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Lucas não levantou a voz. Ele não precisava. A cozinha parecia estar prendendo a respiração quando ele perguntou: “A mamãe era importante para você?” Seu pai levantou os olhos do café, piscando uma vez. O silêncio disse mais do que qualquer resposta poderia dizer.

O rosto de Mark se endureceu. “Se você odeia tanto isso aqui, então vá embora” As palavras saíram sem rodeios, como uma porta sendo fechada sem aviso. Lucas não recuou, mas algo dentro dele se rompeu. Ele se virou antes que alguém pudesse ver – passou pelo sorriso de Dana, desceu o corredor e saiu para a noite.

A luz da varanda zumbiu atrás dele quando Lucas entrou no frio. Ele não sabia para onde estava indo – apenas que não podia ficar. Seu peito ardia, não de raiva, mas da dor de não ser visto. Ele continuou caminhando até que as casas ficaram embaçadas e as luzes da rua deram lugar a lápides.

Lucas nem sempre foi tão quieto. Ele costumava ser o garoto que enchia todos os cômodos com perguntas, que corria pela vizinhança em sua bicicleta com os joelhos raspados e o cabelo ruivo enrugado pelo vento. Sua mãe o chamava de seu pequeno meteoro – sempre em movimento, sempre brilhante.

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Agora, ele estava em silêncio ao lado da lápide, com os dedos enrolados nos caules das flores que ele mesmo havia colhido. Não eram perfeitas – apenas algumas margaridas e tulipas selvagens do parque – mas eram frescas e brilhantes, e isso importava. Seus tênis estavam úmidos do orvalho da manhã, e o frio no ar puxava as mangas do suéter.

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Ele se ajoelhou e colocou as flores no chão com cuidado, removendo um pouco de sujeira do granito polido. As letras na pedra estavam começando a ficar opacas, mas ele não precisava delas para saber o que ela dizia. “Oi, mamãe”, ele sussurrou. Já havia se passado quase um ano desde o acidente. Quase um ano desde que a casa ficou mais silenciosa, mais fria e menor.

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Lucas se lembrava de cada segundo daquele dia – o telefonema, o silêncio depois, a maneira como o rosto do pai não mudou muito quando ele lhe contou. Como se alguém tivesse cancelado o jantar, não dividido suas vidas em duas. O funeral foi um borrão. Lucas vestiu um terno grande demais para ele e ficou ao lado do pai sem saber o que fazer. As pessoas choraram.

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Ele não chorou. Ficou apenas observando o céu, esperando que ela descesse de onde quer que tivessem dito que ela tinha ido. Depois disso, tudo ficou mais lento. Seus professores fizeram o check-in. Seus amigos o esperavam no portão. Mas ele não conseguia encontrar as palavras. Não conseguia encontrar a versão de si mesmo que costumava rir, correr, falar. No início, seu pai tentou.

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Eles assistiam a filmes juntos e faziam macarrão com queijo como a mãe costumava fazer. Mas isso parou depois de alguns meses. Seu pai começou a chegar em casa mais tarde. Ele parou de sorrir. E Lucas parou de esperar que as coisas voltassem ao normal. Ela entrou em suas vidas como uma brisa suave no início – gentil, educada, quase perfeita demais.

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Seu nome era Dana e ela trabalhava na mesma empresa que o pai de Lucas. Ele disse que ela o estava ajudando a “lidar com a situação”, que era uma amiga, alguém que entendia o que significava continuar. Lucas não tinha certeza do que isso significava, mas assentiu. Ele assentiu muito naqueles dias. No começo, ela era gentil.

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Trazia pequenas coisas – bolos, velas, até mesmo um conjunto de travesseiros que, segundo ela, “aquecia o lugar” Ela ria com facilidade, tocava o ombro de Lucas quando falava com ele, dizia que os olhos dele a faziam lembrar os do pai – e uma vez, enquanto bagunçava o cabelo dele, acrescentou com um sorriso: “Sabe, os ruivos sempre parecem que foram feitos para se destacar” Lucas não se importava com ela.

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Não exatamente. Mas algo parecia… estranho. Como se ela estivesse se esforçando demais para se encaixar em uma vida que ainda não tinha parado de sangrar. No final do verão, ela havia se mudado. Começou com pouco. Reorganizou a sala de estar. Mudou o aroma do sabonete. Jogou fora o frasco de xampu usado pela metade que sua mãe havia deixado para trás. “Está vencido, querido”, disse ela com um sorriso.

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Depois vieram as coisas maiores. A foto de casamento emoldurada desapareceu do corredor. O avental de sua mãe desapareceu do gancho da despensa. Quando Lucas perguntou, Dana disse gentilmente: “Não achei que precisássemos manter a bagunça que nos deixa tristes” Desordem. Era nisso que sua mãe havia se transformado. Ela até mudou as fotos da sala de estar.

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Um dia, Lucas chegou em casa e encontrou uma foto dele e de Dana – tirada apenas uma vez em uma feira de outono – emoldurada ao lado do sofá, enquanto a foto dele quando bebê nos braços da mãe tinha sido movida para uma prateleira nos fundos do corredor, pouco visível atrás de uma samambaia moribunda. Dana sempre dizia as coisas certas. “Você é um menino tão bom”

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“Sua mãe ficaria muito orgulhosa de você.” “Você está ajudando seu pai mais do que imagina.” Mas havia um peso por trás das palavras dela, uma pressão silenciosa que fazia Lucas se sentir como se estivesse constantemente andando em uma corda bamba. Como se, se ele escorregasse, mesmo que fosse uma única vez, tudo iria por água abaixo. As regras vieram em seguida. Nada mais de flores para o túmulo – “são caras e não é como se ela pudesse vê-las”

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Não dormir mais com a luz do corredor acesa – “você não é um bebê, Lucas” Ela lhe disse que ele deveria parar de escrever em seu caderno. “Os diários de luto são apenas uma forma de ficar preso.” Então, uma noite, durante o jantar, Dana disse algo que o deixou completamente abatido. “Sabe, já se passou quase um ano. Acho que sua mãe gostaria que você se libertasse agora”

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Lucas não respondeu. Ele não chorou. Ele nem sequer vacilou. Ele apenas olhou para o prato à sua frente, balançando a cabeça uma vez, como ela esperava que ele fizesse. Mas, mais tarde naquela noite, ele ficou acordado no escuro, agarrando o travesseiro até os nós dos dedos doerem, querendo não chorar. Ele não conseguiu. As lágrimas vieram com força, silenciosas e cortantes, encharcando o colchão como se fossem segredos.

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Foi nesse momento que ele soube que não estava apenas sentindo falta da mãe. Ele estava desaparecendo junto com ela. Lucas encontrou seu pai na garagem, de pé sobre a bancada de trabalho, com uma chave inglesa em uma das mãos e um olhar silencioso fixo em nada. Não havia nenhum projeto, nenhuma razão real para estar ali. Apenas um homem escondido à vista de todos, com o zumbido da lâmpada no alto preenchendo o silêncio.

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“Preciso lhe perguntar uma coisa”, disse Lucas, entrando na sala. Sua voz ecoou nas paredes repletas de latas de tinta velhas e ferramentas esquecidas. “Mamãe era importante para você? Ou ela era apenas… temporária?” Os ombros de seu pai se enrijeceram, mas ele não se virou. “De onde vem isso?” Lucas respirou fundo.

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“Você deixou a Dana se mudar para cá como se não fosse nada. Ela jogou fora a caneca favorita da mamãe. Disse que era “velha” Ela não me deixa levar flores para o túmulo. E você fica aí sentado. Como se nada disso importasse.” Ainda não houve resposta. O silêncio atormentava Lucas. “Você nem sequer chorou no funeral.” Isso finalmente o pegou. Seu pai se virou, com os olhos duros. “Chega.”

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“Não, não é”, Lucas retrucou. “Eu moro em uma casa cheia de coisas dela e ninguém fala sobre ela. É como se ela estivesse sendo apagada. É isso que você quer? Esquecê-la completamente?” A voz de seu pai era baixa, mas aguda. “Você acha que eu não sinto isso? Que não estou sofrendo também?” Lucas balançou a cabeça. “Você não age como se estivesse. Você está apenas… ausente.

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Você deixou a Dana assumir o controle como se ela fosse a única pessoa que importa agora. E eu tenho que sorrir com isso?” Seu pai o encarou por um longo segundo, depois disse: “Se você odeia tanto isso aqui, vá embora” As palavras o atingiram como água gelada. Lucas se afastou, com a pulsação batendo em seus ouvidos. Ele não discutiu. Não chorou.

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Ele se virou e saiu pela porta da garagem, descendo a rua, passando por luzes tremeluzentes de varandas e janelas fechadas, até que suas pernas o levaram ao único lugar que ainda parecia ser dela. O portão do cemitério rangeu quando Lucas o abriu, o metal enferrujado gemendo em protesto. Um vento amargo cortava as árvores e o ar mordia suas bochechas.

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A luz do final da tarde era tênue, com sombras que se estendiam por todo o solo endurecido pela geada. Ele fechou o capuz mais alto contra o frio, e sua respiração ficou embaçada ao pisar no caminho de cascalho. Cada barulho sob seus tênis ecoava mais alto na quietude. Ele enfiou as mãos nos bolsos, com os ombros curvados contra o vento, e seguiu em direção ao salgueiro torto.

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O túmulo de sua mãe o aguardava ali, silencioso e constante. Mas ele parou antes. Outra pessoa já estava lá. Uma menina – da idade dele ou talvez um pouco mais nova – estava perto da lápide, ajoelhada na grama que estava dura de frio. Sua respiração estava enevoada quando ela se inclinou para frente, com as mãos enluvadas pegando gentilmente algumas pétalas levadas pelo vento perto da base da pedra.

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Ela estava colhendo gentilmente as pétalas de um pequeno grupo de flores silvestres que cresciam perto da base da árvore. Seus cabelos escuros estavam presos para trás em uma trança solta e sua jaqueta estava cheia de manchas coloridas. Algumas flores colhidas estavam ao lado dela, cuidadosamente arrumadas. Lucas hesitou. Ele quase se virou. Ela olhou para cima ao som de seus passos.

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O olhar dela pousou sobre ele, suave e sem se incomodar. Então, quase como um reflexo, ela fez um pequeno aceno de cabeça – um convite, não um pedido de desculpas – e voltou para suas flores. Lucas se aproximou. Ele reconheceu o túmulo imediatamente – o de sua mãe. Algumas margaridas frescas haviam sido colocadas ao lado das que ele havia trazido na semana passada. Ele limpou a garganta.

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“Isso é para ela?”, ele perguntou baixinho, acenando com a cabeça para as flores. Ela olhou para cima novamente. “Mais ou menos”, disse ela. “Meu pai as trouxe. Ele voltou para o carro, mas eu queria pegar mais algumas.” Lucas piscou os olhos. “Seu pai a conhecia?” “Acho que sim”, disse ela, levantando-se e limpando os joelhos.

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“Ele disse que viu algo sobre ela no jornal há algum tempo. Disse que a conhecia antes de eu nascer.” Lucas franziu a testa, olhando para a beira do cemitério, onde um sedã prateado estava parado perto da entrada. Um homem estava do lado de fora, com uma mão no teto, examinando as fileiras de pedras.

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Lucas sentiu um estranho aperto no estômago. O homem deu um passo à frente, olhando para eles. E então começou a andar. O homem de cabelos vermelhos estava se aproximando, caminhando lentamente, mas com firmeza, pelo caminho de cascalho. Lucas o observou se aproximar, com o coração acelerando sem saber por quê. Emilia percebeu. Ela seguiu o olhar de Lucas e disse: “Esse é o meu pai”

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O homem chegou até eles, seus passos silenciosos no cascalho. “Oi, querida”, disse ele, oferecendo a Emilia um sorriso suave. Sua voz era calma e firme. “Você já terminou de colher as flores? Está na hora de irmos embora – não quero me atrasar muito para o jantar. Sua mãe está esperando por nós.” Emilia assentiu, depois olhou entre seu pai e Lucas. “Eu estava dizendo a ele que você conhecia a Evelyn.”

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Os olhos de Daniel se voltaram para a lápide e depois para Lucas. Seu sorriso vacilou um pouco – quase imperceptivelmente – quando ele observou as feições do garoto. O cabelo ruivo. A pele sardenta. Algo em seus olhos se moveu. Reconhecimento? Memória? Isso passou rapidamente. “Você é Lucas?”, perguntou ele gentilmente. Lucas assentiu com a cabeça, subitamente inseguro de si mesmo. “Sim.”

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Daniel fez uma pausa. “Sinto muito por sua perda. Sua mãe… ela era uma pessoa extraordinária.” O peito de Lucas se apertou. “Você a conhecia bem? “Éramos próximos”, disse Daniel, mantendo o tom uniforme. “Há muito tempo atrás. Antes de ela se mudar. Antes de… tudo” Lucas não sabia mais o que dizer. O silêncio se estendeu por um momento antes que Emilia se movesse ao lado dele, tirando um cacho do rosto.

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“Está ficando muito frio”, disse ela gentilmente. “Você quer vir até aqui? Temos chocolate quente.” Lucas hesitou. Ele olhou para Daniel, que não disse nada – apenas fez um pequeno aceno de cabeça, quase como se estivesse deixando a decisão inteiramente a cargo dele. “Claro”, disse Lucas finalmente. “Está bem.”

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Eles atravessaram a rua estreita e subiram um pequeno caminho de pedra até uma pequena casa amarela com persianas azuis e sinos de vento que tilintavam suavemente com a brisa. A varanda tinha um leve cheiro de canela e pinho. Emilia abriu a porta sem bater. “Mamãe?”, ela gritou. “Estamos em casa!”

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Daniel entrou atrás de Lucas, colocando o jornal na mesa ao lado da porta e tirando o paletó. “Tire os sapatos”, disse ele com um leve sorriso para os dois. “Ou a mamãe vai entrar em guerra.” Lucas tirou os tênis sem jeito, sentindo-se como um intruso. A casa estava quente e com o zumbido suave de um rádio tocando algo clássico ao fundo.

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Não parecia ser o tipo de lugar que tinha discussões. Parecia… tranquila. Emilia deixou sua bolsa perto do sofá e desapareceu no corredor. Lucas ficou parado na porta, sem saber para onde ir ou o que fazer com as mãos. Daniel voltou depois de pendurar o paletó e fez sinal para a cozinha. “Venha. Vamos pegar o chocolate quente para você”

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Lucas o seguiu até uma cozinha aconchegante e iluminada pelo sol, onde uma panela já estava esquentando no fogão. Daniel mexeu lentamente, a colher tilintando contra a panela. “A Evelyn costumava vir aqui às vezes”, disse Daniel em voz baixa. “Há muito tempo, antes de se casar com Mark.” Lucas não respondeu. Ele se concentrou no leite borbulhante, no leve tremor da mão de Daniel que mexia a panela.

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Daniel sorriu, mas seus olhos estavam úmidos. “Ela nunca deixou de ser cheia de maravilhas.” Naquele momento, Emilia voltou e colocou um bloco de desenho sobre a mesa. “Veja o que eu fiz na escola.” Ela puxou uma cadeira ao lado de Lucas e abriu o bloco para revelar uma aquarela brilhante e caótica de um girassol e um foguete.

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Lucas sorriu. “Isso é incrível.” Daniel olhou entre eles e depois para o cacau em suas próprias mãos. “Você é sempre bem-vindo aqui, Lucas”, disse ele suavemente. “Só para você saber.” Lucas não sabia ao certo o que pensar daquilo, mas o calor em seu peito dizia que talvez ele precisasse ouvir aquilo mais do que imaginava.

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Lucas murmurou um agradecimento e foi embora com um peso estranho no peito. Ele não conseguia nomeá-lo. Ainda não. Quando chegou em casa, seu pai levantou os olhos do sofá. “Onde você esteve?”, perguntou ele. “Na rua”, disse Lucas, tirando os sapatos. “Espero que você não tenha ficado de mau humor naquele túmulo de novo”, disse Dana da cozinha, com a voz carregada de zombaria.

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“Deixando as pessoas assustadas.” Lucas não respondeu. Ele subiu as escadas. Fechou a porta. Deitou-se. Mas o sono não vinha. Havia algo em Daniel – sua voz, seus olhos, a maneira como ele olhou para o túmulo de sua mãe. Lucas não conseguia se livrar disso. Seria apenas bondade? Ou algo mais? Ele rolou para o lado e ficou olhando para a parede, tentando se livrar da inquietação.

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Mas ela permaneceu, teimosa e estranha. No dia seguinte, ele voltou à casa de Emilia. Ela já estava do lado de fora, ajoelhada na calçada, desenhando raios de sol com giz rosa. Ela olhou para cima quando Lucas se aproximou. “Você voltou!”, ela disse, levantando-se e passando as mãos na calça jeans. Daniel saiu da varanda atrás dela, secando as mãos em um pano de prato.

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Na outra, ele segurava um buquê de calêndulas amarelas e margaridas claras. “Trouxe mais flores para sua mãe”, disse ele gentilmente. “Achei que poderíamos ir visitá-la juntos hoje.” Lucas ajustou o capuz do moletom. O vento havia aumentado, provocando a borda de suas mangas. Ele olhou para as flores – escolhidas com cuidado, nada chamativo, apenas discretas e atenciosas – e fez um aceno silencioso.

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Eles caminharam juntos até o cemitério, Emilia pulando à frente em pequenos passos, sua trança balançando a cada passo. Daniel caminhou ao lado de Lucas, mais devagar agora, com a mão ocasionalmente apertando as hastes. No túmulo, Lucas se afastou enquanto Daniel se ajoelhava.

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Ele colocou o buquê ao lado do buquê desbotado que Lucas havia deixado na semana passada e dos buquês que Emilia havia colhido ontem, depois alisou as pétalas com uma estranha ternura. Daniel se levantou lentamente, limpando as mãos na calça jeans. Seu olhar se deteve na lápide por mais um momento antes de falar novamente.

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“Lucas… Sei que você já está passando por muita coisa. Mas há algo que preciso dizer.” Lucas olhou para ele, com as sobrancelhas franzidas. “Eu disse a você que sua mãe e eu éramos amigos”, disse Daniel, com a voz firme, mas calma. “Mas essa não é toda a verdade. Nós éramos mais do que isso. Estávamos juntos. Não por muito tempo, nem perfeitamente, mas era importante. Muito.”

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Ele fez uma pausa, como se estivesse decidindo o que dizer. “Ela deixou a cidade de repente”, continuou Daniel. “Sem aviso, sem explicação. Simplesmente… foi embora. Não tive mais notícias dela. Achei que tinha acabado, e talvez fosse assim que ela quisesse. Eu respeitava isso. Mas nunca parei de me perguntar o que realmente a fez ir embora.” Ele fez uma pausa, olhando para as flores que acabara de colocar no chão.

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“No ano passado, vi seu obituário on-line. Apenas uma foto. Uma breve descrição. Não mencionava muita coisa. Mas isso me atingiu mais do que eu esperava. Na época, pensei em vir para cá, mas não vim. Achei que talvez não fosse o meu lugar” Daniel olhou para cima novamente, desta vez encontrando os olhos de Lucas. “Mas hoje… quando eu vi você aqui, algo se encaixou. Seu rosto. Seu cabelo.”

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Ele exalou, visivelmente se estabilizando. “Sei que parece loucura. Eu não vim procurando por isso. Mas o momento… sua idade… tudo se encaixa. E quando olhei para você, não vi apenas a Evelyn. Eu vi… eu. Muito de mim” A expressão de Lucas não mudou, mas seu corpo ficou tenso. “Eu não tenho certeza de nada”, disse Daniel suavemente. “Mas se houver uma chance…”

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Ele hesitou, depois terminou a frase que estava pesando em seu peito: “Acho que posso ser seu pai” As palavras caíram como uma pedra em um lago parado. Lucas deu um passo para trás. Ele não tropeçou, mas poderia muito bem ter tropeçado. Todo o seu corpo parecia ter se deslocado, desorientado pela gravidade. “O quê?” Sua voz mal passava de um sussurro.

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Daniel manteve sua posição. “Sua mãe nunca me contou. Eu nem sabia que ela estava grávida quando foi embora. Não estou tentando tirar nada de você. Ou do Mark. Mas eu preciso saber.” A voz de Lucas era baixa, mas trêmula. “Então, tudo o que eu achava que sabia sobre minha família… pode ser falso?” Daniel balançou a cabeça. “Não. Não é falso. Mas talvez… incompleto.”

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Lucas o encarou, com a respiração superficial. “Tenho que falar com meu pai.” Daniel deu um passo à frente. “Lucas…” Mas Lucas se afastou. “Não faça isso.” E, sem mais nem menos, ele se virou e saiu andando pela trilha, com o cascalho rangendo sob os pés, cada passo mais rápido que o anterior. Emilia o chamou baixinho, mas ele não olhou para trás.

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Seu pai levantou o olhar da bancada de trabalho, assustado. “E agora?” A voz de Lucas era aguda. “Você precisa me contar a verdade.” Seu pai franziu a testa, largando a chave inglesa. “A verdade sobre o quê?” “Sobre minha mãe. Sobre o Daniel.” O nome tinha um gosto estranho em sua boca. “Ele diz que a conhecia. Que eles eram próximos. Que… que ele pode ser meu pai verdadeiro.”

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Silêncio. Foi imediato e total, do tipo que faz seus ouvidos zumbirem. Seu pai o encarou, atônito. “Ele disse isso? Daniel?” Lucas assentiu com a cabeça, com a voz embargada. “Ele não disse isso como um fato. Apenas… algo que ele pensa. Ele disse que mamãe nunca lhe contou. Que ele me viu e ficou imaginando.” Seu pai se sentou lentamente na beira da bancada de trabalho.

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Ele não falou por um longo tempo. “Eu não sabia”, disse ele finalmente, quase sussurrando. “Lucas, eu juro a você, eu não tinha ideia de que ela ainda estava falando com ele. Eu o conhecia, sim. Desde antes. Mas achei que isso tinha acabado quando ficamos juntos.” Lucas soltou um suspiro trêmulo, o calor em seu peito se transformando em algo mais pesado. “Por que ela não teria lhe contado?

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“Eu não sei.” Seu pai balançou a cabeça, com os olhos distantes. “Sua mãe não era reservada. Normalmente não. Mas ela era… complicada às vezes. Especialmente quando se tratava do passado.” Nesse momento, a voz de Dana soou por trás deles, aguda e alta demais. “Ah, ótimo. Então ele nem é seu filho agora?” Os dois se viraram.

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Dana estava na porta, de braços cruzados, com uma sobrancelha levantada como se estivesse assistindo a uma novela ruim. “Honestamente, eu venho dizendo há meses que nenhum filho seu seria tão desobediente “Dana”, advertiu o pai dele. Ela continuou. “Talvez esse Daniel devesse tê-lo criado. Claramente, ele tem todas as respostas.”

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A mandíbula de Lucas se cerrou, mas foi o pai que se irritou. “Já chega. Apenas cale a boca de uma vez por todas.” O rosto de Dana se contraiu com a ofensa. Ela sustentou o olhar dele por um momento, depois zombou e saiu, murmurando algo enquanto desaparecia pelo corredor. O silêncio que se seguiu parecia um vácuo.

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Lucas não falou. Seu pai também não. Então a campainha da porta tocou. Os dois viraram a cabeça. O coração de Lucas deu uma estranha sacudida. Seu pai se levantou primeiro, hesitou, depois caminhou lentamente para a frente da casa. Lucas seguiu atrás, com as mãos frias.

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A porta se abriu. Daniel estava na varanda, segurando o casaco em uma das mãos e com uma tensão nos ombros que combinava com a que estava no ar. Seus olhos encontraram os do pai de Lucas. “Oi, Mark”, disse Daniel. O pai de Lucas, Mark, não falou em um primeiro momento. Ele só ficou olhando, depois fez um aceno superficial com a cabeça. “Daniel.” “Acho que precisamos conversar”, disse Daniel.

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Mark abriu a porta sem dizer uma palavra. Lucas se afastou enquanto Daniel entrava. O ar no corredor parecia pequeno demais para três pessoas, todas carregando coisas demais. Mark os levou até a cozinha. Dana não estava à vista, mas o silêncio que ela deixou para trás ainda pairava. Daniel olhou para Mark e depois para Lucas.

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“Eu não queria que isso se tornasse uma bagunça. Eu só precisava saber. E achei que talvez você também precisasse.” Eles se reuniram ao redor da mesa da cozinha, mas ninguém parecia confortável. Daniel estava sentado com as mãos cruzadas, com os ombros rígidos demais para alguém que estava tentando ficar calmo. Mark sentou-se à sua frente, tenso, ainda tentando entender a ideia que acabara de invadir sua casa.

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Lucas sentou-se entre eles, o único som na sala era o zumbido fraco da geladeira e a batida do seu próprio coração. “Então”, disse Mark finalmente, “o que exatamente você está dizendo?” Daniel olhou para ele. “Estou dizendo que posso ser o pai biológico do Lucas. E quero descobrir.” Mark não piscou. “E o que faz você pensar isso depois de todos esses anos?”

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Daniel olhou brevemente para Lucas e depois de volta para Marcos. “Eu não vim procurar. Não até que eu o vi. A maneira como ele se move. A maneira como ele fala. Isso me fez lembrar dela. E de mim mesmo.” Lucas se mexeu em seu assento. “Você disse que ela nunca lhe contou.” “Ela não contou”, disse Daniel. “Se ela tivesse contado, eu teria voltado. Eu nunca teria deixado as coisas assim.”

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“E você acha que isso lhe dá o direito de simplesmente aparecer e jogar nossas vidas no caos?” A voz de Mark era baixa, controlada – mas quase nada. “Não”, disse Daniel, em voz baixa. “Mas o fato de não saber… teria sido pior. Para ele. Para mim. Talvez até para você.” O peito de Lucas se apertou. “Eu não quero brigar. Só quero saber a verdade.”

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Mark olhou para o filho, com o rosto ilegível. “Você acha que eu não me perguntei, agora que tudo isso está às claras? Você acha que eu não voltei à minha cabeça, tentando encontrar fendas que não vi antes?” “Você não precisa mais se perguntar”, disse Daniel. “Podemos fazer um teste.” “E se ele disser que você não é o pai dele?” Mark perguntou bruscamente.

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“Então eu vou embora”, disse Daniel, com firmeza. “Eu nunca quis me intrometer.” Mark o encarou por um longo tempo. “Teste de DNA”, Lucas repetiu. “É a única maneira.” Mark se inclinou para trás, cruzando os braços. “Está bem. Vamos fazer isso.” Daniel acenou com a cabeça. “Posso ter um kit aqui amanhã.” “Então traga-o”, disse Mark. Daniel se levantou, pegando seu casaco.

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“Estarei de volta amanhã à tarde.” Ele olhou para Lucas antes de sair. “Você está bem com isso?” Lucas hesitou. “Eu preciso saber.” Daniel fez um leve aceno com a cabeça e saiu. No momento em que a porta se fechou com um clique, Mark empurrou sua cadeira para trás e esfregou as mãos no rosto. “Jesus Cristo.” Lucas não se mexeu. “Você realmente não sabia?”

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“Eu não sabia”, disse Mark, com os olhos fechados. “Mas agora não consigo parar de pensar em tudo o que ela não disse.” Eles ficaram sentados em silêncio por um tempo, o ar entre eles era denso e frágil. Lucas finalmente se levantou. “Vou dar uma volta.” “Lucas-” Mark começou, mas se deteve. “Apenas… fique seguro, ok?” Lucas assentiu e saiu para o crepúsculo silencioso, seus pensamentos mais altos do que nunca.

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O teste chegou na tarde seguinte, entregue pelo correio em um envelope simples e sem identificação. Sem drama. Sem fanfarra. Apenas o peso da verdade selada em uma capa acolchoada. Lucas sentou-se no sofá, balançando o joelho, enquanto Mark e Daniel ficaram em lados opostos da sala de estar.

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Ninguém falou enquanto os cotonetes de teste eram retirados – apenas o som do plástico rachando, o algodão roçando nas bochechas e os rabiscos dos nomes nas etiquetas. Daniel pegou os envelopes lacrados. “Vou deixá-los no laboratório. Deve levar alguns dias” Lucas acenou com a cabeça. Ele esperava que a ansiedade o tomasse de assalto. Mas, na maioria das vezes, ele apenas se sentia vazio.

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Os dias que se seguiram passaram lentamente. Mark não se retirou como antes. Ele chegou em casa mais cedo. Sentava-se com Lucas enquanto ele fazia a lição de casa, ajudava no jantar e até consertava a torneira da cozinha que estava pingando e que havia sido ignorada por semanas. Dana notou.

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“Que rotina repentina de homem de família é essa?”, disse ela uma noite, enquanto Mark e Lucas estavam lado a lado sobre uma receita de lasanha que a mãe de Lucas adorava. “Tentando impressionar seu novo melhor amigo? Ou compensando o tempo perdido?” “Dana”, disse Mark, sem olhar para cima, “se você não tem nada de útil para dizer, não diga nada”

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Ela zombou e saiu da sala. Lucas mordeu o lábio, escondendo um sorriso. Três dias depois, o envelope chegou. Mark sentou-se ao lado de Lucas no sofá enquanto ele o abria. Daniel ficou perto da janela, de braços cruzados. Lucas desdobrou o papel lentamente, examinando as linhas até que as palavras ficassem claras. Resultado de paternidade: Excluído – 0% de probabilidade.

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Mark Weston – 99,999% de probabilidade de paternidade. Lucas piscou os olhos. Ele leu novamente. Em seguida, entregou-o silenciosamente ao pai. Mark ficou olhando por um longo momento, depois exalou, quase rindo. “Eu sou seu pai.” O rosto de Daniel se abaixou – não dramaticamente, mas com uma visível queda de tensão em seus ombros. Ele acenou com a cabeça. “Então acho que… é isso.”

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Lucas olhou para ele, sem saber o que dizer. Daniel deu um passo à frente e estendeu a mão. “Nunca foi para tirar nada. Eu só precisava saber” Lucas a apertou. “Obrigado… por me contar mesmo assim.” Mark também se levantou. “Agradeço por ter vindo até nós. De verdade. Falo sério.” Daniel acenou com a cabeça mais uma vez e se virou para a porta. “Cuidem uns dos outros.”

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Lucas o observou sair, com uma estranha paz se instalando na sala atrás dele. As semanas que se seguiram foram diferentes. Mark estava diferente. Começou a sair mais cedo do trabalho, a desligar o telefone no jantar e a caminhar com Lucas nos fins de semana. Eles até plantaram margaridas no quintal, bem embaixo da janela da cozinha.

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“Ela gostaria disso”, disse Mark em uma tarde, tirando a poeira das mãos. Lucas acenou com a cabeça. “Sim. Acho que ela gostaria.” Dana ficou mais distante, sua presença na casa se tornou passivo-agressiva. Ela parou de comentar sobre o “humor” de Lucas e começou a passar mais noites fora com desculpas vagas e telefonemas barulhentos.

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Nenhum deles perguntou aonde ela estava indo. Por fim, ela foi embora de vez. Não houve uma grande explosão. Apenas uma mala pronta e um bilhete no balcão. Mark não a perseguiu. Ele simplesmente se virou para Lucas naquela noite e disse: “Nós vamos ficar bem” Em uma manhã clara de primavera, Lucas visitou o cemitério com Emilia. Ela tinha um girassol; ele trouxe margaridas frescas.

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Eles se ajoelharam na grama lado a lado, confortáveis no silêncio. “Ela ficaria orgulhosa de você”, disse Emilia depois de um tempo. Lucas sorriu. “Obrigado Eles caminharam para casa depois disso, o riso finalmente voltando à voz dele quando ela o provocou sobre sua caligrafia bagunçada e ele disse que ela deveria se candidatar a prefeita do cemitério.

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Quando chegaram à casa dele, Mark estava na varanda, com duas canecas de cacau na mão. “Bem-vindo de volta”, disse ele, sorrindo. E, pela primeira vez em um longo tempo, Lucas sentiu que a casa estava cheia novamente.

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