Joshua estava dormindo quando um grito cortou o silêncio, agudo e em pânico. Seus olhos se abriram. Lucky se levantou ao seu lado, com os ouvidos atentos. Joshua piscou no escuro, a adrenalina o inundando rapidamente. Aquilo não parecia um bêbado gritando ou um casal discutindo. Parecia um perigo.
Ele se levantou rapidamente, pegou sua bolsa e se agachou. “Quieto”, sussurrou para Lucky, levantando um dedo. Lucky ficou quieto, alerta e tenso. Outra voz ecoou fracamente – abafada, masculina, agressiva. Joshua olhou para o beco do outro lado da rua. Estava escuro. Muito escuro. Mas algo estava acontecendo ali.
Ele atravessou com cuidado, cada passo silencioso contra a calçada úmida. Lucky caminhava ao seu lado, silencioso e de olhos atentos. Joshua se aproximou de uma lixeira perto da entrada do beco e olhou em volta. O que ele viu em seguida fez seu sangue esfriar…..
Joshua se agachou atrás da lanchonete, vasculhando os sacos de lixo com dedos dormentes. O cheiro era forte – carne velha, molho estragado -, mas ele não se abalou. Ele sabia o que procurar. Lucky sentou-se perto, com a cauda abanando, observando cada movimento como um falcão. Sua esperança fez Joshua andar mais rápido.

Joshua nunca pensou que viria parar aqui. Ele tinha uma família, uma casa e um emprego que adorava. Então, um acidente de carro – um acidente que mudou sua vida – levou tudo. Ele perdeu a esposa, o senso de segurança e, por fim, a capacidade de manter um teto sobre sua cabeça. O mundo continuou a se mover enquanto ele permanecia parado, paralisado pela dor. Agora, anos depois, era apenas ele e Lucky, sobrevivendo com dificuldade.
Ele encontrou um saco de papel amassado com metade de um sanduíche dentro. O pão estava encharcado, a carne ressecada, mas ainda era comida. Ele verificou se havia mofo, pronto para compartilhar. Mas a porta dos fundos se abriu com força. O gerente saiu, carrancudo, já pegando o celular. Joshua não ficou esperando.

Pegou sua bolsa e assobiou uma vez. Lucky correu ao seu lado. Eles correram. Não a toda velocidade – apenas o suficiente para desaparecerem antes que alguém os perseguisse. Eles já haviam sido perseguidos antes. Quando a polícia se envolve, você não ganha comida, você é advertido. Ou pior. Ele não ia ficar por perto para ver o que acontecia.
Ele não parou até que estivessem a dois quarteirões de distância. Com a respiração pesada e o peito queimando, ele se abaixou perto de um poste de luz. A rua pulsava ao seu redor – carros passando em alta velocidade, pessoas se movendo rapidamente com propósito. Ele estendeu a xícara e manteve a cabeça baixa. Um minuto se passou. Nada. Cinco. Ainda nada.

Joshua olhou para baixo. Lucky abanou a cauda, deu-lhe aquele olhar de boca aberta, de cão estúpido e feliz. Sem julgamento. Sem vergonha. Apenas lealdade. Joshua estendeu a mão e coçou atrás de suas orelhas. “Pelo menos você acha que eu sou importante”, murmurou. O som saiu seco. Cansado.
Alguém diminuiu a velocidade. Uma garota. Adolescente, com a mochila da escola pendurada no chão. Ela olhou para ele e, em seguida, pegou sua bolsa. Sem hesitação, sem palavras. Apenas um sanduíche em um saco com fecho. Ela o entregou. Joshua ficou olhando para ele. “Obrigado”, disse ele em voz baixa. Ela foi embora sem esperar.

Ele olhou para o sanduíche – pão grosso, presunto de verdade, embalagem limpa. Seu estômago se revirou. Aquela teria sido sua melhor refeição em dias. Talvez semanas. Ele o abriu e parou quando Lucky farejou o ar e lambeu os lábios. Joshua não pensou muito.
Deu o sanduíche a Lucky sem pensar duas vezes. Apenas o estendeu. Lucky comeu rapidamente. Joshua o observou mastigar, com os olhos atentos. Ele ignorou a dor em seu estômago, seu coração estava cheio ao ver Lucky comer e, por enquanto, isso era o suficiente.

Ele se recostou no poste, com a xícara vazia em uma das mãos e o estômago roncando. Lucky se encolheu ao lado dele, lambendo as migalhas das patas. Joshua mantinha a xícara à mostra, esperando que alguém demonstrasse alguma bondade, mas como o mundo ignorava sua presença, sua esperança diminuía a cada minuto que passava.
Joshua tentou não cair, com o estômago apertado pelo vazio, os olhos semicerrados enquanto o mundo se confundia ao seu redor. Naquela névoa, sua mente o levou de volta – a uma tarde fria do lado de fora do refeitório, o tipo de dia em que a fome fazia com que cada segundo parecesse agudo e esticado.

Ele tinha acabado de receber uma tigela de sopa – aguada, mas com bastante legumes e macarrão – quando alguém atrás dele se empurrou para frente. O impacto arrancou a tigela de suas mãos, e a sopa espirrou na calçada em uma bagunça úmida e fumegante. Ele ficou congelado, observando o caldo ser absorvido pelo concreto.
Antes que ele pudesse reagir, um cachorro de rua passou trotando – com o pelo coberto de pêlos, costelas à mostra, um brilho selvagem nos olhos – e começou a lamber a sopa do chão, com a língua trabalhando rapidamente como se não comesse há dias. As pessoas na fila o ignoraram. Joshua não o fez. Aquele era o único alimento que ele tinha.

A frustração aumentou. Ele se virou para o homem atrás dele, com a voz rachada pelo frio e pela raiva. “Você não conseguiu esperar sua vez?” O homem, de ombros largos e olhos maus, não reagiu bem. Sem dizer uma palavra, ele agarrou Joshua pelo colarinho e o puxou para frente como se ele não pesasse nada.
O coração de Joshua bateu forte. Ele esperava um soco, talvez algo pior. Mas assim que o homem puxou o braço para trás, o mesmo cachorro desalinhado parou de lamber e soltou um latido agudo e alto. Depois outro. Ele correu para o homem, rosnando, com os dentes à mostra – sem atacar, mas perto o suficiente para fazê-lo parar.

O homem hesitou, fez uma careta e finalmente largou o controle. “Crazy mutt”, ele murmurou, voltando para a fila. Joshua cambaleou, ajeitando o casaco, ainda atordoado. Ele olhou para o cachorro, agora calmo novamente, sentado a seus pés como se já tivesse feito isso centenas de vezes antes.
Joshua voltou para a fila, dessa vez bem no final. Ele não esperava uma segunda tigela – nunca havia esperado antes. Os abrigos ficavam sem comida rapidamente, e não se ouvia falar de segundos pratos. Mas ele permaneceu ali mesmo assim, com fome suficiente para ter esperança, enquanto o cão permanecia ao seu lado como se eles pertencessem um ao outro.

Quando chegou à frente novamente, ele se preparou para a decepção. Mas, sem questionar ou fazer uma pausa, o voluntário serviu uma tigela nova e a entregou a ele. Joshua olhou para ela por um segundo antes de pegá-la, o calor cortando seus dedos frios. De alguma forma, ainda havia comida.
Ele se afastou lentamente, com o vapor saindo da tigela, enquanto o cachorro trotava atrás dele com a mesma confiança tranquila. Joshua sentou-se em uma parede perto do beco, comeu em silêncio e jogou uma fatia de pão para o cachorro. Ele a pegou no ar e balançou como se tivesse ganhado na loteria.

Depois disso, ele tentou enxotá-lo. “Vá embora”, ele murmurou. “Você tem seu pedaço” Mas o cachorro não se mexeu. Apenas balançou novamente, com a língua solta, sentado como se fosse seu lugar. Joshua olhou para ele por um longo tempo. “Muito bem, então… Lucky. É assim que vou chamá-lo. Porque hoje, nós dois estávamos.”
Joshua não recebeu um único dólar naquele dia. A xícara ficou vazia e todos os olhares que passavam por ele iam parar em outro lugar. Quando o céu escureceu, ele se levantou lentamente e se dirigiu ao beco atrás da antiga livraria – um canto silencioso e escondido onde ele poderia tentar dormir.

Não era confortável, mas pelo menos havia menos barulho e menos interrupções. Isso era o melhor que ele podia encontrar agora – um lugar calmo o suficiente para fechar os olhos. Ao entrar no beco, ele ouviu duas pessoas do lado de fora da livraria, fumando e conversando casualmente.
Uma delas olhou em sua direção e disse: “Está vendo o que quero dizer? Eles estão em toda parte” O outro respondeu: “Mas graças a Deus pela limpeza em toda a cidade. Espero que comecemos a ver menos deles por aqui” O comentário não foi sussurrado. Eles não se importaram com o fato de ele ter ouvido.

Joshua continuou andando sem reagir, mas as palavras ficaram gravadas. Ele não tinha ouvido nada sobre uma limpeza. Essa foi a primeira vez. Isso explicava as vans da polícia que ele tinha visto perto da estação de ônibus. Explicava o fato de os bancos terem sido repentinamente tapados com fita adesiva. Eles estavam sendo empurrados para fora, um canto de cada vez.
Naquela noite, deitado no chão frio com Lucky enrolado ao seu lado, a inquietação não vinha da fome. Vinha da sensação crescente de que até mesmo os poucos lugares que lhe restavam estavam sendo levados embora. Se esse beco não era seguro, nenhum lugar seria.

Ele não podia continuar se movendo para sempre. Não sem se perder completamente. Em algum lugar no fundo de seu peito, um pensamento antigo começou a ressurgir – ele tinha que tentar novamente. Ele não conseguia se lembrar da última vez em que se sentira disposto a tentar. Mas, agora, a pressão não deixava espaço para protelar.
Ele pensou na lavanderia em que costumava dormir atrás. Aquele lugar sempre cheirava a sabão e vapor quente. Agora, havia uma nova placa na janela: “Precisa-se de Ajuda – Cargo Temporário” Não era muito. Mas mesmo um dia de trabalho significava comida, ou talvez mais.

Joshua sabia como essas coisas funcionavam. Ele não podia entrar com essa aparência – não se quisesse ser levado a sério. Ele precisava estar apresentável. E, mais importante, ele precisava de um número de telefone e um endereço. Ele não tinha nenhum dos dois. Mesmo assim, algo lhe dizia que ele tinha de tentar.
Na manhã seguinte, ele foi até o abrigo em que não entrava há mais de um ano. A mulher que estava na recepção não o reconheceu, mas o ouviu. Quando ele explicou que estava querendo se candidatar a um emprego e precisava de ajuda, ela acenou com a cabeça. Havia espaço, disse ela.

Eles poderiam lhe oferecer uma cama por alguns dias. Um lugar para tomar banho. O telefone fixo do abrigo poderia ser usado para ligações de retorno, e ele poderia indicar o endereço no formulário. Eles até tinham algumas camisas e jaquetas doadas nos fundos, caso ele quisesse ficar apresentável.
Parecia quase irreal. Pela primeira vez em anos, algo que parecia ser um plano estava tomando forma. Ele podia se imaginar entrando naquela lavanderia com roupas limpas, entregando um formulário, talvez até apertando a mão de alguém. A esperança o pegou desprevenido.

Mas, com a mesma rapidez, ela se esvaiu. “Não são permitidos cães”, acrescentou a mulher, desculpando-se. “É uma política. Você terá que deixar seu animal de estimação do lado de fora ou com outra pessoa. Sinto muito.” Seu tom era gentil, mas firme.
As palavras foram duras. Nada de cães. Sem exceções. Ele estava a segundos de algo sólido – algo que poderia mudar o rumo de sua vida. E agora, ele escapou, porque o único ser que nunca havia saído de seu lado não era bem-vindo. As regras não podiam ser discutidas, e Joshua sabia disso.

Ele olhou para Lucky, que estava descansando a seus pés, com os olhos semicerrados, confiantes. Joshua ficou parado, sem saber o que fazer. A resposta era clara, mas não parecia justa. Ele deixou o abrigo em silêncio. Se Lucky não era bem-vindo, então ele também não era. Isso não havia mudado.
Joshua estava desapontado, mas sabia que ficar sentado com esse sentimento não mudaria nada. Se o plano de limpeza da cidade fosse totalmente implementado, ele perderia os poucos cantos seguros que lhe restavam. E se isso acontecesse, ele também perderia Lucky. Ele tinha que fazer alguma coisa. Rapidamente.

Ele se limpou novamente no banheiro do posto de gasolina, a mesma rotina. Sabão de um dispensador quase vazio. Jogar água no rosto. Esfregar os braços e o pescoço com lenços de papel. Seu reflexo estava embaçado, mas mais claro do que o normal. Cabelos úmidos. Olhos cansados. Ele ainda parecia duro, mas pelo menos parecia acordado.
Do lado de fora, ele passou pela lixeira de uma padaria e viu um croissant meio comido em cima da pilha de lixo. Não havia mofo. Ainda estava quente por dentro. Ele o partiu ao meio e comeu devagar, fazendo-o durar. Lucky ficou olhando e abanou o rabo uma vez. Joshua entregou a outra metade sem hesitar.

A uma quadra dali, do lado de fora de uma pequena igreja, ele notou uma caixa de doações com a inscrição “POR FAVOR, DOE ROUPAS LIMPAS USADAS”. Por baixo de um casaco grande demais, havia uma calça marrom dobrada e uma camisa de botão simples – limpa, decente, nada chamativo. Ele as pegou como se fossem ouro.
Quando se virou para sair, uma mulher que varria a porta da igreja gritou: “Tem o que estava procurando?” Joshua hesitou e disse: “Sim, tenho uma entrevista de emprego” Ela sorriu, sem se surpreender. “Oh, boa sorte com isso!” Ele acenou com a cabeça e agradeceu duas vezes antes de ir embora.

Ele encontrou um lugar perto de um banco do ponto de ônibus e se trocou rapidamente, dobrando as roupas velhas dentro da bolsa. Ele escovou os sapatos com guardanapos novamente e limpou a poeira das mangas. Não estava polido, mas parecia alguém que estava tentando – e, às vezes, isso era suficiente para mudar a conversa.
Ele esperou do lado de fora da lavanderia por vinte minutos antes de entrar. Um homem atrás do balcão perguntou se ele estava aqui para o cargo temporário. Joshua assentiu com a cabeça. Eles conversaram brevemente. O homem perguntou se ele poderia trabalhar em turnos longos. Joshua disse: “Sim” E foi isso. “Teste de funcionamento. Amanhã. Seis horas da manhã em ponto.”

Lá fora, Joshua soltou um longo suspiro. Não de alegria, nem de vitória, mas de algo próximo. Ele tirou as roupas da igreja atrás de uma van de entrega, dobrou-as cuidadosamente e colocou-as em um saco plástico para mantê-las limpas. Ele não podia se dar ao luxo de sujá-las antes do dia do julgamento de amanhã.
Naquela noite, Joshua e Lucky se acomodaram novamente perto da doca de carga. Joshua apertou mais o seu casaco esfarrapado e sentou-se com as costas contra a parede. Lucky se encolheu ao seu lado, apoiando a cabeça no pé de Joshua. Joshua olhou para o céu por um longo tempo. “Acho que tenho uma chance desta vez”, disse ele suavemente.

Lucky apenas lambeu seu rosto em resposta. Joshua se abaixou e acariciou suas costas uma vez. “Só um dia”, ele murmurou. “Deixe-me ter um dia bom. Depois disso, eu resolvo o resto” Então ele se recostou e fechou os olhos, agarrando-se à forma tranquila da esperança apenas o tempo suficiente para dormir.
O sono veio com força e sem aviso. Em um minuto, o céu estava parado. No minuto seguinte, um trovão estalou e a chuva caiu como se alguém tivesse dividido as nuvens ao meio. Joshua se levantou, com o coração acelerado. Ele agarrou a bolsa ao seu lado, já sentindo como ela estava pesada.

“Merda, não, não, não”, gritou, arrastando-a em sua direção. O plástico era fino. A água havia passado por ele. Ele abriu o nó e viu a camisa – encharcada, agarrada à calça como se tivesse sido mergulhada em um balde. Ele as sacudiu e olhou para o céu, impotente.
Tirou o casaco e tentou cobrir as roupas, mas o estrago já estava feito. O concreto ao seu redor inundou rapidamente. Lucky choramingou baixinho, agachado embaixo de um carrinho de compras dobrado. Joshua praguejou baixinho e continuou pressionando as roupas contra o peito, como se isso fosse secá-las.

Pela manhã, tudo o que ele possuía estava encharcado. Ele encontrou um banheiro público com luzes piscantes e fechou a porta atrás de si. A camisa caiu molhada na pia. Ele a colocou sob o secador de mãos, com os dedos trabalhando o tecido. A camisa ficou úmida. Não o suficiente. A calça estava pior.
Ele tentou de tudo: apertá-las, colocar a camisa sob o aquecedor, secar os sapatos com papel higiênico. O chão estava empoçado, o espelho embaçado. Ele olhou para o seu reflexo – o rosto vermelho, os olhos cansados, a respiração curta. Parecia um homem implorando para que o mundo não olhasse muito de perto.

Correu para a lavanderia, com os sapatos esmagando e as mangas úmidas grudadas nos braços. Passou pela porta às seis e meia. O homem atrás do balcão não olhou para cima imediatamente. Quando o fez, fez uma meia careta. “Você está atrasado”, disse ele. “Aquele cara chegou na hora certa.”
A boca de Joshua se abriu, mas não saiu nada. Seu peito estava apertado. Ele olhou para si mesmo – camisa amassada, calças amassadas e ainda úmidas, cabelo achatado na cabeça. Ele se sentiu exposto. Pequeno. O homem acrescentou, mais suave dessa vez: “Já demos a posição a ele. Desculpe.”

Joshua se virou sem dizer uma palavra. Suas pernas se moveram por conta própria. Do lado de fora, ele se sentou no meio-fio, com a água encharcando sua calça novamente. Suas mãos descansavam inutilmente em seu colo. A bolsa estava ao seu lado, caída. Lucky sentou-se em silêncio, observando. Sem se mexer. Apenas esperando.
A porta se abriu. O homem saiu, entregou-lhe um sanduíche embrulhado em papel alumínio e uma xícara de café quente. “Pegue isso”, disse ele. “Você apareceu. Isso ainda conta para alguma coisa.” Joshua acenou com a cabeça uma vez e pegou o café, mais por reflexo do que por agradecimento. O homem voltou para dentro.

Ele comeu devagar, não porque quisesse saborear, mas porque não sabia mais o que fazer. Metade foi para Lucky. A outra metade ficou em sua boca como um pano molhado. O calor do café não alcançava nada em seu interior. Tudo o que ele havia feito. Tudo o que ele esperava. Foi lavado durante a noite.
Ele se virou e ficou de pé com a xícara vazia na mão novamente. Não se preocupou em dizer nada, apenas ficou parado em lugares onde as pessoas poderiam deixar cair o troco, com as costas retas, a sacola com suas roupas enfiada debaixo de um braço. Ele mantinha Lucky por perto, com uma das mãos apoiada nas costas do cachorro. As horas se passaram. Ninguém parou. Ninguém sequer diminuiu a velocidade.

Um homem de capuz passou por ele duas vezes. Na terceira vez, ele murmurou: “Arrume um emprego”, sem olhar para ele. Joshua não reagiu. Ele não tinha energia para isso. Do lado de fora de uma loja de conveniência, alguém jogou uma moeda perto de seus pés. Ela quicou e rolou para baixo de um banco. Ele não a perseguiu.
No final da tarde, seus joelhos ardiam e suas panturrilhas tinham cãibras. O sanduíche da manhã já havia acabado há muito tempo. Lucky caminhava ao lado dele mancando suavemente – uma de suas patas deve ter caído em uma rachadura em algum lugar. Joshua se agachou para verificar e sussurrou: “Vamos parar logo”

Ele se dirigiu para a periferia da cidade. Menos pessoas, menos policiais e menos riscos de ser mandado embora. Passando pelas docas de carregamento, ele encontrou um trecho de parede com caixas empilhadas em um lado e uma inclinação de concreto suficiente para se apoiar.
Ele examinou o local – seco, silencioso, meio protegido do vento. Lucky se aconchegou imediatamente. Joshua largou sua mochila atrás das caixas e sentou-se com as pernas para fora, de braços cruzados. Seus sapatos estavam encharcados novamente. Não importava. Aquele não era um lugar para se sentir confortável. Era um lugar para desaparecer.

Do outro lado da rua, uma luz quebrada cintilava sobre uma porta que dava para um backlot. Ao lado, um beco estreito cortava entre dois prédios. Não havia câmeras de segurança. Nenhum movimento. Joshua ficou olhando para ela por um tempo. Provavelmente era apenas um atalho. Mas algo a respeito o deixou inquieto. Ele desviou o olhar.
Joshua estava dormindo quando um grito rompeu o silêncio, agudo e em pânico. Seus olhos se abriram. Lucky se levantou ao seu lado, com as orelhas em pé. Joshua piscou no escuro, a adrenalina o inundando rapidamente. Aquilo não parecia um bêbado gritando ou um casal discutindo. Parecia um perigo.

Ele se levantou rapidamente, pegou sua bolsa e se agachou. “Quieto”, sussurrou para Lucky, levantando um dedo. Lucky ficou quieto, alerta e tenso. Outra voz ecoou fracamente – abafada, masculina, agressiva. Joshua olhou para o beco do outro lado da rua. Estava escuro. Muito escuro. Mas algo estava acontecendo ali.
Ele atravessou com cuidado, cada passo silencioso contra a calçada úmida. Lucky caminhava ao seu lado, silencioso e de olhos atentos. Joshua se aproximou de uma lixeira perto da entrada do beco e olhou em volta. Uma lâmpada fraca no teto piscava como se não conseguisse decidir se queria continuar viva.

Dentro do beco, uma mulher estava encostada na parede. Sua bolsa estava agarrada ao peito. Um homem pairava sobre ela, com o casaco sujo aberto, uma mão estendida e a outra segurando uma faca. “Vamos lá”, rosnou o homem. “Não seja estúpido.”
Joshua ficou paralisado, com o pulso acelerado. Ele não tinha nada. Nenhuma arma. Nenhum plano. Mas Lucky rosnou baixo ao lado dele – baixo demais para que o assaltante pudesse ouvir. Joshua olhou para ele. O corpo de Lucky estava tenso, pronto. Joshua respirou fundo e acenou com a cabeça uma vez. “Vá”, ele sussurrou.

Lucky disparou para frente como uma bala. O assaltante não o viu chegar. O cão agarrou-se ao braço dele, com os dentes cravados no tecido e na pele por baixo. O homem uivou, deixando cair a faca. Ela caiu no chão e girou em um círculo de luz.
O assaltante se contorceu, tentando se livrar de Lucky. Essa era toda a abertura que Joshua precisava. Ele correu para a frente, pegou a faca pelo cabo e a golpeou com força com a parte de trás. O cabo atingiu a têmpora do assaltante com um baque doentio. O homem cambaleou.

“Chame a polícia!” Joshua gritou por cima do ombro. Mas a mulher já estava lá, com a voz trêmula no telefone. “Sim, estou na Doyle com a Ninth – um homem tentou me roubar – alguém me ajudou – ele tinha um cachorro – por favor, mande alguém rápido.” Seus dedos tremiam, mas sua voz era clara.
O assaltante se virou e fugiu para as sombras, segurando a cabeça. Lucky latiu uma vez e fez uma pequena perseguição antes de voltar para Joshua, com a cauda erguida e respirando com dificuldade. Joshua largou a faca novamente e se agachou para esfregar o lado de Lucky. “Bom garoto”, murmurou, com o coração acelerado.

A mulher se aproximou, com a voz instável. “Você está bem?” Joshua assentiu com a cabeça. “Estou. E você?” Ela hesitou, depois fez um pequeno aceno de cabeça. “Sim… graças a você.” Ela olhou para Lucky, ainda com os olhos arregalados. “E a ele. Isso foi… corajoso.” A voz dela se embargou, cheia de gratidão atordoada.
Joshua não respondeu em um primeiro momento. Ele apenas olhou para ela – olhou de verdade. E viu algo que não via há anos. Não foi medo. Não foi pena. Respeito. Pela primeira vez em muito, muito tempo, alguém olhou para ele como se ele fosse importante. Como se ele fosse algo mais do que aparentava ser.

Luzes azuis e vermelhas pintaram o beco em ondas. Dois policiais chegaram em poucos minutos. Um verificou a mulher, o outro se voltou para Joshua. “Foi você quem o deteve?” Joshua assentiu com a cabeça, subitamente consciente do frio que sentia. O policial pediu uma declaração, e ele a deu – clara, simples, sem nada extra.
Quando o policial perguntou onde poderiam encontrá-lo, Joshua hesitou. “Geralmente estou na antiga livraria durante o dia”, disse ele. “Logo na saída da Hayes. Eu me sento perto da janela lateral” A mulher, ainda abalada, mas firme agora, se aproximou. “Se eu quisesse encontrá-lo pessoalmente… só para agradecê-lo?” Ele acenou com a cabeça. “No mesmo lugar.”

Ela deu um pequeno sorriso, com os olhos fixos. “Eu vou”, disse ela suavemente, antes de deixar que os policiais a levassem de volta para o carro. Joshua observou as luzes traseiras desaparecerem na esquina. Lucky roçou em seu joelho, e Joshua fez um pequeno aceno de cabeça. “Vamos lá, amigo. De volta ao nosso lugar.”
Na tarde seguinte, ele estava lá – sentado do lado de fora da livraria, com a xícara na mão e Lucky esparramado a seus pés. Ele não havia contado a ninguém. Não tinha certeza do que iria dizer. Mas quando um carro preto diminuiu a velocidade e estacionou do outro lado da rua, ele se sentou mais ereto. A mulher da noite passada saiu do carro. Seguida por um homem alto em um terno elegante.

Eles atravessaram a rua juntos. “Aí está você”, disse Ava, sorrindo. O homem ao lado dela estendeu a mão. “Eu sou Robert”, disse ele. “O pai de Ava.” Joshua se levantou lentamente, incerto. “Ela me contou como você salvou a vida dela ontem à noite. Você não precisava fazer isso, mas fez.”
Joshua se mexeu, sem saber como responder. Robert continuou, mais gentilmente agora. “Ouça. Eu não acredito em esmolas. Mas acredito em segundas chances. Gostaria de lhe oferecer um emprego. Segurança noturna em meu escritório. É um trabalho honesto. Vem com um salário. E um lugar para vocês dois” Ele olhou para Lucky, que se sentou balançando a cabeça educadamente.

Naquela noite, Joshua estava sob o poste de luz do lado de fora do gabinete do prefeito, vestindo um uniforme limpo, com os ombros retos. Seus sapatos ainda estavam arranhados, mas serviam. Lucky estava ao seu lado, com uma pequena etiqueta no colarinho onde se lia “COMPANHEIRO” Pela primeira vez em muito tempo, a cidade não parecia estar engolindo-o inteiro. Parecia que ele havia conquistado um lugar pequeno e estável – e era o suficiente.