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Noemi primeiro confundiu a figura com um husky errante, mas, quando ele saiu das ondas, ela viu a verdade: ombros largos demais, focinho comprido demais, presas abertas em uma malícia sem esforço. Um lobo selvagem – um caçador de elite que podia correr mais rápido do que ela podia gritar – estava perseguindo a mesma praia tranquila que ela havia escolhido para se proteger.

Seu olhar amarelo derretido a prendeu no lugar, e todos os fatos que ela já havia lido voltaram à tona: os lobos podem sentir o medo, sua mordida esmaga ossos, sua resistência supera a de uma presa em fuga por quilômetros. A praia vazia agora parecia uma gaiola estreita, e os chalés distantes pareciam estar longe.

As patas do animal se espalharam como estrelas negras na areia molhada, fechando o espaço com uma confiança silenciosa. Nenhum rosnado, nenhum aviso – apenas curiosidade letal. A pulsação de Noemi batia tão forte que ela temia que isso pudesse desencadear o ataque. Ela forçou os pulmões a se manterem firmes, ciente de que um único vacilo poderia acender o instinto de sobrevivência da fera diante dela.

Noemi sempre foi a pessoa estável de sua família – a pessoa que pagava as contas em dia, mantinha um apartamento limpo e subia na hierarquia de uma pequena empresa de publicidade porque os clientes confiavam em sua voz calma e em suas ideias claras.

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Ela adorava criar campanhas que transformavam produtos sem graça em histórias com as quais as pessoas se importavam. O trabalho era mais do que um salário; era a prova de que ela poderia construir algo por conta própria. Essa certeza se rompeu quando ela começou a namorar Mark.

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No início, ele era encantador – levava café para a mesa dela, mandava mensagens de texto entre as reuniões. Mas a atenção dele logo se tornou pegajosa. Ele ligava durante as chamadas dos clientes, insistia para que ela passasse os intervalos de almoço provando que estava com saudades dele e se irritava quando ela trabalhava até tarde nas apresentações.

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Noemi tentou manter os limites, mas a culpa se tornou rotina. Ela saía mais cedo para acalmar o humor dele, faltava às sessões de brainstorming para responder às suas mensagens incessantes e cobria os prazos perdidos com explosões de cafeína e pânico tarde da noite. Os colegas de trabalho perceberam. Seu chefe também, que a advertiu duas vezes que a equipe precisava de confiabilidade, não de desculpas sobre “emergências pessoais”

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A gota d’água veio durante uma apresentação de uma grande conta. Mark apareceu sem avisar, furioso com uma mensagem de texto que ele achava que ela havia ignorado. A cena que ele causou no corredor chegou aos ouvidos do cliente, que foi embora.

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O chefe de Noemi não teve escolha: a empresa não podia correr o risco de ter outro colapso. Ela foi demitida naquela tarde, com um envelope de indenização e um aperto de mão constrangedor de “boa sorte” na mão. Os dias não se passaram. Mark pediu desculpas, culpou o estresse e prometeu mudanças.

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Ela percebeu o padrão e finalmente pôs fim ao relacionamento. A separação foi barulhenta, cruel e pública – os vizinhos ouviram os gritos. Quando a porta se fechou atrás dele pela última vez, seu apartamento parecia maior e assustadoramente vazio.

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Noemi olhou para sua conta poupança cada vez menor. Era para uma futura casa, mas, no momento, uma futura casa parecia abstrata. O que ela precisava era de ar. Ela reservou uma casa de campo barata no litoral, fez uma mala com roupas para uma semana e dirigiu para o sul com um único plano: sentar-se à beira-mar até que o barulho dentro de sua cabeça se acalmasse.

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A viagem de carro para o sul pareceu mais longa do que o mapa prometia, mas no final da tarde ela chegou ao chalé – uma caixa atarracada, castigada pelo tempo, com pintura azul descascada e um telhado remendado em alguns lugares com telhas incompatíveis. Não era bonita, mas o oceano ficava a uma curta caminhada de distância, e isso era suficiente.

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Dentro, o lugar cheirava a sal e madeira velha. Um sofá gasto ficava de frente para uma pequena janela que emoldurava uma faixa de água cinza. A cozinha tinha uma chaleira lascada, uma geladeira que funcionava mal e pouco mais. Noemi jogou a bolsa no chão, abriu a porta dos fundos e deixou o ar do mar entrar em todos os cômodos.

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Ela não se preocupou em desfazer as malas. Em vez disso, vestiu um moletom usado, seguiu um caminho estreito de areia atrás do chalé e atravessou uma linha de dunas cobertas com grama fina. No momento em que viu a costa aberta, a tensão se dissipou de seus ombros.

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Noemi sentou-se sozinha na praia deserta, com as costas encostadas em uma rocha fria de granito. A maré respirava firmemente, lavando os dedos espumosos sobre a areia em uma repetição interminável, ecoando a agitação de seus pensamentos. Um relacionamento havia implodido, um emprego havia desaparecido e o silêncio havia engolido tudo o que lhe era familiar.

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Ela se recostou contra o granito, deixando o sol aquecer seu rosto enquanto o silêncio constante das ondas acalmava seu pulso. A água tinha um cheiro limpo, o vento penteava o sal em seus cabelos e, pela primeira vez em semanas, ela sentiu seus pulmões se encherem sem dificuldade.

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Depois de um tempo, ela se levantou e caminhou pela costa, com os dedos dos pés afundando na espuma fresca. Parou para guardar um pedaço liso de vidro marinho, riu quando um caranguejo tímido saiu de sua sombra e deixou a água fria anestesiar a dor em suas panturrilhas.

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“Era exatamente disso que eu precisava”, pensou ela, abraçando-se a uma centelha de calma esperançosa. Noemi ficou até os tornozelos na correnteza, apreciando como a espuma fria entorpecia seus pés cansados. Ela havia passado a última meia hora passeando pela curva da baía, coletando pedras lisas e deixando o vento desfazer os nós de seus pensamentos.

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A cena parecia quase encenada para lhe dar conforto: a luz suave da noite, o sal no ar, o silêncio profundo das ondas que fazia o barulho da cidade parecer impossível. Ela fechou os olhos e disse a si mesma que, pela primeira vez, tudo estava exatamente como deveria estar.

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Quando os abriu novamente, algo rompeu o horizonte – uma cabeça escura, depois um conjunto de ombros saindo da água. Por um segundo, seu coração deu um salto, mas ela se acalmou com um palpite rápido.

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Provavelmente um Husky, pensou ela. O pelo grosso, as orelhas eretas e até mesmo a maneira como o animal sacudia a água da pelagem a lembravam de um cão de trenó que ela havia visto uma vez em um festival de inverno. Os huskies gostavam de passear, e os turistas às vezes deixavam seus animais de estimação soltos perto da costa.

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Mesmo assim, ele parecia enorme. Ela examinou a praia em busca de donos que estivessem agitando uma coleira ou chamando um nome, mas a areia estava vazia por centenas de metros. O cão se aproximou. Sua pelagem era cinza-escura, quase preta quando molhada, e o tamanho do animal ficou mais difícil de ignorar.

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Esse não era um animal de estimação pequeno. Era alto na altura dos ombros, largo no peito e poderoso como os corredores profissionais são magros. Nenhuma coleira brilhava na luz, e havia uma confiança pesada em seu passo que não parecia nada com um companheiro doméstico procurando uma bola. Noemi sentiu a primeira pontada de inquietação, mas tentou raciocinar.

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Talvez ele tenha perdido a coleira. Talvez o dono esteja nas dunas. Ela levantou a mão no que esperava ser um aceno amigável e gritou: “Ei, amigo. Onde está sua família?” O vento levou suas palavras para longe. O animal levantou a cabeça, com água pingando do queixo, e a encarou.

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Os olhos dourados pálidos – quase amarelos – brilharam de volta. Os huskies tinham olhos azuis ou marrons, às vezes um de cada, mas não aquele âmbar feroz. O olhar sustentou o dela sem piscar, e uma linha de nervos percorreu sua espinha como água fria.

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A criatura avançou a passos largos, deixando pegadas molhadas como buracos na areia. A cada passo, suas longas pernas cortavam a distância rápido demais. O focinho quadrado, a penugem grossa, a cauda que não se enrolava de forma brincalhona, mas pendia baixa e reta – tudo isso reorganizou sua primeira suposição.

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Um fato teimoso se solidificou em sua mente: ela não estava olhando para um cachorro. Ela estava observando um lobo adulto saindo do mar. Sua respiração ficou curta. Ela recuou até que suas panturrilhas atingiram um pedaço de madeira naufragada – uma prancha velha de um barco apodrecido que a maré havia jogado na praia. O instinto gritou por uma barreira.

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Ela se curvou, agarrou a prancha com as duas mãos e a levantou como um remo largo entre ela e o animal. Sua pulsação martelava em seus ouvidos. Farpas cravaram em suas palmas, mas ela se segurou com firmeza, com os joelhos prontos para se soltar.

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O lobo parou a uns seis metros de distância, com as patas bem abertas, a água escorrendo de sua pelagem em linhas escuras. Ele inclinou a cabeça, com as orelhas viradas para a frente. Um rosnado baixo e estrondoso vibrou em seu peito, não muito alto, mas profundo o suficiente para fazer a adrenalina correr pelo sistema dela.

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Ela levantou a prancha mais alto, com os cotovelos travados, tentando parecer maior, como os vídeos de vida selvagem aconselhavam. “Afaste-se”, disse ela, com a voz trêmula. O rosnado caiu em um silêncio pesado. Então o lobo mostrou os dentes – longos, perfeitos, da cor de marfim polido – e soltou um latido agudo de advertência que ecoou nas dunas.

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O som perfurou o medo diretamente em sua bravata. De repente, a prancha pareceu ridícula, como papelão contra uma faca. Seu aperto afrouxou. Ela imaginou o lobo atacando, seu escudo frágil se quebrando, aqueles dentes se fechando sobre o osso.

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“Não, não”, ela sussurrou, forçando-se a respirar. “Eu não quero lutar.” Ela abaixou a tábua para mostrar que não estava tentando atacar. Os olhos do lobo acompanharam o movimento. Quando ela deixou a prancha cair na areia com um baque surdo, os lábios do animal se abaixaram um pouco, embora seus músculos continuassem tensos.

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Com as mãos abertas e os dedos abertos, Noemi deu um passo lento para trás, depois outro, sem desviar o olhar do lobo. Ela dobrou os cotovelos para fora, com as palmas das mãos voltadas para ele, um sinal universal de “sou inofensivo”. Ao mesmo tempo, tentou fazer com que sua voz ficasse calma, suave, embora tremesse. “Calma, garoto. Eu não estou aqui para machucá-lo.”

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As orelhas do lobo se contraíram ao ouvir o som, considerando. Ele fechou a boca, mas manteve o olhar brilhante fixo nos olhos dela. Um gemido suave, quase questionador, escapou, tão inesperado que ela quase riu da tensão que se instalou dentro dela.

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A força que parecia estar pronta para se lançar de repente se sentiu insegura, como se precisasse mais da atenção dela do que de sua retirada. A mudança a confundiu tanto que ela se esqueceu de estar aterrorizada por um segundo inteiro.

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Ela usou esse segundo para se ajoelhar lentamente, diminuindo sua altura para parecer menos ameaçadora. O vento salgado picou seus joelhos através da calça jeans, mas ela permaneceu abaixada, com os braços ainda levantados em sinal de rendição. “Está vendo? Está tudo bem” O lobo piscou uma vez, depois virou a cabeça para a parte mais vazia da praia.

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Ele deu alguns passos, fez uma pausa e olhou para ela, com as orelhas em pé, como se estivesse testando se ela o seguiria. Quando ela não se moveu, ele repetiu a sequência – mais alguns passos, outra olhada para trás, um leve gemido.

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O medo de Noemi se misturou à curiosidade. O lobo não estava atacando; estava acenando. Mas seguir um lobo para sabe-se lá onde? Todas as regras de sobrevivência diziam não. No entanto, algo em seu tom carregava urgência, não fome.

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Ela se levantou cautelosamente, com os músculos trêmulos, os olhos naqueles orbes dourados que agora pareciam suplicar em vez de ameaçar. O lobo girou para o norte ao longo da linha da maré, caminhando com pés seguros e silenciosos. Ele olhou para trás mais uma vez.

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Contra todo o seu julgamento normal, Noemi limpou a areia das palmas das mãos, controlou os nervos e começou a andar atrás dele – a uma distância cuidadosa – deixando a prancha onde estava e se perguntando por que uma criatura que poderia matá-la em um piscar de olhos queria que ela viesse junto.

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Ela tentou se lembrar de fatos: os lobos evitam os humanos; eles raramente vagam pelas praias; um lobo solitário geralmente indica doença ou desespero. Nenhum deles aliviou seu estômago apertado. A compostura do animal sugeria um propósito, não uma doença.

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Ainda assim, ela imaginou as mandíbulas se fechando sobre seu antebraço cada vez que a areia rangia sob ela. Uma placa de madeira torta avisava sobre “penhascos instáveis”. Além dela, a costa se reduzia a uma faixa de areia cercada por paredes rochosas irregulares.

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O lobo parou, olhou para Noemi e abanou a cauda em direção à abertura à frente – uma abertura no penhasco que mal dava para uma pessoa passar. Ela hesitou, verificando a distância de volta ao seu chalé.

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Ela ainda podia dar meia-volta, correr pela areia aberta e deixar o animal entregue aos seus segredos. Mas toda vez que ela dava um passo para trás, o lobo a espelhava com um passo à frente, silencioso, mas inequivocamente bloqueando qualquer retirada.

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O céu roncou. As nuvens de tempestade se empilhavam em camadas desgastadas sobre a cabeça, prometendo escuridão muito antes da verdadeira noite. Noemi engoliu, deslizou para o lado na passagem estreita e sentiu a pedra úmida roçar seus ombros.

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O lobo se movia logo à frente, olhando por cima do ombro a cada poucos passos, como se estivesse contando que ela ainda estava lá. O vento uivava pelo túnel, trazendo um cheiro de algas podres e algo mais forte – alcatrão, talvez, ou óleo.

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No meio do caminho, ela pensou em fugir assim que chegassem à luz do dia novamente. No entanto, se ela corresse, as longas pernas do lobo a ultrapassariam em segundos. O animal não havia mostrado os dentes desde a praia, mas a lembrança daquele rosnado ainda queimava atrás de suas costelas.

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Então, ela continuou, com os pés escorregando no xisto molhado, o coração batendo mais alto do que as ondas que ecoavam pelo corredor de pedra. Eles emergiram em uma enseada escondida. Não era nada parecida com a praia aberta que ela havia deixado para trás.

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Os detritos estavam espalhados pela costa: boias de plástico rachadas, cordas desgastadas, barris enferrujados e manchas de lama escura que se agarravam a tudo em partes sujas. Um odor adocicado e doentio vinha da bagunça. O lobo trotou à frente, com o nariz baixo, passando por entre os montes de lixo em direção ao som de um leve gemido.

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Noemi seguiu em um ritmo mais lento, com as botas grudadas na areia oleosa. Ela quase virou o tornozelo em um caixote derrubado, mas se recuperou com um suspiro agudo. O lobo fez uma pausa até que ela se estabilizasse e, em seguida, avançou em direção a um emaranhado de rede de pesca verde sobre uma forma que se debatia embaixo dela.

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O que quer que estivesse preso estava manchado com uma gosma preta e espessa que escorria de um tambor rachado ali perto. O gemido veio novamente – alto, trêmulo, desesperado. Noemi se aproximou, mas ainda não conseguia distinguir o que era a criatura.

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Era pequena, mas não minúscula; o pelo se agarrava em tufos encharcados, tão coberto de lodo que parecia preto como alcatrão. Um lampejo de dentes brancos apareceu enquanto ela tentava roer a rede, depois desapareceu em um grito lamentável.

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Uma onda de raiva a invadiu – contra quem jogou o lixo, contra ela mesma por duvidar do lobo, contra o mundo por deixar criaturas sofrerem sem serem vistas. Ela examinou o chão em busca de algo pontiagudo.

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Uma garrafa quebrada estava meio enterrada na areia. Ela enrolou a manga em sua borda irregular e testou a ponta. Ela cortaria. “Calma”, ela sussurrou para o animal preso, embora duvidasse que ele pudesse ouvir acima de seu próprio pânico.

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O lobo estava a um metro de distância, com a cauda rígida e os olhos passando entre as mãos de Noemi e a rede. Quando ela deu um passo à frente, o lobo emitiu um suave chiado – quase uma permissão. Noemi se ajoelhou, ignorando o cheiro de óleo. As cordas da rede eram resistentes, mas o vidro as cortou depois de alguns golpes.

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Cada vez que a criatura recuava, a lama espirrava em seu jeans e manchava suas mangas. Ela trabalhou metodicamente: um, dois, três cordões; deslocar o vidro; quatro, cinco, seis. O lobo manteve distância, mas andava em um semicírculo ansioso, com as orelhas girando no ritmo de seus cortes.

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Finalmente, o último laço se rompeu. A criatura – ainda sem nome, sem forma sob a sujeira – tentou se erguer, conseguiu dar meio passo e depois caiu com um guincho fino e doloroso. Suas pernas traseiras se contorceram, inúteis.

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Os olhos cinza-claros, cheios de medo, fixaram-se nos de Noemi. Um segundo depois, as pálpebras se fecharam e o pequeno corpo caiu na rede, como se o esforço tivesse esgotado suas últimas forças. O pânico a colocou em movimento. Ele precisava de calor, pressão – qualquer coisa para manter seu coração funcionando.

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Ela avistou uma lona rasgada no meio do lixo, arrancou uma tira mais limpa e enrolou o fardo mole contra o peito. O óleo pegajoso encharcou sua camisa, mas ela não se importou. Ela sentiu o coração bater contra a palma da mão – lá, mas fraco, como uma mariposa batendo contra o vidro.

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O lobo choramingou atrás dela. Noemi olhou para cima; as luzes do chalé brilhavam ao longe. “Eu vou cuidar disso”, prometeu ela, com a voz trêmula. Quer o lobo entendesse ou não, ela tinha que tentar. Ela se virou em direção ao túnel.

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O lobo a seguiu, mas parou na boca mais distante, sentado nas sombras. Um gemido baixo veio atrás dela – parte advertência, parte súplica. Ela acenou com a cabeça uma vez, um juramento silencioso, e começou a correr. O caminho até os chalés parecia duas vezes mais longo agora.

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Cada passo sacudia o animal em seus braços. Em um determinado momento, sua cabeça se inclinou para o lado, com a mandíbula frouxa, e por um momento aterrorizante ela pensou que ele tivesse morrido. “Fique comigo”, ela ofegou, ajustando o aperto para que o nariz do animal ficasse livre. Seu peito se moveu – mal. Ela continuou correndo.

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Apareceram postes de luz. Uma lanchonete fechada. Uma loja de souvenirs escura atrás de grades de metal. Um único posto de gasolina ainda aceso. Suas pernas ardiam, seus pulmões estavam em chamas. Na esquina, havia um prédio atarracado com uma placa descascada: “Shoreline Veterinary”.

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Ela bateu com o punho na porta de vidro. Uma atendente – adolescente, assustada – olhou para cima de um telefone e arregalou os olhos. Quando viu a trouxa nos braços de Noemi, ela destrancou a porta sem dizer uma palavra e gritou pelo médico.

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As luzes fluorescentes brilhantes bateram como um tapa. O veterinário, de barba grisalha e ainda fechando o zíper do jaleco por cima da bata, deu uma olhada e disse: “Mesa de trauma, kit de oxigênio, vamos embora” Dois técnicos levaram um carrinho de metal. Noemi colocou o pacote escorregadio no chão, com os dedos se recusando a soltá-lo até que o veterinário os afastasse com cuidado.

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Eles cortaram a lona, cortaram a rede e começaram a enxaguar o lodo preto com solução salina morna. O filhote ficou imóvel, com os lados mal se levantando. Um monitor emitia bipes irregulares. “Pulso quarenta e dois e caindo”, murmurou um técnico. O veterinário colocou uma pequena máscara sobre o focinho do filhote.

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Noemi pairou perto da pia, sentindo-se inútil, coberta de óleo, tremendo muito. Ela abriu a boca duas vezes, mas nenhuma palavra saiu. O veterinário lhe deu uma olhada. “Meu nome é Dr. Alvarez”, disse ele, com a voz calma, mas firme. “Você fez bem em trazê-lo. Agora sente-se antes que caia.”

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Um técnico a guiou até uma cadeira e colocou uma caneca de chá muito quente em suas mãos trêmulas. O vapor subiu, trazendo o cheiro amargo de folhas queimadas. Ela não conseguia sentir o gosto. Por cima do barulho dos instrumentos, ela ouviu o Dr. Alvarez novamente: “A respiração parece superficial…”

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“O que foi?”, ela conseguiu, com a voz embargada. “Ainda o estou limpando”, disse Alvarez, com os olhos em seu trabalho. “Filhote de lobo. Seis, talvez sete semanas.” Ele fez uma pausa, com os dedos suaves enquanto limpava a sujeira de uma pequena orelha. “Não há boas chances de o óleo ter entrado nos pulmões.”

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Seu estômago caiu. “Ele vai sobreviver?” Alvarez não respondeu de imediato. Ele conectou um cateter intravenoso e o prendeu com fita adesiva em uma pata dianteira magra e escorregadia com antisséptico. “Vamos tentar”, disse ele por fim, o que parecia ser, no máximo, um talvez.

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Noemi engoliu com força. “Eu o encontrei preso em uma rede – óleo por toda parte. A mãe dele me levou até lá.” Até mesmo para seus ouvidos isso soou como um sonho. Mas Alvarez apenas assentiu com a cabeça, os olhos se estreitando em uma preocupação profissional.

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Os minutos se transformaram em uma hora. A chuva martelava as janelas e os trovões se retiravam. Noemi sentou-se encurvada, com o alcatrão secando em flocos duros em suas mangas. Por duas vezes, ela ouviu o monitor cardíaco parar por um segundo arrepiante antes de retomar seu fraco blip-blip.

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Em um determinado momento, um técnico se afastou e sussurrou para Alvarez: “Estamos perdendo ele” O veterinário pressionou dois dedos nas costelas do filhote e balançou a cabeça. “Ainda não”, murmurou ele, e começou a fazer compressões rítmicas com um dedo e o polegar, com um cuidado impossível.

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Noemi observava, com lágrimas escorrendo por seu rosto manchado de sujeira. Por favor, não morra, pensou ela. “Sua mãe está esperando.” As compressões pareciam intermináveis e, então, a mais leve vibração sob os dedos de Alvarez. O monitor o captou, estabilizando-o em um ritmo lento, mas regular. “É isso”, respirou Alvarez, com o suor escorrendo por suas têmporas. “Muito bem, rapazinho, fique conosco.”

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Mais meia hora se passou antes que o veterinário finalmente tirasse as luvas e caísse em um banco. Ele enxugou a testa na manga da camisa e se virou para Noemi. Sua expressão era cautelosa, como alguém que pisa com cuidado em um vidro quebradiço.

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“Ele está vivo”, disse ele, com a voz baixa. “Fraco, mas estável por enquanto. Nós retiramos o máximo de óleo que pudemos e começamos a lhe dar fluidos e antibióticos. As próximas seis horas são críticas. Se os pulmões não entrarem em convulsão e a infecção permanecer baixa, ele tem uma chance.”

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O alívio foi tão forte que Noemi balançou. “Obrigada. Obrigada.” Alvarez levantou uma mão. “Não me agradeça ainda. Ele não está seguro. E mesmo que ele se recupere, ele precisa de sua matilha. Um filhote de lobo solitário é uma sentença de morte” “Posso tentar levá-lo de volta”, disse ela rapidamente. “Para o túnel da praia. A mãe dele ainda pode estar lá.”

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Ele estudou o rosto dela, as manchas de piche, o medo e a esperança misturados em seus olhos. Finalmente, ele acenou com a cabeça. “Tudo bem. Preparamos um carrinho de viagem. Tanque de oxigênio portátil. Se ele cair no caminho, voltamos para trás. Entendido?”

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Ela assentiu, com os punhos cerrados para não chorar novamente. Eles envolveram o filhote em um velo limpo, colocaram a linha de oxigênio em uma pequena caixa e prenderam sensores minúsculos em almofadas em miniatura em suas patas. A luz verde do monitor piscou como um batimento cardíaco cauteloso.

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Alvarez levantou o transportador com as duas mãos e olhou para ela. “Indique o caminho.” Na noite úmida, o vento açoitava os cabelos de Noemi, mas ela mal sentia o frio. Os faróis abriam um caminho instável ao longo da estrada do penhasco enquanto ela dirigia, olhando pelo espelho a cada poucos segundos para ter certeza de que a caminhonete de Alvarez ainda a seguia.

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Perto do início da trilha, seu telefone tocou: Alvarez. Ela atendeu no viva-voz. “Ele está agitado, mas ainda está respirando”, informou. “Continue indo.” Eles estacionaram perto das dunas. Lanternas cortavam a névoa. Noemi os guiou até a entrada do túnel, com as paredes brilhando.

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Lá dentro, as ondas ecoavam distantes e a água pingava do teto como um relógio. Alvarez carregou o caixote como se fosse feito de vidro, observando os monitores brilharem. Do outro lado, a luz da lua revelava a enseada e uma sombra esperando na beira da praia: a mãe lobo.

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Quando o feixe da lanterna a tocou, ela rosnou baixo, insegura. Noemi se ajoelhou, abriu a porta do caixote e se afastou. O filhote se mexeu e deu um latido fraco. A postura da mãe mudou instantaneamente. Ela trotou para a frente, choramingando baixinho, e deu uma mordida no filhote. Alvarez retirou a máscara de oxigênio.

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O filhote piscou, depois lambeu o focinho da mãe. Um pequeno som – meio rosnado, meio suspiro – escapou da loba adulta, e ela empurrou o filhote para trás, como se quisesse protegê-lo das luzes dos humanos. A visão de Noemi ficou embaçada pelas lágrimas.

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Alvarez desligou sua lanterna, sinalizando a retirada. Eles recuaram para dentro do túnel, ouvindo o som suave de quatro patas seguindo duas patas maiores em direção às dunas. Quando chegaram aos caminhões, a tempestade havia passado.

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A primeira mancha rosa do amanhecer tocava o horizonte. Alvarez exalou. “Você conseguiu”, disse ele em voz baixa. “Ele tem uma chance real agora.” Noemi limpou as bochechas, sentindo o alcatrão seco rachar e descascar. “Nós conseguimos”, ela corrigiu, depois riu – rouca e incrédula.

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Dirigindo de volta para o chalé, ela percebeu que suas pernas ainda tremiam, seu coração ainda estava acelerado, mas o pavor que a assombrava há semanas parecia distante, lavado pelo alívio e pela admiração. Em algum lugar atrás dela, um filhote de lobo estava vivo porque ela se recusou a ir embora.

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