa.
Apenas honestidade, dita com clareza. Maya não sabia o que dizer. Mas ela se viu estendendo a mão, roçando a dele. “Você não precisa carregar isso sozinha”, disse ela. E ele olhou para ela como se estivesse esperando para ouvir isso há muito tempo.

As semanas seguintes trouxeram uma mudança tranquila. Aiden começou a faltar aos encontros habituais. Suas mensagens de texto ficaram mais curtas, às vezes com atraso de horas. Quando eles se encontravam, ele parecia pálido. Cansado. Sua risada não chegava tão longe e suas mãos tremiam levemente quando ele achava que ela não estava olhando.
Certa noite, Maya o encontrou no pátio do hospital, curvado sobre um banco. Ele lhe deu um sorriso fraco. “Dia ruim”, disse ele. “Os exames voltaram difíceis.” Ela se sentou ao lado dele, tentando não deixar transparecer o medo. “O que isso quer dizer?”

Ele hesitou, depois disse: “Eles estão me colocando na lista de transplantes” Ela ficou em silêncio por um longo tempo. “Isso é… bom?” “É necessário”, disse ele. “Mas é uma lista longa.” Maya não dormiu bem naquela noite. Ela percorreu antigos relatórios de exames de sangue em sua mente, tentando se lembrar de seu tipo.
O positivo. Doadora universal de rins, pensou ela. A ideia surgiu silenciosamente, sem ser anunciada. Ela não disse a ele imediatamente. Mas ela se estabeleceu como uma semente – pesada, imóvel e crescendo.

Maya ligou para o coordenador de transplantes de seu carro após o treino da manhã. Sua voz quase não tremia quando ela disse seu nome e explicou a situação. “Ainda não tenho certeza”, disse ela. “Só quero saber se posso ser compatível.” A enfermeira fez algumas perguntas e depois agendou os exames laboratoriais.
Os testes pareciam estranhamente familiares – como a preparação para uma corrida, só que mais silenciosa. Sem multidões, sem linha de chegada. Apenas salas esterilizadas e instruções silenciosas. Maya não disse a Aiden que estava fazendo isso. Ainda não. Ela nem sabia ao certo por quê. Talvez ela quisesse ter certeza primeiro. Ou talvez parte dela temesse que ele dissesse não.

Uma semana depois, o coordenador voltou a ligar para ela. “Vocês são compatíveis”, disse ela. “Não apenas compatível – uma excelente combinação. Se quiser prosseguir, nós a orientaremos nas próximas etapas.” Maya olhou pela janela para a pista de corrida vazia. Ela exalou lentamente.
Seu corpo sempre foi uma máquina. Ela nunca imaginou que se tornaria a peça de reposição de outra pessoa. Ela lhe contou durante o jantar, na metade de uma noite tranquila em seu apartamento. Ele estava enrolado no sofá, com um cobertor em volta dos ombros, tomando chá.

“Fiz o teste”, disse ela. “Para compatibilidade.” Ele olhou para cima lentamente. Ela não esperou. “Eu sou compatível, Aiden. Uma boa combinação.” Sua boca se abriu como se ele estivesse prestes a falar – mas nenhuma palavra veio. Ela observou os olhos dele examinarem o rosto dela, procurando uma pista. “Você… fez o teste? Sem me contar?”
“Eu queria ter certeza primeiro”, disse ela. “Não queria oferecer algo que não pudesse realmente oferecer.” Uma longa pausa se estendeu entre eles. Então ele estendeu a mão, pegou a mão dela e a segurou com força. “Isso é… eu nem sei o que dizer”

Ela assentiu com a cabeça, tentando não chorar. “Então não chore. Apenas melhore” Mas Aiden hesitou. “Sei que é pedir muito”, disse ele, baixando a voz, “mas… você se importaria se fizéssemos a cirurgia em um hospital diferente? Em algum lugar do outro lado da cidade?” Ela franziu a testa. “Por quê?”
Ele desviou o olhar. “É que… eu trabalho aqui. Não quero que a equipe descubra. Pode ficar estranho se eles souberem que estou aceitando um rim de alguém que estou namorando. Há algumas questões de política, e eu realmente não quero fofocas” Isso lhe pareceu um pouco estranho – mas não impossível. Ela assentiu lentamente com a cabeça. “Está bem. Se isso facilitar as coisas.”

A cirurgia foi agendada em poucas semanas. As consultas se acumularam – consultas, exames de imagem, testes finais. Maya treinou menos, comeu de forma diferente e não contou a quase ninguém. Seu treinador notou, mas não insistiu. Ela disse a si mesma que isso era temporário. Uma pausa em um longo caminho. Ela poderia retomar a velocidade mais tarde. Ela precisava acreditar nisso.
A cirurgia correu como planejado. Foi o que a enfermeira disse quando Maya abriu os olhos. “Foi tudo tranquilo”, disse ela, verificando seus sinais vitais. “Você está em recuperação agora. Tente descansar.” Mas os pensamentos de Maya já estavam examinando o quarto.

Nada de flores. Nada de Aiden. Apenas o zumbido baixo das máquinas e a luz branca. Seu corpo doía de uma forma que ela nunca havia sentido antes. Não era o tipo de dor boa – era oca, aguda, errada. Ela tentou se sentar, mas sua cabeça girava.
A enfermeira a fez sentar-se novamente. “Nenhum movimento ainda”, disse ela gentilmente. “Deixe seu corpo se recuperar” As pálpebras de Maya se agitaram. Sua garganta estava seca, seu lado doía. “Aiden?”, ela murmurou. “Ele também está em recuperação”, respondeu a enfermeira. “Em uma ala diferente. Mas tudo correu bem – para vocês dois.”

Maya entrou e saiu do sono naquele primeiro dia, confortada pela ideia de que ele estava por perto. Ela o imaginou a apenas alguns corredores de distância, talvez observando o mesmo teto, talvez perguntando sobre ela também. Ele iria visitá-la, com certeza. Assim que o deixassem.
Na manhã seguinte, sua dor havia diminuído para uma pulsação controlável. Ela perguntou a uma enfermeira diferente: “Posso visitar o Aiden hoje? Só por um minuto?” A enfermeira deu um sorriso simpático. “Acho que ele já recebeu alta. Deixe-me verificar…”

Ela tocou na tela, depois fez uma pausa. “Sim, ele saiu ontem à tarde. Disse que estava se sentindo forte o suficiente para se recuperar em casa.” Maya a encarou. “Mas… ele não se despediu.” A enfermeira gentilmente colocou seus papéis de alta na bandeja. “Talvez ele só precisasse de espaço para descansar. Isso acontece.”
Mas a dor sob as costelas de Maya não era apenas cirúrgica. Estava se espalhando – fria, lenta e se transformando em algo para o qual ela ainda não tinha palavras. A viagem de volta para casa pareceu mais longa do que o normal. Seu corpo doía. Sua cabeça zumbia. Seu telefone ficou em silêncio durante toda a viagem.

Naquela noite, ela finalmente mandou uma mensagem: Avise-me quando estiver pronto para uma ligação. Não houve resposta. No dia seguinte, ela tentou novamente: Você está bem? Ainda nada. Nenhuma resposta. O nome dele ficou no topo da caixa de entrada dela como um hematoma que não desaparecia.
Ela esperou. Mais um dia. Depois dois. Seu telefone se iluminou dezenas de vezes – mas nunca para ele. Ela olhava para a tela como se isso pudesse explicar alguma coisa. Mas não explicava. O silêncio era pesado, deliberado. Como alguém fechando lentamente uma porta.

O silêncio se tornou insuportável. Certa manhã, Maya se vestiu, pegou um táxi e foi direto para o hospital onde Aiden trabalhava. Na recepção, ela perguntou calmamente: “Olá, estou tentando encontrar Aiden Carter. Ele costumava trabalhar aqui – enfermeiro, alto, cabelo castanho?”
A recepcionista acenou com a cabeça e verificou sua tela. “Ele está atualmente em licença sabática. Tirou licença médica após uma grande cirurgia.” Maya sentiu um estranho aperto no peito. “Ah, ele está bem?” A mulher deu um sorriso educado. “Até onde sabemos. Ele está se recuperando em casa. Com sua esposa.”

Seu coração deu um salto. “Desculpe… você acabou de dizer esposa?” “Sim.” A enfermeira não pareceu notar que o rosto de Maya estava pálido. “Ele está em licença prolongada, ficando fora da cidade por um tempo.” A voz de Maya caiu para um sussurro. “Poderia me dar o endereço dele?”
“Sinto muito”, respondeu a enfermeira com firmeza. “Não compartilhamos informações de funcionários.” Maya saiu e se encostou em um pilar de concreto frio. Suas mãos estavam tremendo agora. Esposa? Endereço desconhecido? Aiden não havia dito nada.

Nem durante a recuperação, nem quando ela ofereceu seu rim, nem quando ele desapareceu. Seu estômago se revirou. Seu peito se apertou como um torno. A dor na lateral – que ainda estava se recuperando da cirurgia – aumentou quando ela caiu em um banco do lado de fora do hospital.
Seus dedos tremeram quando ela desbloqueou o telefone. Ela digitou: “Você é casada? Você foi casado o tempo todo? Como pôde fazer isso comigo?” Ela clicou em enviar. Uma segunda mensagem veio logo em seguida: “Eu lhe dei parte do meu corpo.

Meu futuro. Você desapareceu como se eu não fosse nada. Que diabos há de errado com você?” Enviar. Nenhuma resposta. Apenas seu reflexo olhando de volta para ela no vidro. Pálida. Instável. Traída. Ela foi para casa em silêncio. Sem música. Sem telefonemas.
Apenas o zumbido monótono do vagão do metrô e seus pensamentos saindo do controle. Ela ficou sentada na beira da cama por horas, com a TV no mudo, olhando para o nada. Para quem ela poderia contar? Será que alguém acreditaria nela?

Naquela noite, o sono não veio. Na manhã seguinte, ela ficou em frente ao espelho e mal se reconheceu. Seu corpo estava mais magro. Seus olhos estavam vazios. Mas algo em seu olhar havia endurecido.
Ela pegou o casaco, saiu pela porta e foi para a delegacia de polícia. Suas pernas estavam dormentes quando ela chegou à recepção, mas sua voz se manteve firme. “Gostaria de denunciar alguém”, disse ela. “Acredito que fui enganada para doar um órgão.”

O policial atrás da mesa olhou para cima, piscando lentamente. “Você está dizendo que alguém a enganou… para que doasse um rim?” Ele quase sorriu, como se estivesse esperando uma piada. “Sim”, respondeu Maya, sua voz começando a tremer.
“Ele me fez acreditar que estávamos em um relacionamento. Ele me disse que estava doente. Eu não sabia que ele era casado. Ele foi embora logo após a cirurgia. Não era real.” Um segundo policial próximo se apoiou no balcão. “Essa é nova.

Tem certeza de que não se trata apenas de um rompimento com drama extra? Você deu seu rim a ele voluntariamente, certo?” As palavras a feriram mais do que ela esperava. Ela abriu a boca para responder, mas nenhum som saiu. Outro policial deu um risinho fraco. “Em seguida, ela dirá que ele roubou seu coração também.”
Suas mãos se fecharam ao lado do corpo. “Eu sei o que parece”, ela sussurrou. “Mas estou dizendo a verdade. Por favor. Eu tenho mensagens. Nomes. O hospital terá registros. Basta olhar.” Sua garganta ficou apertada. “Eu perdi tudo. Minha carreira. Minha saúde. E ele simplesmente desapareceu.”

Sua voz embargou. As lágrimas vieram rapidamente – quentes, furiosas, humilhantes. Ela se virou ligeiramente, limpando a bochecha, já se arrependendo de ter entrado. De um escritório próximo, uma voz baixa e firme atravessou a sala. “Já chega.”
Um homem alto, com um paletó usado e uma gravata simples, deu um passo à frente. Tinha quarenta e poucos anos, cabelos grisalhos nas têmporas, olhos afiados. Um detetive. “Deixe-me falar com ela.” Ele a conduziu em silêncio até seu escritório e fechou a porta. “Sou o detetive Langford”, disse ele, puxando uma cadeira.

“Conte-me tudo. E não tenha pressa.” Ele lhe entregou um lenço de papel. Pela primeira vez naquela manhã, alguém realmente parecia estar ouvindo. “Comece do início”, disse ele. “Conte-me tudo. Eu vou investigar. Mas preciso de todos os detalhes que você tiver.”
Três dias depois, o telefone de Maya tocou. Você pode me encontrar na 42 Alder Lane em uma hora? Foi tudo o que o detetive disse. Ela não hesitou. O endereço não lhe parecia familiar, mas seu instinto sabia que se tratava de Aiden.

Ela chegou e encontrou o detetive esperando do lado de fora de uma casa tranquila e bem cuidada. “Esta é a casa dele”, disse ele. “Ele está lá dentro. Com sua esposa.” A respiração de Maya ficou presa. “Ela não sabe?” “Não. Não vamos lhe dar tempo para inventar nada. Você está pronta?”
Ela assentiu. Juntos, eles caminharam até a entrada da garagem. A casa era modesta, mas bem cuidada, com vasos de flores ao longo das janelas e sinos de vento tilintando perto da luz da varanda. O estômago de Maya se revirava a cada passo. O detetive tocou a campainha. A porta se abriu alguns instantes depois.

Aiden estava lá – vivo, saudável e visivelmente atordoado. Seus olhos se desviaram de Maya para o detetive e depois para trás. “Maya?”, disse ele, sem fôlego, quase como um reflexo. Atrás dele, uma mulher pequena apareceu.
Ela usava um suéter floral macio, com uma expressão aberta e curiosa. “Querido, quem está falando?”, perguntou ela. “O que está acontecendo?” A voz de Maya ficou presa na garganta, mas ela forçou as palavras a saírem. “Sou alguém que seu marido usou”, disse ela, com os olhos fixos em Aiden.

“Nós nos conhecemos em uma clínica. Ele me disse que estava doente. Ele me fez acreditar que estávamos em um relacionamento. Que não lhe restava muito tempo. E eu -” ela engoliu com dificuldade, “eu lhe dei meu rim” A mulher piscou, processando. “Sinto muito… o quê?” Sua voz tremeu, incerta.
Aiden perdeu a compostura. “Maya, por favor”, disse ele rapidamente, dando um passo à frente. “Não é… é complicado. Você não entende…” “Não”, disse Maya, mais firme agora. “Você não pode fazer isso. Eu desisti da minha carreira por você. Minha saúde. Você desapareceu no momento em que não precisava mais de mim.”

A mulher se virou bruscamente para ele. “Isso é verdade?” Sua voz era quase inaudível. Aiden olhou para ela, mas não havia mais mentiras nele que pudessem ser mantidas. Sua boca se abriu e fechou, seu rosto desmoronando em culpa. Ele não disse nada.
Lágrimas brotaram nos olhos da mulher. Suas mãos tremiam quando ela agarrou a borda da porta. “Eu não posso”, ela murmurou, afastando-se deles. “Não consigo nem olhar para você.” Ela passou por Maya, pelo detetive, pela varanda – desceu os degraus, desceu a entrada da garagem e saiu pelo portão sem olhar para trás.

O silêncio que ela deixou para trás foi pesado. O detetive se voltou para Aiden. “Você foi denunciado à junta médica. Seu empregador foi notificado. Haverá acusações criminais” Aiden não discutiu. Ficou ali parado – agora sozinho – observando a bagunça que havia feito e que finalmente o alcançou.
As consequências foram rápidas. Em uma semana, o nome de Aiden foi suspenso do registro médico. O hospital emitiu uma declaração formal citando má conduta grave, violações de dados de pacientes e violações éticas. Sua licença de enfermagem foi revogada enquanto se aguarda uma investigação criminal completa.

As acusações incluíam acesso não autorizado a arquivos confidenciais, manipulação sob falsos pretextos e fraude médica. Maya deu seu depoimento completo à polícia. O detetive Langford prometeu que eles iriam até o fim. Aiden havia contratado um advogado, mas nenhuma manobra legal poderia desfazer o que ele havia feito.
A história chegou ao noticiário. No início, era apenas a mídia local, mas depois um segmento se tornou viral – “Atleta enganado em doação de órgãos por enfermeira de hospital” – e, de repente, todos sabiam o nome dela. Foi surreal. Pessoas desconhecidas inundaram sua caixa de entrada com apoio, indignação e tristeza. Atletas compartilharam sua história. Pessoas enviaram flores.

Seu ex-treinador entrou em contato. “Você não deve nada ao esporte”, disse ele. “Mas se quiser ser treinadora – divisão júnior, treinamento de jovens – teríamos muita sorte em tê-la.” A associação esportiva criou um fundo em seu nome para apoiar atletas que enfrentam contratempos médicos. As doações começaram a chegar. Pela primeira vez em meses, Maya não se sentiu impotente.
Quanto à esposa de Aiden, ela se mudou no dia seguinte. Os vizinhos disseram que ela não levou muita coisa – apenas duas malas e um álbum de fotos com orelhas de cachorro. Ela nunca respondeu à mensagem de Maya. Não havia problema. Algumas feridas não precisavam ser reabertas. Alguns pedidos de desculpas não eram devidos.

Maya não teve pressa. Ela descansou mais. Treinou menos. Aos poucos, ela encontrou um ritmo novamente. Seu corpo estava diferente agora – com cicatrizes, imprevisível – mas sua vontade estava intacta. Certa tarde, ela amarrou os tênis, caminhou até a pista e correu uma única volta. Apenas uma. Não era muito. Mas era dela.