Samantha colocou sua caneca de café sobre a mesa do jardim, respirando o ar fresco da manhã. Do outro lado do gramado, seu amado coelho Pablo brincava entre as margaridas, pulando alegremente atrás das borboletas. Sorrindo, Samantha tomou um gole lento de seu café, saboreando a paz da manhã iluminada pelo sol.
O dia estava perfeito – sol brilhante, uma brisa suave, pássaros cantando nas árvores. Samantha pegou o celular, folheando preguiçosamente as mensagens, quando um grito agudo e estridente interrompeu a calma. Ela olhou rapidamente para cima, com o coração aos pulos, e avistou uma enorme águia circulando no alto.
O grito agudo agitou a vizinhança. As portas se abriram, os vizinhos se espalharam pelas varandas, esticando o pescoço em direção ao céu. Samantha ficou congelada, com um nó de inquietação apertando seu peito. Ela ainda não sabia, mas aquela manhã dourada estava prestes a se transformar em um pesadelo que ela jamais esqueceria.
Era uma daquelas manhãs tranquilas de sábado em que tudo parecia estar parado. Samantha tinha acabado de acordar, com a luz do sol incidindo suavemente sobre as margaridas do lado de fora de sua janela. Dentro de casa, seu coelho Pablo puxava brincalhão as borlas da cortina. Isso a fez sorrir. Pela primeira vez, nada parecia apressado. Apenas… calmo.

Ela nem sempre viveu assim. Aos trinta e oito anos, Samantha já esteve enterrada em contratos e prazos como advogada corporativa em Nova York. Mas depois que o divórcio lhe tirou o tapete, a cidade perdeu seu brilho. O barulho, as multidões – tudo isso se tornou demais para suportar.
Então ela foi embora. Um carro superlotado e algumas lembranças a mais depois, ela chegou a uma tranquila cidade do subúrbio. A casa que ela comprou era velha e velha, mas charmosa de uma forma cansada. Parecia uma página em branco – e ela precisava desesperadamente de uma.

Enquanto limpava o velho galpão do jardim, ela moveu uma pilha de caixas empoeiradas e ouviu um leve farfalhar embaixo delas. Curiosa, ela levantou uma delas e lá estava ela. Um pequeno coelho branco, de olhos arregalados e tremendo, pouco maior que sua mão. Não havia mãe à vista, apenas pelo macio e medo.
O instinto tomou conta dela. Ela pegou o bichinho em seus braços, sentindo o batimento cardíaco dele bater contra seu peito. Naquela noite, ela o batizou de Pablo – em homenagem a um personagem de TV que a fazia rir quando nada mais conseguia. Foi impulsivo. Mas, de alguma forma, se encaixou.

Daquele dia em diante, Pablo se tornou o centro de seu mundo. Ela não esperava que um coelho fosse tão inteligente – descobrindo rotinas, sabendo onde ficava o pote de guloseimas e até mesmo respondendo ao seu nome. Ele não era apenas adorável; era perspicaz, curioso e cheio de personalidade. Ela ficou completamente encantada.
Dois anos depois, o pequeno filhote que ela encontrou havia se tornado um explorador animado e curioso. Ele conhecia os rangidos do assoalho melhor do que ela e reivindicava cada pedaço de sol quente como seu. Samantha sempre se perguntava: ela o havia resgatado ou ele a havia resgatado?

Naquela manhã, com o café na mão, ela se sentou no degrau dos fundos e o observou perseguindo borboletas pelo jardim. A luz refletia o pelo dele na medida certa. Por um momento, tudo ao seu redor – a casa, o jardim, até mesmo o silêncio – parecia ter se encaixado.
Ela se inclinou para trás, deixando a brisa passar por seu rosto. A cidade que antes parecia uma parada estranha agora parecia um lar. O silêncio não a assustava mais. Ele a amparava. O passado ainda existia, é claro, mas já não a atormentava como antes.

Enquanto observava Pablo pulando e mordiscando as flores nos arbustos, ela soltou um suspiro de satisfação. O mundo parecia gentil novamente, pela primeira vez, o zumbido silencioso da vida ao seu redor a embalava em uma paz que ela não havia percebido que ainda desejava.
Sem aviso, um grito agudo cortou a calma. Samantha se levantou, com o café escorrendo pelo pulso enquanto seu coração saltava para a garganta. As janelas de todo o quarteirão se abriram. Os vizinhos se inclinaram para fora, examinando os céus, tentando descobrir o que havia acabado de interromper a manhã pacífica.

Acima dos telhados, uma águia circulava em arcos largos e poderosos, suas asas lançando longas sombras pelos pátios. Então, em um movimento rápido, ela mergulhou. Samantha mal empurrou sua cadeira para trás antes de vê-lo – Pablo levantou do chão, um flash de branco subindo rapidamente para o céu.
Por um momento, ela não conseguiu se mover. Pablo se contorceu e chutou sob a garra da águia, seu pequeno corpo indefeso contra a força do pássaro. O choque foi repentino demais, cruel demais para ser processado. Um grito esfarrapado e desesperado saiu de sua garganta, perfurando o ar da mesma forma que a águia havia feito momentos antes.

As pessoas começaram a sair de suas casas, atraídas pelo barulho. Os vizinhos se reuniram ao longo das calçadas e cercas, com as bocas abertas em um silêncio atônito. Acima deles, a águia subiu mais alto, com Pablo ainda pendurado em suas garras. Ninguém disse uma palavra. A cena não parecia possível – mas estava lá.
Samantha cambaleou para trás, segurando o peito como se pudesse se manter firme. Poucos minutos atrás, Pablo estava saltitando pelo jardim. Agora ele havia desaparecido, sumindo nas nuvens. Tudo aquilo parecia uma alucinação – estranho demais, selvagem demais para pertencer à sua vida tranquila.

“O que aconteceu?”, alguém perguntou baixinho, ainda olhando para o céu. Outro vizinho balançou a cabeça com um olhar sombrio. Ninguém ficou surpreso com o fato de uma águia ter pegado um coelho – afinal, era a natureza. Mas a maneira como aconteceu – tão repentina, tão perto de casa – deixou todo mundo perturbado.
Os boatos corriam silenciosamente pela vizinhança, assim como Samantha permanecia imóvel em sua varanda. “Ele estava aqui”, ela continuava sussurrando, como se o fato de dizer isso várias vezes pudesse reverter o que havia acontecido. Os vizinhos observavam de suas entradas, com os olhos arregalados de pena, sem saber ao certo o que fazer ou dizer.

Naquela tarde, ela reuniu a melhor foto de Pablo – aquela em que ele estava empoleirado nas margaridas – e imprimiu várias cópias. COELHINHO PERDIDO. RECOMPENSA OFERECIDA. Ela andou de quarteirão em quarteirão, prendendo-as em postes, em árvores, em vitrines de lojas. Suas mãos se moviam sozinhas, como se estivessem programadas.
No supermercado, alguém olhou para o pôster e lhe deu um sorriso suave e simpático. Na biblioteca, um transeunte simplesmente balançou a cabeça e sussurrou: “Que triste” As pessoas não faziam perguntas. Elas presumiam o que havia acontecido – e a pena delas só fazia Samantha se sentir mais vazia por dentro.

Quando chegou em casa, exausta e queimada pelo vento, ela abriu o laptop e escreveu um post para o grupo do Facebook da cidade. Ela contou tudo – o grito, a sombra, o clarão branco. Seus dedos hesitaram no final antes de digitar: “Por favor, me avise se você viu alguma coisa”
A publicação chamou a atenção rapidamente. Os comentários chegaram cheios de tristeza e descrença. “Sinto muito.” “Isso é devastador.” “A natureza é cruel às vezes.” Dezenas de mensagens gentis chegaram, mas todas pareciam despedidas. Nenhuma pessoa realmente acreditava que Pablo ainda estivesse por aí. Samantha leu cada palavra com o peito pesado.

Alguém sugeriu que ela ligasse para o controle de vida selvagem. Outro postou um link para um artigo sobre pássaros predadores. Algumas pessoas disseram: “Nunca se sabe” – mas até mesmo essas palavras estavam carregadas de finalidades. Eles estavam tentando ser gentis, mas cada resposta diminuía o pouco de esperança que lhe restava.
Mesmo assim, ela não conseguia parar. Talvez a águia o tenha derrubado. Talvez ele tenha se soltado. Talvez estivesse escondido em algum lugar, com medo e frio. Era improvável – ela sabia disso. Mas toda vez que fechava os olhos, imaginava Pablo lá fora, vivo, esperando que ela o encontrasse.

Em meio à enxurrada de condolências no Facebook, alguns bons samaritanos comentaram com outra coisa: ofertas de ajuda. Estranhos. Um deles disse que tinha um drone. Outro ofereceu botas e uma lanterna. Samantha respondeu com os dedos trêmulos, dando-lhes o endereço da lanchonete local como ponto de encontro.
Para sua surpresa, as pessoas apareceram. Apenas seis, mas era o suficiente. Depois de breves apresentações, todos ficaram ao redor de um telefone, percorrendo juntos os comentários do Facebook. A pista mais clara veio de um garoto que mencionou ter visto um grande pássaro voando em direção à floresta, passando pelos campos. Não era muito, mas era mais do que eles tinham. Eles trocaram olhares e concordaram em silêncio – era por ali que começariam.

A grama do campo roçava suas pernas enquanto caminhavam, com as lanternas piscando à frente. Samantha os acompanhava, com a respiração curta e os olhos examinando cada forma. Cada som fazia seu coração estremecer – um galho estalando, um pássaro batendo asas. Pablo poderia estar por perto. Ou não. A adivinhação a desgastava a cada passo.
A floresta parecia mais pesada do que o céu. Raízes retorcidas arranhavam a terra e galhos baixos arranhavam sua pele. Samantha continuou procurando – embaixo dos arbustos, atrás das pedras, no alto das árvores. A lama manchou seu jeans. Suas mãos ardiam. Mas ela prosseguiu, alimentada por algo mais obstinado do que a esperança.

Eles se espalharam, com vozes baixas, movendo-se cuidadosamente pela floresta. Alguns sussurravam o nome de Pablo; outros afastavam os espinhos com bengalas. Samantha havia imaginado pistas, sinais, algo a ser seguido. Mas só havia terra escura, ar pesado e o silêncio angustiante de não encontrar nada.
Ao anoitecer, a dúvida se instalou. Alguns murmuraram sobre a escuridão crescente, outros trocaram olhares que diziam tudo. Samantha captou as palavras – eles achavam que ele não seria encontrado. Cada comentário chegava como uma rachadura no vidro, pressionando ainda mais a frágil força que ela mal estava conseguindo manter.

Quando voltaram para a casa dela naquela noite, a busca não havia dado em nada. Samantha desabou nos degraus da varanda, com os membros pesados e o espírito vazio. A dor em seu peito a fez lembrar dos piores dias após o divórcio. Até mesmo o tique-taque do relógio interno parecia estar zombando dela.
Ainda assim, enterrado sob o peso da exaustão, algo em seu interior a pressionava. Sua tenacidade como advogada aflorou e ela se lembrou de como havia vencido casos em que tudo estava contra ela. Ela se recusava a desistir agora. Amanhã, ela tentaria novamente. Ela procuraria por mais tempo, cavaria mais fundo e continuaria até que algo cedesse.

Na manhã seguinte, ela se levantou com uma nova determinação endurecendo seu peito. Já fazia mais de dois dias que Pablo havia desaparecido e o tempo estava trabalhando contra ela. Se ela não agisse agora – de forma mais inteligente e mais rápida – ele poderia escapar do seu alcance. Ela não deixaria isso acontecer. Não enquanto ainda tivesse fôlego.
Ela saiu para a névoa fresca, esperando por outra onda de apoio. Mas apenas duas pessoas haviam retornado – rostos familiares, esperando em silêncio perto da varanda. Uma delas tinha uma caixa de transporte para animais de estimação, enquanto a outra segurava uma coleira, com olhos cansados, mas gentis. A onda de voluntários de antes havia diminuído. A esperança claramente havia se esgotado.

Por um breve segundo, a dúvida se instalou. Talvez eles estivessem certos. Talvez ele tivesse ido embora. Mas Samantha engoliu o medo que se formou em sua garganta e endireitou a coluna. Ela não tinha chegado até aqui para ir embora. Pablo havia lhe dado luz quando ela precisou. Agora, ela retribuiria o favor.
Ela precisava de mais do que determinação – precisava de direção. Pegando o celular, ela folheou as mensagens e os nomes até que um chamou sua atenção: seu amigo íntimo que morava em algumas cidades vizinhas. Ela não sabia se ele teria tempo para aparecer, mas valia a pena tentar. Ela precisava de toda a ajuda que pudesse reunir.

Hesitando por apenas um segundo, ela digitou: “Alex, sei que é pedir muito. Mas preciso de sua ajuda. Pablo está desaparecido – estamos procurando na floresta. Se você puder vir…” Ela clicou em enviar. A mensagem parecia um apelo, mas também parecia ser sua última boa carta para jogar.
O tempo passava dolorosamente. Samantha ficou congelada nos degraus da varanda, segurando o telefone com tanta força que chegava a doer. Então a tela se iluminou. Ela piscou ao ver a resposta: “Eu soube. Já estou pegando meu equipamento. Estarei aí em breve” Sua respiração ficou presa. Seu corpo caiu. Finalmente, estava chegando alguém que poderia ajudar.

Alex chegou algumas horas depois, saindo de sua picape empoeirada com uma mochila sobre um dos ombros. O clima mudou instantaneamente. Até mesmo os dois voluntários ficaram mais eretos. Samantha correu para cumprimentá-lo, e suas palavras saíram engasgadas de emoção. O simples fato de vê-lo lhe trouxe de volta uma enxurrada de força.
Reunindo o pequeno grupo, Samantha começou a elaborar o plano. Eles precisavam de alguma pista sólida, então pesquisaram no Google vários artigos sobre o comportamento das águias e decidiram que tinham mais chances de encontrar Pablo perto dos penhascos rochosos no final da floresta, pois as águias geralmente fazem seus ninhos no alto – em penhascos ou árvores altas.

Um lampejo de esperança surgiu entre o grupo. Finalmente, eles tinham uma direção – um verdadeiro caminho a seguir em vez de uma busca sem objetivo. Samantha ajustou as alças de sua mochila, com uma determinação tranquila em seu peito. Com Alex e seu grupo de voluntários ao seu lado, elas partiram em direção aos penhascos, com os corações acelerados e os nervos desgastados pela urgência.
Quando a floresta se fechou em torno deles novamente, algo pareceu diferente. Dessa vez, Samantha não estava tropeçando no escuro. Eles tinham um propósito, um motivo para continuar avançando. Não havia mais suposições – apenas determinação fundamentada na verdade e uma falta de vontade de deixar Pablo desaparecer sem lutar.

Eles seguiram em frente, com os penhascos ainda escondidos. A lanterna de Samantha tremia levemente em seu punho. Sem aviso prévio, uma névoa pesada começou a descer do terreno mais alto – espessa e fria, envolvendo suas pernas. Logo, até as árvores próximas se transformaram em sombras. Tudo à frente se transformou em um borrão.
Em minutos, o mundo se estreitou. Suas luzes mal conseguiam atravessar a névoa, e a floresta se tornou um labirinto de cinza inconstante. Samantha forçou os olhos, mas as formas à frente se recusavam a permanecer sólidas. A inquietação cresceu em suas entranhas. Se Pablo estivesse por perto, eles poderiam passar direto por ele.

O grupo começou a tropeçar – tropeçando em raízes, escorregando na vegetação úmida. Samantha ouviu alguém gritar de dor. Lanternas tremulavam em confusão, vozes se elevavam em pânico. Parecia que a floresta os estava engolindo por inteiro. O que começou como uma missão estava se transformando em um caos ao seu redor.
Uma voz atrás dela resmungou: “Isso é uma loucura” Outra acrescentou: “Isso não tem sentido, aquele coelho já deve estar morto” As palavras caíram como socos. Samantha não respondeu – ela não podia. Ela mordeu com força, engolindo o ferrão da mágoa. Mesmo assim, ela seguiu em frente, determinada a não deixar que a dúvida deles a atrasasse.

Lentamente, as pessoas foram se afastando. Em silêncio, os dois voluntários desapareceram na neblina, voltando para trás. Quando Samantha olhou para frente, não havia ninguém ao seu lado, exceto Alex. Mesmo assim, ela seguiu em frente, com as pernas doendo e os pulmões queimando. Ela não podia desistir. Não quando Pablo ainda precisava dela. Não sem ter um desfecho.
À medida que o sol atravessava a névoa, as árvores se afinavam o suficiente para revelar um buraco pantanoso no chão da floresta – uma vala larga e rasa, cheia de lama e arbustos emaranhados. Samantha piscou os olhos em meio à névoa. Então, sua lanterna captou um lampejo de branco, pouco visível em meio à sujeira.

Com o coração acelerado, ela cambaleou para a frente, com as botas rangendo na terra molhada ao chegar à beira da vala. Sua respiração ficou presa. Um pedaço de pelo – encharcado de lama, emaranhado, inconfundivelmente branco – estava meio enterrado na lama. O sangue manchava o chão ao redor dele. Ela se ajoelhou e o peso da esperança se desfez de uma só vez.
Seu corpo congelou. Seu cérebro se esforçou para processar o que ela estava vendo, mas seu peito já sabia. Seus braços tremiam, suas pernas mal a sustentavam. Sem pensar, as lágrimas escorreram por seu rosto. Um som esfarrapado escapou de seus lábios, algo entre um soluço e um grito.

Alex apareceu ao lado dela em um instante, com uma expressão tensa de preocupação. “Não se mova”, disse ele, calmo, mas firme. Samantha não conseguiria se tentasse. Ela ficou congelada, observando enquanto ele descia cuidadosamente a vala rasa em direção à forma pequena e imóvel que descansava na terra.
O tempo parecia ter parado. As unhas de Samantha cravaram-se nas palmas das mãos. Seu peito doía de tanto prender a respiração. Então, Alex se virou e olhou de volta para ela. O alívio se espalhou por seu rosto. “Não é o Pablo”, disse ele gentilmente. “É um esquilo branco.” As palavras atravessaram a névoa como uma luz.

O alívio a invadiu tão repentinamente que quase a derrubou. Não era o Pablo. Ele ainda estava lá fora. Mas a adrenalina que a mantinha de pé foi drenada de uma só vez, deixando-a fraca. Samantha afundou em uma pedra próxima, com o rosto caindo em suas mãos, oprimida por tudo ao mesmo tempo.
As lágrimas vieram em ondas – profundas, guturais, imparáveis. A névoa se agarrava à sua pele, mas o tremor não era de frio. Sua mente girava em torno de lembranças dolorosas: seu antigo apartamento em Nova York, o silêncio após o divórcio, os longos dias que passou reconstruindo – e agora isso, perder Pablo, seu último fio de paz.

A culpa a atingiu como um martelo. Se ao menos ela tivesse ficado mais perto. Se ela não estivesse tomando café em vez de observá-lo. Se ao menos tivesse notado a águia e levado Pablo para dentro a tempo. Cada detalhe se transformava em outro arrependimento, acumulando-se sobre seus ombros até que ela mal conseguia respirar com o peso.
Ao seu redor, a floresta estava embaçada. Alex estava por perto, inquieto e inseguro. Samantha sentou-se encolhida sobre si mesma, com a tristeza pulsando como um segundo batimento cardíaco. Uma pequena voz em seu interior a incitava a desistir. Voltar para casa. Deixar para lá. Talvez fosse aqui que tudo deveria terminar.

Então, Alex se ajoelhou na frente dela, firme e com os pés no chão. Suas mãos repousaram sobre os ombros dela, sua voz calma, mas cortando a névoa. “Sam, você não pode parar por aqui. Ele é sua família. Você já foi longe demais. Você tem que continuar – até que não haja mais nada para tentar.” Suas palavras foram profundas.
Ela olhou para cima, com a respiração presa na garganta. Ainda doía – tudo ainda doía – mas Alex estava certo. A voz dele havia rompido a desesperança de Samantha. Com dedos trêmulos, ela limpou o rosto, respirou fundo e se levantou lentamente. Não, ela não deixaria que isso fosse o fim. Ainda não.

Assim que Samantha se levantou, seu telefone tocou bruscamente contra sua perna. Ela o puxou, preparando-se para mais respostas vazias. Mas dessa vez foi diferente – um novo comentário apareceu na postagem. Alguém havia encontrado um conjunto de penas de águia. Dezenas delas perto do pomar velho e abandonado.
Sua respiração ficou presa. Ela tocou na imagem. Espalhadas pela grama seca, havia penas grandes e impressionantes – brancas e marrons, claras como o dia. Seu peito se apertou. O pomar ficava nos limites da cidade. Ela se virou para Alex, com os olhos arregalados e a voz trêmula de urgência. “Isso pode ser alguma coisa”, ela sussurrou. “Uma pista de verdade.”

Sem esperar, ela e Alex seguiram rapidamente em direção ao pomar de maçãs. Eles atravessaram campos abertos, avançando em direção ao pomar. Embora a névoa tivesse se dissipado, um silêncio pesado os cercava. Parecia que até o ar estava prendendo a respiração, esperando pelo que viria a seguir.
O pomar se erguia à frente – árvores com gnaisse curvadas pelo tempo e pelas intempéries, delimitadas por um muro de pedra rachada. Samantha passou por ele sem diminuir a velocidade. Alex a seguiu, com as lanternas cortando as fileiras retorcidas. Seu coração batia forte, mais alto do que o barulho da grama sob suas botas. Algo a estava puxando para frente.

Perto da segunda fileira de árvores, ela avistou algo pálido. Seu estômago se revirou. Correndo para a frente, ela se ajoelhou. Seus dedos tocaram a borda de uma enorme pena – larga, bonita e inconfundivelmente uma pena de águia. Ela ficou olhando para ela, mal conseguindo respirar. Em seguida, acenou para Alex, com uma faísca reacendendo em seu peito.
O momento a fez despertar completamente. Ela se virou no lugar, com a lanterna passando por galhos e arbustos, procurando por todos os lados. Tinha de haver mais – mais penas, um rastro, talvez até o próprio Pablo. Seu olhar percorria as árvores, ávido por qualquer sinal, qualquer forma que não pertencesse a elas.

Alex e Samantha se moveram rapidamente pelo pomar, entrelaçando-se entre as árvores retorcidas, com as lanternas varrendo o chão e os galhos acima. A respiração de Samantha vinha em rajadas curtas, o peito apertado pela exaustão e por algo mais agudo – esperança. No fundo, ela sentia isso. Pablo estava perto. Ela não sabia explicar como – ela simplesmente sabia.
Sua luz se fixou em algo e ela parou no meio do caminho. No alto do velho galpão, um enorme ninho se espalhava pelo telhado caído – uma fortaleza desarrumada de galhos, palha e galhos quebrados. Parecia antigo, como se a própria madeira tivesse dado origem a ele. A voz de Samantha se embargou. “Alex”, ela sussurrou, apontando. “Ali.”

Eles se aproximaram juntos, com os olhos fixos no telhado. O galpão gemeu com o peso, mas resistiu. Sem hesitar, Alex deu um passo à frente, examinando as paredes em busca de algo que pudesse ser usado para escalar. Samantha se afastou, mal respirando, com o pulso rugindo em seus ouvidos enquanto a expectativa se enroscava dentro dela.
Eles a encontraram: uma velha escada de madeira, desgastada, mas intacta, encostada na parede. Alex a pegou, testou sua estabilidade e a trouxe para cá. Ele a encostou cuidadosamente no galpão. Tudo estava tão parado que até as árvores ao redor pareciam ter prendido a respiração. Quando se sentiu confiante, Alex começou a subir a escada.

A escada gemeu sob o peso de Alex, cada passo ecoando com tensão. Samantha prendeu a respiração, com os dedos cerrados com força. Lentamente, ele chegou ao topo e se inclinou sobre a borda do telhado, desaparecendo de vista. Samantha permaneceu ali com a respiração suspensa, com o coração martelando dentro do peito.
Seus olhos permaneceram fixos no telhado. O pomar parecia suspenso no tempo, até mesmo o vento prendendo a respiração. Alex se inclinou para mais perto, espiando as profundezas sombrias do ninho. O coração de Samantha bateu forte. Ela sentiu como se o peso do momento pudesse esmagá-la.

Os segundos se arrastavam sem piedade. Samantha ficou rígida, tentando não gritar. Seus pensamentos giravam em espiral: e se Pablo estivesse ferido? E se já fosse tarde demais? Ela fechou os olhos, enviando uma oração desesperada para a quietude. Por favor, que ele esteja bem. Por favor, que ele esteja vivo.
Então a voz veio – trêmula, mas segura: “É ele! O coelhinho está aqui em cima – ele está bem!” Um suspiro percorreu Samantha. Ela cambaleou para a frente, com lágrimas correndo para os olhos. Em cima do galpão, a forma branca de Pablo se movia, arranhando alegremente os galhos do ninho, completamente inconsciente do pânico que havia causado.

Seus joelhos quase cederam. Por um longo segundo, ela não conseguiu se mover – apenas ficou olhando, atônita e trêmula. Contra todos os avisos, todos os comentários solidários, ela continuou procurando. As pessoas lhe diziam que não havia esperança, que a natureza havia seguido seu curso. Mas agora, aqui estava ele. Ileso. Inteiro. E ainda era dela.
Alex olhou para Pablo em seus braços, balançando a cabeça com incredulidade. “Não acredito que ele esteja bem”, disse ele, meio rindo. “Você tem um coelhinho teimoso, Sam.” Então, seu tom se suavizou, pensativo. “Li algo uma vez sobre como as águias se acasalam por toda a vida. Quando perdem seu parceiro… elas sofrem. Muito.”

Ele balançou Pablo gentilmente em seus braços antes de continuar. “Durante o luto, às vezes elas direcionam mal seus cuidados. Ela pode ter confundido Pablo com um dos seus – uma criatura indefesa que precisa de proteção. É raro, mas os instintos de sobrevivência fazem coisas estranhas, especialmente quando o luto está envolvido.”
Samantha mal ouviu a explicação. Seus olhos estavam fixos em Pablo, com o peito arfando de emoção. Ela estendeu a mão, com os braços trêmulos. Alex sorriu ao colocar o coelhinho gentilmente em seus braços. Pablo se aninhou instantaneamente em seu pescoço, vibrando com um ronronar profundo e rápido como se nada tivesse acontecido.

Ela se ajoelhou na grama úmida, abraçando-o com força, com lágrimas escorrendo pelo rosto. “Sua coisinha ridícula”, ela sussurrou, meio rindo em meio aos soluços. “Você quase me deu um ataque cardíaco.” Pablo se aconchegou em sua jaqueta, com as patas macias apoiadas no pulso dela, o som fraco dos dentes estalando suavemente enquanto ele relaxava.
A notícia do estranho resgate se espalhou rapidamente. Em poucos dias, a cidade inteira estava se movimentando com a história de um coelho adotado por uma águia. A caixa de entrada de Samantha transbordou de mensagens, fotos e incredulidade. Todos queriam saber como Pablo havia sobrevivido – e que tipo de águia escolheria ser mãe de um coelho.

Uma semana depois, a foto de Pablo apareceu na primeira página do jornal local: “Coelho de estimação resgatado do ninho da águia – encontra uma família improvável” Samantha recortou e emoldurou o artigo, pendurando-o na porta da cozinha. Sempre que passava por ela, sorria: Pablo sempre por perto, pulando ao sol, finalmente em casa.