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O vento uivava como algo feroz. Raymond ficou parado na beira de seu quintal, olhando para o estranho monte de terra meio enterrado na neve. Ele não estava lá ontem. Ele se contorceu. Então, um som surgiu dele – nem um gemido, nem um rosnado. Algo intermediário.

Ele deu um passo cauteloso para mais perto, com as botas afundando profundamente na neve. A forma se deslocou novamente. O gelo estalou sob seu peso. Então, outro som. Este mais agudo. Ferido. Errado. Ele ecoou pelo pátio como se não pertencesse a nenhuma criatura que ele pudesse nomear.

Raymond parou de frio. Ele tinha oitenta e dois anos e estava completamente sozinho. A tempestade estava aumentando. A neve picava seu rosto, embaçava as árvores. Mas ele não conseguia se afastar. Havia algo lá embaixo – sob a neve. Algo vivo. Talvez morrendo. E ninguém mais estava vindo.

Raymond Carter viveu sozinho por doze longos invernos em uma casa torta, coberta de hera, na periferia de uma cidade tranquila que se estendia pelo campo. Outrora um professor conhecido por seu humor seco e sua paciência férrea, Raymond havia se refugiado em uma vida de hábitos e silêncio depois de perder sua esposa, Marlene, há mais de uma década.

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Aos 82 anos, ele ainda cortava a grama com um cortador de grama barulhento e insistia em carregar sua própria lenha, mesmo quando suas articulações gritavam em protesto. Ele não tinha filhos, nem família próxima. Apenas uma casa cheia de livros antigos, um rádio temperamental e uma vida inteira de lembranças que rangiam mais alto no inverno.

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A maioria das noites era a mesma: jantares cedo, goles lentos de chá e o zumbido do vento lá fora. Esta noite, porém, o tempo estava mudando. Uma tempestade havia se arrastado pela região o dia todo e agora estava quase chegando.

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Raymond verificou as fechaduras duas vezes, fechou as janelas e acendeu o fogo alto no fogão. Tudo estava pronto. Ele tinha acabado de se sentar na beirada da cama, com o edredom puxado até o meio das pernas, quando a campainha tocou.

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O som o sobressaltou. Ele franziu a testa, esfregando a dor nos joelhos enquanto se levantava. As visitas eram raras hoje em dia, e ainda mais raras depois do anoitecer – especialmente com um aviso de neve em pleno vigor. Raymond desceu as escadas e abriu a porta da frente para encontrar a pequena Emma Hargrove em pé na varanda, enrolada em um casaco vermelho enorme, com as bochechas coradas e os olhos arregalados.

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“Emma?”, perguntou ele, surpreso. “O que diabos você está fazendo com esse tempo?” “Eu vi algo”, disse ela rapidamente, olhando por cima do ombro. “Da janela do meu quarto. Em seu quintal. Algo se movendo sob a neve.

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Achei que você deveria saber” Raymond a encarou por um instante, tentando avaliar a seriedade de sua voz. Não parecia que ela estava brincando. “Algo se movendo?”, ele repetiu. Ela assentiu com a cabeça. “Parecia… estranho. Não sei o que era.

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Mas agora só está lá. Acho que talvez tenha ficado preso.” Uma rajada de vento passou entre eles, espalhando um pouco de neve pela varanda. Raymond esfregou a parte de trás do pescoço, inquieto. “Tudo bem”, disse ele finalmente.

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“Obrigado por me contar, Emma. Volte para dentro agora, antes que sua mãe comece a se preocupar.” Raymond observou Emma descer correndo os degraus da varanda e desaparecer na neve que soprava, sua pequena figura engolida pelo branco.

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Ele fechou a porta atrás de si e se encostou nela por um momento, ouvindo o vento uivando entre as árvores lá fora. Algo se movendo sob a neve? Ele não gostou do som disso. Ainda assim, a curiosidade – misturada com um velho instinto de proteção – o levou a agir.

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Ele vestiu seu casaco pesado, enrolou um cachecol duas vezes no pescoço e enfiou um gorro de lã no cabelo ralo. Quando ele calçou as luvas e saiu para o frio, a tempestade já havia começado para valer.

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O ar o atingiu como uma parede. O vento açoitava o quintal para os lados e os flocos de neve dançavam furiosamente sob o brilho da luz da varanda. Cada passo no caminho gelado exigia esforço, suas botas rangiam na neve acumulada.

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O quintal se estendia como um lençol pálido, com montes macios e cantos escuros espalhados sob as árvores. Raymond estreitou os olhos, tentando perceber algum movimento. No início, não havia nada. Apenas o barulho do vento, o ranger dos galhos e o silêncio implacável do inverno.

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Então ele viu. Perto da cerca mais distante, meio enterrado em uma vegetação, algo se contorcia. Ele deu alguns passos lentos para frente. A forma era indistinta, mas definitivamente estava lá. Uma protuberância irregular na neve, pouco visível, mas inegavelmente fora do lugar.

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Uma parte dela se moveu novamente, devagar demais para ser o vento, deliberado demais para ser natural. Raymond sentiu um aperto no estômago. Ele manteve distância, circulando lentamente, tentando ter uma visão mais clara. Quanto mais se aproximava, mais sua inquietação aumentava. O que quer que fosse, era grande.

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Maior do que um guaxinim ou uma raposa, com certeza – não apenas um animal azarado que tivesse entrado no quintal errado. Suas costas se erguiam e caíam em respirações rasas e difíceis. Um som fraco e abafado chegou a seus ouvidos – uma espécie de grunhido baixo.

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Ele fez uma pausa, piscando contra a neve em seus olhos. O pulso de Raymond começou a se acelerar, uma linha fria de suor escorria por sua espinha. Seu primeiro pensamento irracional foi sobre ursos. Afinal, ele vivia em uma região de ursos. Será que um filhote poderia ter ficado desorientado e caído em seu quintal?

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Mas não, a forma não era a correta. A coloração era muito pálida. E, além disso, que tipo de urso estaria ao ar livre assim, no meio de uma tempestade? Ainda assim… a ideia de se aproximar fez seu corpo ficar tenso. Ele ficou parado no local, com a neve acumulada em seus ombros, olhando para a estranha forma.

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Algo nela… não parecia natural. Raymond avançou um pouco, apertando os olhos através da espessa cortina de neve. O pedaço de terra ao lado da cerca ainda estava meio enterrado, imóvel, mas de alguma forma… presente. Não era apenas um objeto, mas algo com peso, com calor.

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Quanto mais ele se aproximava, mais conseguia distinguir: uma crista de pelo eriçado, manchas de pele pálida por baixo, o mais leve subir e descer da respiração. Suas botas rangeram em uma nova trilha e, de repente, o monte se contraiu. Raymond parou.

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Um bufo baixo atravessou a tempestade, abafado, mas inconfundível. Ele piscou os olhos. Bufo? Ele deu um passo cauteloso para perto, com o coração acelerado. O dorso do animal se ergueu levemente, revelando um torso arredondado, com cerdas grossas molhadas e aglomeradas pela neve.

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Ele sentiu um leve odor – um cheiro de mofo e terra sob o frio intenso. Seguiu-se outra bufada, mais alta dessa vez, acompanhada de um lento movimento da cabeça. Olhos pequenos e arregalados. Um focinho achatado com crostas de gelo. Raymond apertou os olhos com mais força. “Um porco?”, ele murmurou em voz alta, atônito.

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“Você só pode estar brincando comigo.” Não fazia sentido. Não havia mais fazendas por perto – pelo menos nenhuma com gado solto. E certamente não havia razão para um porco ficar fora de casa em um clima como esse. Claro, os porcos podiam sobreviver no frio, mas isso era diferente. Era um frio mortal.

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A sensação térmica era negativa. A neve se acumulava rapidamente. O que diabos ele estava fazendo aqui? O porco se mexeu novamente, grunhindo baixinho, seu corpo grosso tremendo de cansaço. Ele não se levantou. Nem mesmo tentou. Simplesmente o encarou com olhos cautelosos, como se o estivesse avaliando, como se estivesse calculando se ele era amigo ou inimigo.

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Raymond olhou para trás, na direção da casa. O vento havia aumentado ainda mais, fazendo com que círculos de neve girassem em torno de suas botas. Esse animal não duraria muito mais tempo – não desse jeito. Ainda assim, algo na maneira como ele permanecia imóvel, mesmo agora, o perturbava.

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Como se ele estivesse esperando. Ou guardando alguma coisa. Ele afastou o pensamento. Não – apenas um porco, provavelmente fugido de algum lugar. Frio, fraco, cansado demais para correr. Isso era tudo. Mas a dúvida persistia. Raymond deu um último passo, agora perto o suficiente para ouvir a respiração superficial do porco.

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Então, cautelosamente, ele se agachou – só um pouco – o suficiente para dar uma olhada melhor em seu rosto. O porco bufou mais uma vez, mas não se moveu. Raymond exalou lentamente. Ele não conseguiria levantá-lo – não nesse estado. Não aos 82 anos. Seus joelhos já doíam de tanto se agachar, e suas costas vinham lhe causando problemas há anos.

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O porco poderia não resistir, mas esse não era o problema. Ele se virou e voltou para a casa, com a neve picando suas bochechas e a frustração crescendo em seu peito. Lá dentro, Raymond fechou a porta atrás de si e se encostou nela, com a respiração instável e a mente acelerada.

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Raymond pegou o telefone fixo e discou para o Controle de Animais. Depois de vários toques, uma voz cansada atendeu. “Serviço de Controle Animal de Westbury – aqui é Diane.” Ele explicou tudo – como havia sido alertado pela vizinha, o que viu no quintal, as condições congelantes, o tamanho e a imobilidade do animal.

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Diane soltou um longo suspiro. “Vou ser honesta com o senhor. Com essa tempestade que está caindo, as estradas estão praticamente intransitáveis. Suspendemos a maioria das caminhonetes. Mas…”, ela hesitou, “vou fazer uma solicitação de despacho, para o caso de ainda haver alguém por perto.

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As chances não são boas, mas tentarei tirar alguém de lá” A esperança de Raymond se dissipou. “É tudo o que eu peço.” “Enquanto isso”, acrescentou ela, “se houver alguma maneira de lhe dar abrigo ou calor, faça o que puder. Se ele estiver parado, é porque está com problemas”

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Raymond franziu a testa, olhando para trás pela janela. “Não vai ser exatamente fácil movê-lo”, disse ele. “É grande. E eu não sou tão forte quanto costumava ser.” Houve uma pausa. Então Diane respondeu: “Não precisa levantá-lo, senhor. Se ele ainda puder andar, tente levá-lo para um lugar abrigado”

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Ele agradeceu e desligou, olhando para o receptor por um longo momento antes de colocá-lo no gancho. Calor – essa era a chave. Mas como exatamente ele poderia guiar um porco meio congelado em uma tempestade de neve?

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Ainda assim, ele não podia deixá-lo congelar. Ele tinha que tentar alguma coisa. Ele examinou a cozinha. Não havia feno, nem lâmpadas de aquecimento – isso não era um celeiro. Mas talvez a comida pudesse convencê-lo. Os porcos eram inteligentes. E os porcos eram gananciosos. Ele abriu a despensa e vasculhou as prateleiras inferiores.

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Depois de deixar de lado os pêssegos enlatados e a sopa, encontrou um velho pote de manteiga de amendoim. Grossa. Salgada. Com cheiro forte. Ele se lembrava de Marlene ter dito uma vez que os porcos adoravam aquilo. Ele não tinha certeza se era verdade, mas valia a pena tentar.

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Raymond pegou o pote, uma colher e uma velha forma de alumínio para tortas. Ele espalhou uma boa quantidade no centro do prato, com seu aroma já se espalhando pelo ar quente da cozinha. Talvez, apenas talvez, ele seguisse o cheiro até o abrigo.

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Ele pegou a lanterna novamente, se agasalhou em camadas duplas e entrou mais uma vez na tempestade. Dessa vez, o vento soprou mais forte, cortando o rosto de Raymond e puxando seu casaco como dedos ávidos.

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Ele segurou o prato de lata, com a camada rasa de manteiga de amendoim grudada nele como se fosse um doce. O cheiro já estava cortando o frio, espesso e distinto no ar gelado. Raymond se moveu com cuidado, refazendo seu caminho anterior pelo pátio.

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A neve havia subido rapidamente; suas pegadas anteriores já haviam desaparecido, como se ele nunca tivesse estado aqui. O feixe de luz de sua lanterna saltava e balançava enquanto ele caminhava e, finalmente, pousou no pedaço imóvel perto da cerca.

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Ainda estava lá. Ainda meio enterrado. Ainda estava observando. O porco não havia se movido desde que Raymond saiu. Parecia ainda mais fraco agora – curvado, tremendo, coberto de gelo. A neve havia se acumulado ao longo de seu dorso, agarrando-se às cerdas em cristas rígidas.

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Apenas a sutil subida e descida do peito dava qualquer sinal de que ainda estava respirando. Raymond diminuiu a velocidade, agachou-se a alguns metros de distância e deslizou a lata de manteiga de amendoim para a neve. “Aqui está”, ele murmurou. “Está quente por dentro. E seco.”

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As orelhas do porco se contorceram. Ele não bufou nem grunhiu. Apenas ficou olhando. Então, um som. Não do porco. Um gemido fraco e abafado. Raymond se enrijeceu. Outro guincho, suave e tenso, surgiu sob o corpo do porco. Ele se inclinou um pouco para o lado, apertando os olhos em meio ao vento.

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Foi então que ele viu – um lampejo de movimento sob a barriga do porco. Um pequeno tremor na neve, como se algo escondido embaixo dela tivesse se mexido. Algo vivo. O porco se mexeu ligeiramente, enrolando-se mais em torno da forma que estava embaixo dele.

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Por um segundo, Raymond vislumbrou uma mancha de pelo. Não era do porco. Outra coisa. Menor. Estava protegendo-o. Ele não se mexeu. Não respirou. Fosse qual fosse a criatura, o porco a mantinha aquecida – protegendo-a com o que restava de sua força. Não estava apenas sobrevivendo.

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Estava salvando outra coisa. O coração de Raymond bateu forte. Ele se levantou lentamente e deu vários passos em direção ao galpão. Em seguida, abriu a porta, estendeu o velho cobertor de acampamento e esperou. Não demorou muito.

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O cheiro deve ter feito o resto. Ele se virou a tempo de ver o porco se levantar, trêmulo, mas determinado. Ele avançou cambaleante pela trilha que ele havia aberto – parando apenas uma vez para olhar para trás, para a pequena cavidade que havia deixado para trás -, depois entrou mancando no galpão e caiu sobre o cobertor, totalmente esgotado.

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Raymond não perdeu tempo. Ele correu pelo quintal, ajoelhou-se no buraco e começou a remover a neve com as duas mãos. A crosta estava compactada e dura, mas não era profunda. Então seus dedos a encontraram. Um pedaço de pelo úmido.

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Um corpo pequeno e enrolado. Trêmulo. Ainda vivo. Ele o enrolou em seu cachecol, embalou-o contra o peito e o levou para o galpão. O porco o observava, com os olhos semicerrados, mas acompanhando todos os seus movimentos. Ele colocou a trouxa ao lado dela.

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A criaturinha se mexeu – mal – e se apertou no calor do flanco do porco. Raymond se ajoelhou ali por um longo momento, com a neve pingando de seu casaco e a respiração em nuvens. Eles haviam chegado até aqui. Agora cabia a ele garantir que chegassem até o fim do caminho.

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A tempestade estava implacável agora, rodopiando como um ser vivo, arranhando o casaco de Raymond enquanto ele cambaleava de volta para o galpão. Lá dentro, o porco estava imóvel, com seu corpo maciço enrolado em torno da criatura minúscula e trêmula.

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O cobertor embaixo deles estava úmido, mas oferecia algum isolamento do chão gelado. Raymond se ajoelhou ao lado deles, recuperando o fôlego. A frágil criaturinha se aninhou na curva da barriga do porco, com seus membros minúsculos se contorcendo, a respiração trêmula, mas real.

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Seu pelo era fino, fino demais para esse tipo de clima, e seus ossos pareciam galhos sob os dedos de Raymond. Isso não era algo com que ele pudesse lidar sozinho. Não aqui fora. Não esta noite. Ele tirou o telefone do casaco e discou. A linha tocou uma vez.

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“Dr. Morris”, veio a voz áspera, mas familiar. “Sou eu. Raymond”, disse ele, com a voz rouca por causa do frio. “Estou com uma coisa. Um porco, estava congelando lá fora, na neve. E mais alguma coisa. Um… nem sei o que é. Pequeno e fraco, acho que está com problemas.”

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Houve silêncio por um instante. “Tragam-nos aqui. Agora”, disse Morris com firmeza. “Vou preparar o quarto. Dirija com cuidado, Ray.” Raymond desligou e ficou parado por um momento, olhando para a porca e para a pequena criatura empacotada ao seu lado. Ele tinha oitenta e dois anos.

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Suas costas não eram mais o que costumavam ser. Levantar até mesmo a metade do peso do porco poderia deixá-lo inconsciente por dias – ou pior. Mas não havia tempo para cautela. Não agora. Não com vidas em risco. Ele enrolou a pequena criatura firmemente em seu cachecol e depois se voltou para o porco. Pegando o cobertor de acampamento, ele o enrolou em volta dela o melhor que pôde.

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O vento o atingiu no momento em que ele abriu a porta do galpão. Raymond se preparou. Com um braço sob o peito do porco e o outro puxando-o para trás, ele começou a se arrastar. Suas pernas tremiam. O fogo descia por sua espinha a cada passo. Mas o porco não resistiu. Ele gemeu levemente, pesado e mole, e deixou que ele o conduzisse.

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Cada centímetro em direção ao caminhão parecia uma milha. Mas ele não parou. Não podia. Chegou à caminhonete e colocou o porco na cama com toda a força que ainda restava em seu corpo. Em seguida, voltou-se para a criatura menor, ainda enrolada em um pano. Quando se abaixou para levantá-la, seu pé bateu na borda gelada da estrada.

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Suas pernas saíram voando de debaixo dele. O chão bateu em suas costas. Um lampejo de dor branca subiu por sua coluna. Ele ofegou, sem fôlego. Por um momento, ele não conseguiu se mover. O frio se infiltrou nele, rápido e punitivo. Não. Agora não.

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Ele cerrou a mandíbula, com os dentes cerrados contra a dor, e se forçou a rolar. A criatura enrolada em um cobertor estava deitada a poucos metros de distância, intocada. Gemendo suavemente. Raymond gemeu, ajoelhou-se e se arrastou até ela.

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Ele puxou a trouxa contra o peito e se levantou, um pé de cada vez, com a respiração ofegante. Cambaleou até a caminhonete, abriu a porta do passageiro e gentilmente colocou a criatura no assento. Em seguida, subiu ao volante, com todos os músculos de suas costas gritando em protesto.

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Mas ele não parou. Ele ligou o motor e saiu para a estrada. Os limpadores de para-brisa mal conseguiam acompanhar o ritmo. A neve batia no vidro como punhos, e a estreita estrada rural desaparecia a cada poucos segundos sob um redemoinho de branco.

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Raymond se inclinou para frente no assento, semicerrando os olhos, com os nós dos dedos brancos no volante. Suas costas latejavam a cada solavanco na estrada. O que quer que ele tenha feito quando caiu, não foi algo pequeno. Mas não havia tempo para pensar nisso agora.

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O porco estava enrolado na caçamba da caminhonete, imóvel, mas respirando. A criatura minúscula estava enrolada ao lado dele no banco do passageiro, envolta no velho casaco de lã de Raymond, seu hálito embaçando levemente contra a janela.

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“Aguente firme”, murmurou Raymond. “Estamos perto.” Ele fez a longa curva na Hollow Creek Road rápido demais – ele percebeu no momento em que os pneus perderam a tração. O caminhão estremeceu. A traseira começou a deslizar. As árvores passaram embaçadas por sua janela.

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Raymond puxou o volante, com o coração batendo forte. A picape derrapou lateralmente na estrada gelada, fez um rabo de peixe uma ou duas vezes antes de se prender no cascalho seco perto do acostamento. Ela sacudiu e depois se endireitou. Ele ficou sem respirar por cinco segundos.

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Depois, forçou-se a continuar dirigindo. As luzes apareceram à frente, fracas em meio à neve. O prédio da pequena clínica, uma casa de fazenda convertida e escondida perto da estrada, ficou à vista. Ele entrou no estacionamento, com os freios rangendo, e no momento em que o caminhão parou, a porta da clínica se abriu.

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O Dr. Morris estava na entrada, de uniforme e botas, já correndo em sua direção. Raymond saiu cambaleando da cabine, estremecendo a cada passo. “Lá atrás”, disse ele, com a voz embargada. Juntos, eles puxaram o porco para dentro primeiro, depois a criatura empacotada.

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Morris não disse nada, apenas se moveu com uma velocidade praticada, dando ordens a um jovem assistente que havia aparecido no corredor. “Coloque-a aqui”, disse Morris, acenando com a cabeça para a mesa acolchoada. Com cuidado, ele desembrulhou a pequena figura e a examinou com mãos cuidadosas e experientes.

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Raymond pairava ao lado dele, com todos os músculos de seu corpo tensos. Morris finalmente olhou para cima. “O pequenino é um lutador”, disse ele. “Frio, desnutrido, desidratado – mas está se segurando.” Raymond soltou um suspiro trêmulo. “E o porco?”

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“Choque e exposição. Mas ela está estável. Você os encontrou juntos?” Raymond assentiu com a cabeça. “Ela manteve o pequeno aquecido. Guardou-o.” Morris piscou lentamente, estudando a criatura novamente. Então, gentilmente, ele separou o pelo ao redor do focinho. “Então, o que é isso, um cachorro de rua?”

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“Claro, mas esse carinha não é um vira-lata qualquer”, disse ele. “Olhe para o focinho. O formato dos olhos.” Ele se virou para Raymond. “Você tem um híbrido.” Raymond franziu a testa. “Um quê?” “Cão e lobo”, disse Morris em voz baixa. “Provavelmente de segunda geração.

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“Talvez tenha sido deixado de lado pelo dono quando as coisas se complicaram, quem sabe?” Disse Morris, dando de ombros. Raymond olhou para a figura pequena e trêmula, envolta em cobertores e descrença. “Ela não teria sobrevivido sem o porco”, acrescentou Morris.

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“Eles não se unem assim sem um motivo.” Raymond olhou entre eles – o porco enorme e maltratado deitado tranquilamente em uma almofada aquecida e a criatura meio congelada pressionada contra o flanco dela. E ele sabia o que tinha de fazer.

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Raymond sentou-se no canto da sala de exames, sem jaqueta, com a coluna rígida, observando o veterinário trabalhar. Sua respiração finalmente havia se acalmado, mas a adrenalina ainda não o havia abandonado totalmente. Ela zumbia em seu peito, atrás das costelas, recusando-se a se acalmar.

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O porco – agora limpo e aquecido – estava deitado em uma esteira aquecida, com os olhos semicerrados, mas ainda alerta. Ela não tirava o olhar da criatura menor que estava ao seu lado. Nem mesmo por um momento. A pequena híbrida havia parado de tremer.

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Seu peito minúsculo subia e descia em um ritmo constante, com os olhos fechados e uma pata se contorcendo de sono. “Ela vai sobreviver”, disse o Dr. Morris. “O porco também vai conseguir. Ela só precisa descansar. Hidratação. De comida. Mas esse é um vínculo que não se quebra” Raymond assentiu lentamente com a cabeça.

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“Eles ficam juntos”, disse ele em voz baixa. “Independentemente do que tenham passado… eles conseguem manter um ao outro.” Morris deu um pequeno sorriso. “Você está pensando o que eu acho que você está pensando?” Raymond não respondeu de imediato.

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Ele se levantou, caminhou até a mesa e passou a mão gentilmente sobre o pelo grosso do porco. A orelha dela se moveu em resposta, mas ela não se afastou. Ele olhou para a híbrida adormecida. Suas orelhas se contraíam enquanto ela sonhava. “Eu tenho o quarto”, disse ele. “E eu poderia usar a companhia.”

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Ainda estava nevando na manhã seguinte quando Raymond entrou em sua garagem, com o sol brilhando fracamente entre as nuvens pesadas. A estrada havia sido liberada apenas o suficiente para chegar em casa. No banco de trás, a pequena criatura se remexeu, piscando para ele com olhos que não estavam mais nublados, mas brilhantes e cautelosos.

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Ao lado dela, aninhada em cobertores, a porca cochilava tranquilamente, com a respiração profunda e lenta. Raymond saiu e abriu a porta. “Venham, vocês dois”, disse ele suavemente. “Bem-vindos ao lar.” Ele os levou para dentro, um de cada vez, acomodando-os perto da lareira – a porca em um tapete grosso e velho, o híbrido enrolado ao lado dela.

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O calor das chamas pintou a sala em um dourado suave. Raymond serviu-se de uma caneca de chá, a dor nas costas ainda era aguda, mas suportável. Ele se abaixou em sua cadeira e ficou sentado em silêncio. Lá fora, a tempestade havia passado.

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Dentro, a velha casa parecia… cheia novamente. A porca abriu um olho e depois descansou o queixo gentilmente ao lado da criatura. O híbrido piscou para Raymond. Ele deu um pequeno sorriso. “Vocês precisarão de nomes”, disse ele, principalmente para si mesmo. E, pela primeira vez em anos, enquanto o fogo crepitava e a neve derretia nas janelas, Raymond não se sentiu sozinho. Nem um pouco.

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